Medo de punição evitou retirada de verba do Bolsa Família

TCU abriu investigação para apurar a transferência de R$ 83,9 milhões do programa social para a Secom

9 jun 2020 - 18h20
(atualizado às 18h22)

O temor de uma responsabilização pelo Tribunal de Contas da União (TCU) levou a equipe econômica a recuar da decisão de transferir recursos do Bolsa Família para a verba publicitária do governo federal e revogar a portaria que havia permitido o repasse.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, concede entrevista coletiva no Palácio do Planalto, em Brasília
O ministro da Economia, Paulo Guedes, concede entrevista coletiva no Palácio do Planalto, em Brasília
Foto: Dida Sampaio / Estadão Conteúdo

A portaria que fez o remanejamento e o ato que a revogou foram assinados pelo secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues.

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Como antecipou o Estadão/Broadcast, a corte de contas abriu investigação para apurar a transferência de R$ 83,9 milhões do programa social para a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência (Secom), depois que o auxílio emergencial absorveu temporariamente 95% das famílias do Bolsa e deixou dinheiro livre no Orçamento.

A suspeita, levantada por especialistas e pelo Ministério Público junto ao TCU, é de que o remanejamento tenha significado um "drible" nas regras fiscais que permitem a elevação de gastos para combater a pandemia da covid-19. Elevou-se a despesa emergencial e destinou-se o espaço que "sobrou" no Orçamento original para aumentar gastos sem relação com a crise.

O presidente Jair Bolsonaro já criticou diversas vezes o governo da ex-presidente Dilma Rousseff pelas "pedaladas fiscais", prática de atrasar pagamentos sociais que foi um dos motivos para o impeachment da petista. Em julho passado, quando foi alvo de críticas por bloquear recursos no Orçamento para cumprir o que manda a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Bolsonaro deixou claro que preferia o contingenciamento ao impeachment.

"Se tem lei, tenho que seguir a lei, não sou ditador nem o 'Dilmo' de calça comprida", afirmou à época. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também já criticou a "contabilidade criativa" do governo petista.

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É por isso que, ao primeiro sinal de que o TCU questionaria a regularidade da portaria, a equipe econômica resolveu dar um passo atrás.

Com a decisão, a investigação na corte de contas pode ser arquivada por perda de objeto, uma vez que a portaria que deflagrou a auditoria deixou de existir. Mas essa é uma medida que ainda não foi tomada, uma vez que outros elementos estão sendo levantados pelos auditores.

O mais chamativo deles é o fato de o próprio governo ter aberto em 25 de março um crédito extraordinário destinando R$ 3,037 bilhões para reforçar o Orçamento do Bolsa Família. À época, a decisão foi justificada como necessária para zerar a fila de espera pelo programa.

O governo não só não zerou a fila (433 mil famílias são elegíveis ao programa e não tiveram ainda a concessão do benefício), mas também passou a retirar recursos do Bolsa para destinar a outras despesas do dia a dia, sem relação com o combate à crise.

Os auditores também se preocupam com as projeções que estão sendo feitas para justificar a "dispensa" desses recursos neste momento, uma vez que as projeções de organismos internacionais apontam para aumento do desemprego e da pobreza. Em tese, o programa Bolsa Família tende a ser mais demandado, não menos, dizem os técnicos.

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Na área econômica, porém, há uma inquietação em relação aos efeitos da decisão de revogar a portaria. Técnicos manifestam temor de que o escrutínio do TCU gere uma incerteza em relação aos créditos extraordinários abertos no futuro.

Segundo uma fonte da área econômica, é possível que, ao destinar recursos extras para uma ação emergencial, haja economia de recursos em outra ponta dentro do Orçamento. A dúvida é se o governo poderá agora remanejar isso para outras ações ordinárias, ou apenas para despesas relacionadas ao acontecimento extraordinário.

Na avaliação dessa fonte, o alerta do TCU ajuda na questão da transparência, mas pode virar mais um fantasma para os gestores que colocam seus CPFs nas autorizações de gastos do governo federal.

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