O senador Otto Alencar (PSD-BA) vem se destacando na CPI da Covid por usar suas intervenções para dar uma aula de medicina. Recentemente, ele protagonizou um dos momentos mais inusitados ao confrontar a médica Nise Yamaguchi durante seu depoimento. Incomodado com o que classificou como uma sequência de "mentiras" da depoente, Otto fez uma intervenção mais dura, perguntando se ela sabia a diferença entre protozoário e vírus. E, insatisfeito com a resposta recebida, passou a descrever as diferenças.
Ortopedista, o senador cobrou exames de pacientes tratados por Yamaguchi com o medicamento e a apresentação dos resultados. "Até porque a senhora deve saber a diferença entre um protozoário e um vírus. A senhora sabe? Qual é a diferença, doutora? Doutora Nise, estou perguntando para a senhora", questionou Otto Alencar. Enquanto Otto insistia na pergunta, Nise Yamaguchi folheava os papéis que levou à comissão. O advogado da médica interveio. "Pela ordem o quê? É só a diferença entre um protozoário e um vírus", reforçou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).
Só então Nise Yamaguchi respondeu: "Protozoários são organismos celulares, e os vírus são organismos que têm o conteúdo de DNA ou RNA". "Não senhora, não senhora, tenha paciência. Não é bem assim. A senhora não é infectologista, se transformou de uma hora para outra, como muitos no Brasil, se transformaram em infectologista, e não é assim", disse Otto Alencar.
"A senhora não soube explicar o que é o vírus. Vírus não são nem considerados seres vivos. Portanto, uma medicação para protozoário nunca cabe para vírus", explicou o senador-médico.
Imunologista e oncologista, Yamaguchi é uma das principais defensoras do tratamento precoce e do uso da cloroquina para o combate à covid-19. A cloroquina é tradicionalmente usada para o tratamento da malária, doença provocada por um protozoário, e já se comprovou ineficaz para a covid.
Ao Estadão, Otto — com quase meio século de formado — disse que, desde que a pandemia começou, voltou a ler e estudar novamente porque tem "dever" como médico de se informar. "As pessoas estão tomando uma medicação como se ela pudesse proteger o paciente de contrair uma virose. Não existe medicação no mundo que possa evitar que uma pessoa contraia uma virose. Por isso, perguntei para a doutora Nise a diferença entre protozoário e vírus. Para mostrar a diferença de atuação do protozoário no organismo em relação a do vírus. E nenhuma medicação antiprotozoária é antivirótica", ressalta Otto.
Criticado pela maneira como questionou Nise, Otto garante que acabou ajudando a médica na CPI, evitando que ela mudasse sua condição de convidada da comissão para testemunha, o que a colocaria sob risco até sofrer punições da comissão, caso faltasse com a verdade. "Eu fui o melhor amigo dela porque sou colega dela. Ela devia me agradecer pelo resto da vida", disse.
Na sessão da última quarta-feira, 9, o senador voltou a ser destaque ao protagonizar ríspido bate-boca com o governista Marcos Rogério (DEM-RO). A batalha ainda ganhou o apoio do também governista Luis Carlos Heinze (PP-RS), que se colocou ao lado de Rogério e engrossou o coro das ofensas assistidas ao vivo pelos milhares de internautas que não perdem um só capítulo da CPI. No cardápio, os xingamentos foram de "covarde" a "moleque", passando por desonestos. Nas redes, o único lamento, no entanto, foi pelo áudio cortado, praxe já nesta comissão.
Decano da CPI, perto de completar 74 anos, esta não foi a primeira tarefa espinhosa que Otto teve que resolver na comissão. Justamente por ser o integrante mais velho, coube a ele presidir a sessão de instalação e de eleição do presidente da CPI. Político experiente — foi deputado estadual por três mandatos, governador e vice na Bahia —, segurou a pressão contrária dos governistas e garantiu que a sessão fosse feita, com a escolha do senador Omar Aziz, seu colega da bancada do PSD, para a presidência.
Dentro da CPI, porém, Otto chama a atenção pelas intervenções baseadas na sua experiência como médico, mas também por confrontar depoentes alinhados com o presidente Jair Bolsonaro. Ele tem buscado expor os buracos nas teorias de combate à pandemia que se baseiam em tratamentos ineficazes. Assim como no depoimento de Nise Yamagushi, Otto também usou seus conhecimentos para pressionar, por exemplo, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
O ex-ministro foi inclusive atendido por Otto depois de ter uma síncope após horas respondendo a questionamentos dos senadores na CPI da Covid. No dia seguinte, depois de receber o agradecimento de Pazuello, Otto brincou que não cobraria a consulta porque tinha feito o atendimento pelo SUS. "Ele teve uma síndrome vasovagal, que acontece com as pessoas que estão muito emocionadas às vezes ou fiquem muito em pé, por emoção. É uma perda sanguínea do toráx e do cérebro. Isso recua muito para os membros inferiores. Quando cheguei na sala do cafezinho, ele estava muito pálido. Eu vi, procurei colocar ele na posição correta", relatou Otto.
Na CPI, o senador também questionou Pazuello sobre seu conhecimento acerca da doença. Como o ex-ministro não conseguiu responder às perguntas, Otto rebateu: "Não poderia ser ministro da Saúde. Eu no seu caso não aceitaria, o senhor não sabe nada sobre o vírus", disse.
O estilo franco faz com que Otto assuma abertamente suas críticas ao desempenho de Jair Bolsonaro no combate à pandemia. O senador não tem dúvidas sobre a responsabilidade do chamado "gabinete paralelo" pelos problemas no enfrentamento do coronavírus. E diz que o presidente é quem dá as ordens para o grupo.
"Sem dúvida nenhuma, as orientações foram todas erradas e todas foram dadas pelo presidente da República", afirma Otto. Para o senador, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, é uma pessoa preparada mas não tem autonomia na Pasta. "Ele prescreve e orienta o isolamento físico. O presidente aglomera com as motos, nas reuniões. Não está nem aí para vacina. O ministro tem 100% de autoridade? Não". /COLABOROU ADRIANA FERRAZ