Diferentes Estados viram o ritmo da vacinação contra a covid-19 sofrer uma redução ao longo desta semana diante da escassez de doses a serem aplicadas. A cidade de São Paulo chegou a suspender a campanha por um dia na expectativa da chegada de novos lotes, e outras 11 capitais também enfrentaram problemas que levaram a aplicação a ser alterada.
Para Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o País não está livre do risco de ver novas interrupções voltarem a ocorrer, uma vez que a entrega de doses tem sido marcada por atrasos. Na avaliação dele, uma consequência dessas paralisações pode ser a perda de confiança da população na campanha, resultando em menores indicadores de imunização da população. Para uma campanha na qual as pessoas ainda terão de voltar para uma segunda dose, essa confiança é fundamental, aponta. Veja a seguir a entrevista concedida por Kfouri ao Estadão.
O que o cenário de atraso nos planos de vacinação representa para o futuro da campanha vacinal no Brasil? A gente corre risco de uma nova 'crise da segunda dose'?
Não foi a primeira interrupção e, provavelmente, não será a última. Até que a gente receba vacinas entrecortadas assim, a demanda, o consumo de doses é muito maior do que a oferta que chega. Então, chega um milhão, vai embora um milhão. A gente vacina um milhão, dois milhões por dia, fácil. Ainda mais chamando populações grandes, abaixo de 60 anos, o número absoluto cresce. Então, quantas vezes tivermos atrasos de entrega, teremos interrupções. Isso cria atrasos que não deveriam e perda de confiança no programa, de pessoas que vão atrás da vacina e não tem. Isso é muito ruim.
O Ministério da Saúde disse que vai vacinar todo mundo com a primeira dose até setembro. Não é um cronograma arriscado?
Eu acho que nós vamos, sim, conseguir vacinar todo mundo, não porque teremos um programa eficiente, com duas doses. A gente vai ter dificuldade em atingir coberturas vacinais ideais. Quanto mais baixa a idade, mais difícil é convencer as pessoas a se vacinarem, a dar duas doses é pior ainda, porque as pessoas se sentem protegidas já com a primeira.
As outras campanhas todas (no Brasil) são de uma dose. Então, essa é a primeira campanha que a gente faz com duas doses. Poliomielite, sarampo, rubéola, febre amarela, gripe… São campanhas sempre em dose única. Então, este ano nós temos uma campanha diferente. E as pessoas não estão habituadas a voltar para uma segunda dose, isso é preocupante. Eu acho que fazer uma única dose em 70% da população e duas doses em 50%, 60%, por exemplo, é uma dificuldade que a gente vai ter no controle da transmissão. As campanhas de vacinação devem ser muito intensificadas.
O que precisa ser feito para que os planos de vacinação dêem certo nas cidades brasileiras e não haja mais atrasos daqui em diante?
Uma estratégia melhor. O que precisa ser feito são os planos de comunicação, para que a gente primeiro tenha a vacina e depois convença a população a ser vacinada. Esses são os dois grandes desafios. Acho que a entrega de vacina a gente vai ter resolvido no segundo semestre. Chegam mais quase 180 milhões de Pfizer, mais 100 milhões de Moderna, mais Janssen, mais Covax, mais Astrazeneca. Então, acho que nós não teremos problemas de quantidades de doses até o final do ano. Mas, infelizmente, nós vamos ter o desafio da adesão, da cobertura vacinal. Vamos ver como nós vamos enfrentar isso.