A vida da estudante de Enfermagem Carla Vitória Pereira, de 22 anos, mudou em maio de 2020. Nessa época fez ultrassonografia de rotina para investigar a causa de ausência de menstruação havia pelo menos um ano.
A surpresa veio quando o médico lhe disse que eram gêmeos. Sem planejamento, a gestação foi um choque para quem ainda tentava entender a pandemia. Resignada, Carla Vitória começou a preparar o enxoval das crianças - Benjamim e João Marcelo. Aos 7 meses de gravidez, porém, ela foi diagnosticada com o coronavírus, e, por complicações da doença, os bebês nasceram prematuros.
Dois dias depois de nascido, Benjamim não resistiu e morreu em decorrência da covid-19. "Foi um turbilhão de sensações", relembra Carla Vitória, que se recuperou da doença dias depois do parto. Em casa, estava tudo organizado para receber os gêmeos. "Enxoval igual para os dois e um quarto planejado para eles", conta a jovem, que divide sua vida entre estudo, trabalho e cuidados com João Marcelo, de 11 meses.
Para atenuar a saudade, Carla Vitória guarda sobre a cômoda do quarto do filho uma foto do bebê Benjamin tirada na UTI neonatal, em Maceió. Lá, ele lutou pela vida durante 48 horas.
Acre
Any Gabrielly Lima, de apenas 1 ano e 5 meses, morreu em Feijó (AC). De início, ela foi diagnosticada com anemia, mas um exame - cinco dias após o primeiro atendimento - mostrou que a criança tinha covid-19. "O médico colocou-a no oxigênio, porque ela estava muito fraca, cansada", conta a mãe, Maria da Conceição Pereira, de 25 anos.
"Estamos muito abalados ainda", afirma a jovem. "A gente não achava que fosse covid porque ela não saía de casa comigo." Desde o início da pandemia, o Acre teve cinco mortes de bebês com menos de 1 ano por coronavírus.
?Mortes de bebês e crianças por covid-19 disparam em Santa Catarina no mês de março
No pior momento da pandemia em Santa Catarina, que já convive há mais de um mês com o colapso no sistema de saúde, o número de mortes de crianças disparou neste mês de março. Das oito mortes registradas em crianças, sete são de bebês com até dois anos, segundo dados do governo. Em um mês, foi registrado pelo menos um quarto de todas as mortes de crianças desde o início da pandemia.
No total, Santa Catarina registrou 25 mortes de crianças de até 12 anos desde março do ano passado, sendo que oito dessas mortes ocorreram no último mês, o pior já enfrentado pelos catarinenses. O Estado tem registrado recordes diários de mortes por coronavírus. Das 10.752 mortes confirmadas desde o começo da pandemia, mais de 3 mil são de casos ocorridos em março.
Ainda de acordo com dados fornecidos pela secretaria de Saúde do Estado, os leitos de UTI para adultos seguem lotados. Nesta terça, 30, mais de 300 pessoas aguardavam na fila de internação. Com a ampliação da vacinação entre os mais idosos, e também pelo perfil da nova variante de Manaus - mais contagiosa, segundo especialistas -, o número de pessoas mais novas internadas e mortas também cresceu.
A epidemiologista da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Alexandra Boing, afirma que as evidências até o momento indicam que os bebês representam baixo percentual de casos notificados, em sua maioria apresentam quadro leve da doença e poucas evoluem para o óbito. "Entretanto, é importante destacar que, apesar de menor chance de os bebês evoluírem para um caso grave, ou chegarem a óbito, isso não está descartado".
No Brasil as mortes de bebês são superiores a outros países, número aproximadamente dez vezes maior do que o dos Estados Unidos, e tem aumentado. "É provável que isso esteja ocorrendo principalmente pelo descontrole da pandemia no país, aliado à falta de diagnóstico e/ou diagnóstico tardio, a outras doenças associadas presentes e as desigualdades sociais, por exemplo", explica Alexandra Boing.
Nesta terça-feira, 30, Santa Catarina sofreu mudança de comando no Executivo. A vice-governadora Daniela Reinehr (sem partido) tomou posse como interina enquanto Carlos Moisés(PSL) fica afastado para responder ao processo de impeachment. A vice tem se posicionado reiteradas vezes contra adoção de medidas mais restritivas de isolamento.
Procurada para comentar o aumento de morte de crianças por covid, a Secretaria informou que nenhuma criança morreu por desassistência. Segundo os dados do governo, das 25 mortes já registradas de crianças entre zero e 12 anos, menos da metade chegaram a um leito de UTI. /CARLOS NEALDO, BRUNA NETO, JOÃO RENATO JÁCOME E FÁBIO BISPO, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO