RIO - O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, que comandou a pasta durante a pandemia de H1N1, avalia que o Brasil vive uma situação paradoxal durante a pandemia do novo coronavírus. Em meio a uma crise de Saúde, diz, o que se vê é um papel apagado do Ministério da Saúde. "Ninguém sabe o que o ministro (Nelson) Teich pensa", afirma o médico sanitarista ao Estado.
Para Temporão, que integra o conselho de notáveis que vem auxiliando o governo do Rio, o papel de uma liderança no enfrentamento de uma crise desse porte é tão importante quanto leitos e equipamentos hospitalares. Sem ela, o que se observa no País é uma espécie de governança paralela, tocada por consórcios de governadores, frentes de prefeitos e especialistas em Saúde.
"Estamos enfrentando uma pandemia não com a liderança, mas apesar do Ministério da Saúde. Criou-se uma espécie de governança paralela. O Brasil é uma República federativa, com União, estados e municípios, mas não estamos tendo isso. Tivemos uma ruptura causada pelo presidente", aponta o ex-ministro.
Segundo o médico, que comandou a Saúde brasileira entre 2007 e 2011, a falta de atitudes efetivas do governo federal no campo econômico, somadas à postura de Jair Bolsonaro, torna necessária uma radicalização "para ontem" do isolamento social, dado o aumento na circulação de pessoas nas ruas nas últimas semanas. Foi o que ele e os outros membros do conselho de notáveis recomendaram ao governador Wilson Witzel, que avalia as medidas.
"A irresponsabilidade do presidente ameaça a Segurança Nacional e a vida dos brasileiros", afirma Temporão, que critica a troca de ministro em meio à pandemia e os maus exemplos diários de Bolsonaro, como a presença em manifestações e o não-uso de máscara.
O aumento na circulação, hoje, provocará o aumento de infectados e de mortos daqui a duas semanas, segundo o médico que integra a Academia Nacional de Medicina. É com base nisso que a radicalização do isolamento — termo que considera melhor que o estrangeirismo lockdown — virou urgente.
Temporão é pessimista quanto a novas atitudes do governo federal que possam coibir a crise. Para isso, diz, seria necessária uma equipe econômica "com outra cabeça". As medidas até aqui anunciadas, na visão dele, são insuficientes e têm sido mal aplicadas, de modo que provocam uma necessidade de os mais pobres irem às ruas em busca de sustento.
"Tentamos empurrar o Brasil para o caminho da ciência, mas o presidente e essa horda de fanáticos que o seguem criam um ruído que se dissemina por baixo na base social", afirma.