BRASÍLIA - O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), entrou com uma representação na corte de contas para suspender o aumento de até R$ 1,6 mil na remuneração de militares. O reajuste começa nesta quarta-feira , dia 1º, e tem impacto previsto de R$ 1,3 bilhão neste ano, como revelou o Estadão. Em cinco anos, a despesa custará R$ 26,4 bilhões aos cofres públicos.
O procurador considerou o reajuste "ilegal", por causa da lei, aprovada em maio, que congelou aumentos em todo o funcionalismo público até o fim de 2021, como medida de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Para Furtado, a lei "colide frontalmente" com o "agrado" aos militares, apesar de prever exceção para casos autorizados antes da pandemia ou determinados pela Justiça.
"É flagrante e inapelavelmente ilegal", escreveu o subprocurador no documento assinado nesta terça-feira, dia 30, um dia após o Estadão revelar que o "penduricalho" passaria a ser pago a partir deste mês.
O reajuste às Forças Armadas impacta um penduricalho chamado de "adicional de habilitação" e foi aprovado na reforma dos militares, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019. Esse adicional é pago para quem conclui cursos durante a progressão na carreira e incide sobre o salário base dos militares, aumentado a remuneração final. Ele não era alterado desde 2001, quando foi instituído, em substituição a uma gratificação similar existente até então.
Na prática, os militares conseguem complementar o salário por meio desse "adicional", que varia de acordo com a categoria de curso concluído: formação (12%), especialização (19%), aperfeiçoamento (27%), altos estudos II (37%) e altos estudos I (42%). Esses porcentuais passaram a valer nesta quarta-feira.
Até 2023, a maior faixa, de altos estudos I, atingirá 73%, como proposto pelo governo Bolsonaro. Ela beneficia principalmente o oficialato de Aeronáutica, Exército e Marinha, motivo de pressões internas na caserna.
O acúmulo de penduricalhos como o "adicional de habilitação" faz com que o salário de um oficial general de quatro estrelas, topo hierárquico as três forças, salte de R$ 13,4 mil (soldo) para quase R$ 30 mil, podendo ser superior, a depender das especificidades da carreira de cada militar, como local de trabalho.
Hoje, os maiores salários brutos entre os 381 mil militares em geral são do general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e do almirante Bento Albuquerque (Minas e Energia). Em março, último pagamento publicado pelo governo, eles receberam, respectivamente, R$ 51.026,06 e R$ 50.756,51, conforme o Portal da Transparência. Os valores, no entanto, caem na regra do abate-teto, pela qual ninguém pode ganhar mais do que um ministro do Supremo, que recebe R$ 39,2 mil.
Furtado pede que, até que o plenário do TCU se manifeste ou enquanto durar a pandemia da covid-19, o governo seja obrigado cautelarmente a se abster de pagar o reajuste em remuneração de qualquer espécie aos integrantes das Forças Armadas.
Ele afirmou que a manutenção do pagamento a mais, confirmada pelo governo ao Estadão, "constrange a sociedade brasileira" e que seria justificado pela "proximidade e simpatia" do presidente Jair Bolsonaro com as Forças Armadas, já que é capitão da reserva do Exército.
"A medida, que já pareceria inconveniente em tempos normais - dada a elevada remuneração da classe militar (o Estadão menciona salários brutos superiores a R$ 50 mil), além de outros benefícios que seus integrantes recebem -, se mostra agora, diante do cenário econômico catastrófico que se avizinha- com sinalização de queda vertiginosa do Produto Interno Bruto brasileiro - inteiramente inoportuna e indecorosa e até, porque não dizer, de monstruosa indiferença com a população - como quem pergunta 'e daí' diante das tragédias alheias-, sobretudo com as pessoas mais pobres, que serão chamadas a pagar a conta exatamente no momento em que, possivelmente, enfrentam as maiores dificuldades, incertezas e angústias de suas vidas", afirma Furtado.
Ao Estadão, o Ministério da Defesa informou que a reestruturação das carreiras é "autossustentável e autofinanciável". Segundo a Defesa, a economia líquida estimada com a aplicação da nova lei é de R$ 10,45 bilhões em dez anos, já computado o impacto do adicional de habilitação militar, que será de R$ 1,3 bilhão, levando-se em consideração a alteração prevista para a partir deste mês.