O que explica queda abrupta de casos de covid-19 na América do Sul e no Brasil

Depois de virar o epicentro global da pandemia, a região parece ser onde a crise parece estar mais controlada atualmente. Embora cientistas ainda não saibam explicar as causas exatas disso, eles têm algumas pistas.

18 set 2021 - 09h17
(atualizado às 09h27)

Em meados de junho, enquanto o resto do mundo experimentava um baixo número de novos casos de covid-19, a América do Sul se tornava o epicentro da pandemia.

O Brasil chegou a ter uma taxa de contágio sete vezes maior do que a da Índia
O Brasil chegou a ter uma taxa de contágio sete vezes maior do que a da Índia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Naquele período, sete das dez nações com mais mortes diárias per capita pela doença estavam na região: a taxa de óbitos do Brasil era sete vezes superior à da Índia, enquanto a Colômbia e a Argentina apresentavam números equivalentes ao triplo do que era registrado em todo o continente africano.

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Com apenas 5% da população mundial, a América do Sul tinha uma taxa de mortalidade per capita oito vezes maior do que a média global.

Mas esse cenário parece ter virado coisa do passado.

A partir de julho, o número de infecções começou a diminuir de forma consistente. Com isso, a região se tornou uma das áreas do mundo onde a pandemia parece estar mais controlada.

Na segunda semana de setembro, a média semanal de casos confirmados de covid-19 por 100 mil habitantes foi de 52 no Reino Unido e 43 nos Estados Unidos. No Brasil, esse número ficou apenas 8, na Argentina, em 6 e na Colômbia, em 3. Os dados são do site Our World In Data, mantido por pesquisadores da Universidade de Oxford.

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No início de junho, o Uruguai registrava 100 casos por 100 mil habitantes. Agora, tem apenas 4. Já o Paraguai chegou a ultrapassar 40, agora, não alcança nem uma notificação por 100 mil habitantes nos últimos dias.

Mas como explicar essa queda abrupta nas estatísticas?

Entre a imunidade e algumas incógnitas

"A primeira coisa que gostaria de dizer é que não estamos totalmente tranquilos", responde Andrés Vecino, pesquisador em sistemas de saúde da Escola de Saúde Pública John Hopkins, nos Estados Unidos.

O especialista lembra que não é a primeira vez que ocorre uma diminuição de casos do tipo, que parece anunciar a proximidade do fim da pandemia. Algumas semanas depois, porém, surge uma nova onda de infecções que revela que o problema não estava resolvido.

"É importante dizer que não sabemos exatamente o que está acontecendo agora e que o fato de os casos estarem diminuindo não significa que isso continuará assim no futuro. Quero lembrar o que aconteceu na Índia, onde houve uma baixa importante nos casos, seguida de um grande aumento com o surgimento da variante Delta", alerta Vecino.

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Nos últimos meses, os países sul-americanos avançaram na vacinação
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde do Brasil entre 2011 e 2019, emitiu recentemente um alerta semelhante. "Esse é um fenômeno que não sabemos explicar", disse ao jornal americano The New York Times.

No entanto, os especialistas dão algumas pistas que ajudam a entender um pouquinho melhor o que pode estar acontecendo.

A primeira delas é a vacinação. Nos últimos tempos, os países sul-americanos aceleraram a aplicação das doses, algo que, segundo muitos especialistas, pode ter contribuído para conter o crescimento das infecções pelo novo coronavírus.

Vecino concorda, mas não aponta apenas para o efeito dos imunizantes. De acordo com ele, é preciso avaliar a imunidade adquirida tanto pela vacinação quanto pela infecção natural, já que muitas pessoas da região pegaram o vírus. "Há mais ou menos um consenso de que é possível que a redução de casos na América do Sul esteja relacionada a algum grau de imunidade da população", destaca.

"Um estudo feito recentemente em 12 cidades da Colômbia mostra que 89% das pessoas que moram nesses locais já tiveram contato com o coronavírus. Com isso, é possível que, em locais onde o índice de infecção é tão alto, ocorra uma redução da doença", interpreta o pesquisador.

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Vecino faz, porém, um alerta: como a população não é homogênea, esses achados da Colômbia precisam ser interpretados com muito cuidado. Ou seja: não é possível afirmar que nove em cada dez pessoas já tiveram covid-19, então, elas estão livres para sair sem máscara e não precisam tomar a vacina. Não é bem assim.

"Os indivíduos mantêm relações na forma de grupos. É possível, então, que existam grupos inteiros de pessoas que ainda não foram infectadas ou vacinadas. Eles podem sofrer com surtos de covid-19 num futuro próximo", conta.

"Esse risco aumenta se variantes altamente transmissíveis continuarem a circular e a aparecer, como é o caso de Delta, Gama e Mu, que já estão na América Latina. E isso obviamente pode causar um novo aumento de casos e óbitos."

As medidas corretas para o momento

A Opas pede que os países da região mantenham medidas restritivas para evitar o contágio
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O médico Ciro Ugarte, diretor de Emergências Sanitárias da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde das Américas, confirma que houve diminuição significativa de casos e óbitos em quase todos os países da América do Sul, com exceção da Venezuela.

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O especialista explica que a Opas está trabalhando com os ministérios da Saúde dos países e com especialistas da região para estudar essas tendências, bem como as razões pelas quais essa queda continua a acontecer.

Um dos motivos que ele encontra para explicar o cenário foi o endurecimento das medidas de controle em muitos locais, principalmente após o aumento significativo de casos de covid-19 entre o final de 2020 e o início de 2021.

"Os países implementaram políticas muito mais rígidas em relação ao distanciamento físico, à movimentação de pessoas e à obrigatoriedade do uso de máscaras. Muitos também iniciaram a vacinação e ampliaram a campanha para vários grupos, principalmente aqueles que estavam em maior risco. Tudo isso ajuda a explicar essa tendência", entende Ugarte.

O diretor da Opas, porém, alerta que o alívio não pode servir de pretexto para relaxar de vez. "Quando os casos diminuem, é sinal que estamos fazendo as coisas certas. Ou seja, implementamos medidas de saúde pública, que comprovadamente continuam a funcionar", destaca.

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"O pior que poderia nos acontecer agora, que estamos com menos casos, seria aliviar as medidas. Isso aumentaria a oportunidade para que o vírus fosse transmitido de pessoa para pessoa."

Em outras palavras, embora o número de casos seja baixo no momento, a América do Sul não pode baixar a guarda. "Para todo o povo da nossa região, que vê a transmissão do coronavírus diminuir, precisamos dizer que isso só foi possível porque medidas foram tomadas. E não é hora de relaxar."

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