O Brasil está vendo mais uma alta no número de novos casos de Covid-19, desta vez após cerca de dois meses em queda. O cenário acende o alerta para a retomada das medidas de prevenção, de modo a evitarmos mais internações e mortes que podem vir a ser causadas pela doença nas próximas semanas.
Mas há um problema: especialistas apontam que os números reais podem ser até dez vezes maiores do que os registrados oficialmente. O cálculo é feito com base na taxa de positividade do vírus, ou seja, o percentual de casos positivo dentre o total de pessoas testadas. Em fevereiro e março, a taxa estava em cerca de 2%. Hoje, chega a 40%.
Para o infectologista José David Urbaez Brito, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o número oficial de pessoas infectadas no país já foi mais próximo da realidade, como reflexo da porcentagem de pessoas sintomáticas ou que desenvolveram a forma mais grave da doença e precisavam de hospitalização, antes das vacinas, e eram testadas nas unidades de saúde.
"Com a chegada da vacinação e da variante ômicron, se multiplicaram os casos mais leves, comparados ao que acontecia na fase da variante delta, por exemplo", explica o especialista. Com isso, a Covid-19 pode acabar sendo confundida com um simples resfriado ou passar completamente despercebida.
Conforme o vice-presidente da SBI, Alexandre Naime Barbosa, a subnotificação enfrentada neste momento se deve a três fatores: relaxamento das medidas preventivas, falta de campanhas que incentivem a testagem e adoção de autotestes.
O relaxamento pode ser explicado pelo avanço massivo das campanhas de vacinação e pela diminuição brusca de internações e óbitos.
"A percepção de risco caiu muito. Hoje, a gente vê uma negligência não só por parte da população, mas muitos colegas médicos não estão mais pedindo a testagem em quadros gripais", avalia o infectologista.
O vice-presidente da SBI também aponta que os governos federal, estaduais e municipais deveriam manter o investimento em testagem gratuita para a população, como no início da pandemia. Com isso, seria possível continuar acompanhando o avanço da doença com números mais próximos da realidade.
Autotestes poderiam ajudar
Autorizados no Brasil desde o início de 2022 para desafogar os sistemas de saúde, os autotestes de Covid-19 poderiam ajudar a acompanhar o avanço da pandemia. No entanto, ainda não há como notificar o poder público diante do resultado positivo do exame. Para entrar nas estatísticas oficiais, é preciso que o cidadão procure uma unidade de saúde.
Mesmo que sejam mais ágeis, os autotestes são instrumentos de triagem, não de diagnóstico, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Assim, não é obrigatória a notificação ao governo, pela empresa ou pelo cidadão, houver resultado positivo.
Por causa disso, o infectologista Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da SBI, critica a falta de orientação sobre os autotestes neste sentido de notificação, antes e depois da testagem. O ideal seria que os cidadãos fossem frequentemente informados sobe o que fazer: quando o resultado for positivo, ir a uma unidade de saúde para que o diagnóstico seja feito e, diante da confirmação, notificado às autoridades sanitárias.
Barbosa aponta, ainda, que o ideal seria fazer o autoteste duas vezes, seja qual for o resultado. Assim, falsos positivos ou negativos seriam descartados antes que o paciente se dirigisse a uma unidade de saúde.
O Ministério da Saúde, por meio de nota, recomenda que os indivíduos sigam as recomendações da fabricante para realização do autoteste.
"A partir do resultado obtido na autotestagem, procure uma unidade de atendimento de saúde para que um profissional realize a confirmação do diagnóstico, a notificação e oriente quanto à prevenção da transmissão do vírus e forneça a assistência necessária", diz a pasta.
O governo não respondeu sobre a subnotificação dos dados atualizados da Covid-19. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), que reúne as secretarias estaduais de saúde de todo o Brasil, informou que não conseguiria responder ainda nesta terça-feira, 31, data de publicação da reportagem.
Quando fazer o autoteste?
Conforme as orientações da Anvisa, os autotestes devem ser utilizados, preferencialmente, em duas situações:
- Triagem de casos suspeitos e seus contatos de forma oportuna, possibilitando o isolamento e quebra de cadeias de transmissão;
- Rastreio de assintomáticos: pessoa sem sintomas que, preventivamente, irá ter contato com pessoas de maior vulnerabilidade como, por exemplo, idosos e imunocomprometidos.
As orientações para a coleta em casos sintomáticos são entre o primeiro e o sétimo dia após o início dos sintomas. Já para assintomáticos que tiveram contato com casos positivos, deve ser feito a partir do 5º dia após o encontro. Ainda, para pessoas sem sintomas que queiram fazer o teste antes de ter contato com pessoas do grupo de risco, o autoteste deve ser realizado o mais próximo possível ao momento do contato.