A lista elaborada pela Casa Civil com 23 acusações e críticas ao desempenho do governo federal no combate à pandemia - que podem vir a ser usadas para a defesa do governo na CPI da Covid no Senado - chamou a atenção de juristas para ao menos um crime de responsabilidade: violação a um direito ou garantia individual. A avaliação é de quatro professores de Direito ouvidos pelo Estadão.
O dispositivo em questão é o artigo 7.º da Lei 1.079/50, a chamada Lei do Impeachment. O artigo diz que é crime de responsabilidade violar qualquer direito individual e social. Para os especialistas, o direito à saúde e à vida se encaixa nas duas definições. A crise de oxigênio no Amazonas, o uso de recursos públicos para promover medicamentos sem eficácia científica comprovada e o atraso nas negociações para compra da vacina da Pfizer estão entre as situações que podem ser enquadradas na lei, segundo eles.
"Qualquer atuação do Executivo que vá em sentido contrário à garantia da saúde é uma violação da Constituição, e isso é um crime de responsabilidade que pode fundamentar a abertura de um processo de impeachment", disse a defensora pública e professora de Direito Constitucional na PUC-SP Mônica de Melo. O professor Gustavo Badaró, da Faculdade de Direito da USP, concordou. "Para os crimes de responsabilidade, não importa conseguir comprovar uma ou dez situações em que houve infração. Se um crime de responsabilidade estiver bem caracterizado, já tem o mesmo efeito: perda de mandato."
Para Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da FGV, a CPI pode investigar a quebra de decoro, infração que também está prevista entre os crimes de responsabilidade. Ele citou a live em que o presidente Jair Bolsonaro imitou uma pessoa com dificuldades para respirar - situação que, de acordo com o professor, pode ser entendida como deboche das mortes por covid-19. "O artigo 9.º da lei que trata de crimes contra a probidade na administração, em seu inciso 7.º, fala sobre proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo."
O professor Marcelo Erbella, especialista em Direito Penal na PUC-SP, avaliou que seria necessário "ir ao extremo" para imputar um crime comum ao presidente da República, porque seria necessário obter provas contundentes, identificar vítimas e mostrar uma relação direta entre um ato de ofício da Presidência e mortes em hospitais. "Não vejo como algo impossível, mas a construção da prova é muito difícil."