Nas últimas semanas, Estados do Brasil têm adotado a intercambialidade de doses nas segundas aplicações e até mesmo na dose adicional para idosos e imunossuprimidos. Uma das razões é a falta dos imunizantes da AstraZeneca - a solução mais à mão, nesses casos, é completar a imunização com as vacinas da Pfizer.
Um segundo motivo é a queda na efetividade dos imunobiológicos - ou seja, a diminuição da proteção contra a infecção ao longo do tempo, riscos de hospitalização e de morte, que vêm se mostrando altos e tornam incerta a espera. Num cenário com variantes agressivas e mais transmissíveis como a Delta, a estratégia é trocar de vacina e tomar a nova dose logo.
Na segunda-feira, São Paulo começou a colocar em prática esse intercâmbio de imunizantes, alegando a falta de doses da AstraZeneca. Por meio de orientações no Documento Técnico da Campanha de Vacinação contra a Covid-19, foi estabelecido o uso excepcional da Pfizer até quarta-feira. O Rio de Janeiro também adotou essa mesma solução.
Essas atitudes acenderam um debate entre cientistas e instituições. A Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) acredita que a aplicação de uma dose diferente das primeiras seja uma boa alternativa, baseada em estudos recentes que demonstram que uma dose adicional da Pfizer pode oferecer uma proteção maior. Mas ela adverte que essas aplicações devem ser direcionadas a grupos mais vulneráveis.
Muitos especialistas concordam com essa estratégia, levando em conta estudos de países como Espanha, Inglaterra e Canadá, que já aplicam a segunda dose de maneira alternada. O Instituto Estadual do Soro, da Dinamarca, aponta que a combinação da primeira dose da AstraZeneca com a segunda da Pfizer pode oferecer uma boa proteção.
Para Denise Garret, epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, um imunizante diferente na segunda aplicação é seguro. "Em inúmeros estudos avaliando o uso heterólogo das vacinas, a combinação da Astrazeneca com a Pfizer tem se mostrado segura e com resultados de imunogenicidade até melhores do que quando usadas duas doses com a mesma vacina", afirma. "Além disso, no Brasil já temos Nota Técnica do Ministério da Saúde autorizando essa combinação (para determinados grupos)."
O professor de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Gonzalo Vecina concorda e afirma que estudos demonstram que os indivíduos podem apresentar poucas reações, devido à segurança. "Houve testes com a primeira aplicação da AstraZeneca, seguida pela segunda da Pfizer, para ver se poderia haver reação adversa, já que a da AstraZeneca pode apresentar um quadro trombolítico, enquanto a da Pfizer pode ter como reação a miocardite."
Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, defende que, na falta temporária da vacina britânica, como ocorre no País atualmente, o uso da Pfizer como opção de segunda aplicação é necessário. "O ideal seria imunizar com a mesma vacina, mas como há um desabastecimento, é possível usar esta alternativa", sinaliza o especialista.