Novo boletim de monitoramento semanal InfoGripe, da Fiocruz, aponta tendência de aumento de casos e mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em todo o País. A síndrome pode ser causada por diferentes vírus respiratórios, mas este ano cerca de 98% dos casos são causados pelo Sars-CoV-2 - o novo coronavírus. Nas últimas três semanas, a média móvel de novos casos de SRAG notificados ficou em 12 mil - ante uma média de 10,5 mil nas três semanas anteriores.
"Há um sinal muito claro da retomada do crescimento", afirmou o pesquisador em Saúde Pública Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe. "Ainda há tempo de agir e interromper essa tendência, mas é preciso tomar decisões. Não é adequado, neste momento, achar que estamos em uma situação confortável e não precisamos fazer nenhuma reavaliação."
Ele alerta para o fato de que muitos leitos abertos emergencialmente e hospitais de campanha foram fechados. Por isso, a capacidade de atendimento dos hospitais está reduzida e pode chegar a um ponto de colapso muito mais rapidamente. A tendência de alta já era indicada havia várias semanas em diferentes capitais. Esta, porém, é a primeira vez desde o fim de junho que a tendência é constatada em todo o território nacional. Segundo o novo boletim InfoGripe, doze das 27 capitais brasileiras apresentam tendência de moderada a forte no crescimento de casos nas últimas seis semanas. Entre elas, estão São Paulo, Rio e Distrito Federal.
Ao longo das duas últimas semanas outros indicadores, como a ocupação dos leitos hospitalares e o aumento de exames laboratoriais positivos para covid-19, vinham mostrando recrudescimento da epidemia. Podemos dizer que esse é mais um indicador importante?
Exatamente. Vários indicadores estão apontando na mesma direção. Em locais onde havia situação de estabilidade, como no Rio, está havendo retomada do crescimento. Em lugares onde já havia decréscimo, agora vemos estabilidade e assim por diante. Em São Paulo, onde os números chegaram a estar em queda por muito tempo, agora também há aumento.
Esse aumento é um reflexo direto da flexibilização das medidas de isolamento?
Quando começou o processo de queda, foi porque houve impacto das nossas ações. Ainda que não tenhamos feito isolamento total, fizemos muitas intervenções. A medida que fomos flexibilizando com o vírus ainda em circulação e tantas pessoas ainda vulneráveis, era de se esperar que isso acontecesse. É uma consequência natural.
Acha que é o momento de retomarmos medidas mais drásticas?
O cenário atual sugere, do ponto de vista epidemiológico, que não devemos avançar nas medidas de flexibilização e sentar para discutir o que já fizemos, até que ponto as medidas devem ser revistas à luz dos dados epidemiológicos. Há um sinal muito claro da retomada do crescimento. Ainda há tempo de agir e interromper essa tendência, mas é preciso tomar decisões. Não é adequado, neste momento, achar que estamos em situação confortável e não precisamos fazer nenhuma reavaliação.
Se mantivermos as medidas atuais, com praias, restaurantes, bares e casas de show abertas, tem como prever em que patamar poderemos estar daqui a três semanas?
É difícil dizer, porque depende muito das ações públicas a serem adotadas, mas também do próprio comportamento da população. Então, é muito difícil cravar. O que se pode dizer é que se hoje estamos em situação de retomada do crescimento, o mais provável é que nas próximas semanas isso se mantenha caso nenhuma atitude diferente seja adotada tanto pelas autoridades públicas quanto pela população.
As autoridades públicas não podem nem ouvir falar em medidas mais drásticas de isolamento...
Sim. Entendo que não é uma decisão exclusiva da saúde pública, que há uma questão econômica importante, e que envolve diversos atores, mas a reavaliação é fundamental para saber como vamos responder ao cenário atual. Principalmente em relação a aglomerações, ambientes extremamente propícios à propagação do vírus.
Em alguns hospitais os porcentuais de ocupação estão perigosamente altos; estamos chegando perto dos números registrados no pico da pandemia?
É outro ponto fundamental. Estamos com demanda maior e capacidade de atendimento menor. Podemos entrar num cenário de superlotação dos hospitais mesmo com volume de casos muito menor do que tivemos no pico da pandemia. Isso acontece porque muitos leitos emergenciais e hospitais de campanha foram fechados e os hospitais retomaram as cirurgias eletivas e ampliaram o atendimento a outras doenças. O número de novos casos ainda é bem menor do que no pico, mas podemos chegar ao colapso muito mais rapidamente.
O senhor avalia que os leitos abertos emergencialmente e os hospitais de campanha foram fechados antes do que seria recomendado?
Quando algumas unidades começaram a ser fechadas, fizemos um alerta de que um repique da epidemia era possível e que poderíamos ainda precisar daquelas unidades. Essa é uma discussão importante porque precisamos de algum tempo para reativar esses leitos, contratar profissionais etc. Não é coisa que se faça da noite para o dia.