Por que governos prometeram antecipar vacinas contra covid?

Uma série de fatores permitiu melhorar as expectativas quanto à imunização, incluindo previsão maior de produtos, de tipos diferentes, e a capacidade já instalada de aplicação

22 jun 2021 - 05h10
(atualizado às 07h28)

Os adiantamentos de cronograma de vacinação são cada vez mais recorrentes, por parte de Estados, municípios e, agora, do Ministério da Saúde. Nesta segunda-feira, 21, o número de pessoas vacinadas com ao menos uma dose contra a covid-19 no Brasil chegou a 64.436.634, o equivalente a 30,43% da população total. Em 24 horas, 1.249.278 receberam a primeira dose, de acordo com dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa.

Governador João Doria segura caixa da CoronaVac
30/12/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Governador João Doria segura caixa da CoronaVac 30/12/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

Mas o que mudou? Conforme especialistas ouvidos pelo Estadão, uma série de fatores permitiu melhorar as expectativas quanto à imunização, incluindo previsão maior de produtos, de tipos diferentes, e a capacidade já instalada de aplicação.

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Previsão de maior oferta de vacinas é o principal argumento

Para cumprir a promessa de vacinar todos os adultos contra covid-19 até o fim setembro, o Ministério da Saúde e Estados que anunciaram a medida se agarram ao mesmo argumento. É que a projeção atual para a chegada de novos imunizantes ao Brasil é muito mais promissora do que no início da campanha e, ainda se houver alguns atrasos, seria possível atender todo o público acima de 18 anos.

A população brasileira apta a receber a vacina é estimada em 160,9 milhões de pessoas. Destas, 63,1 milhões (39,2%) receberam a primeira dose e 24,2 milhões (15%) completaram o ciclo de imunização ao longo dos últimos cinco meses. O País tem pela frente, portanto, a meta de atender mais 97,8 milhões e ainda garantir que não falte a segunda dose nos casos necessários.

A principal diferença está nos cenários do início da campanha e de agora. Entre janeiro e março, o Brasil recebeu um total de 44,1 milhões de doses - número insuficiente para a vacinação deslanchar. Já a previsão entre julho e setembro, considerando apenas os lotes contratados, soma 172,5 milhões. Esse quantitativo supera, por si só, o público total.

Tipos diferentes de vacina permitem priorizar 1ª dose

O cardápio de imunizantes aumentou e passou a incluir mais vacinas com intervalos longos ou até mesmo de dose única. "Com mais espaço entre as duas doses, aumenta também a possibilidade de vacinar o maior número de pessoas em um primeiro momento. O mundo inteiro fez isso", explica Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

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Nos três primeiros meses da campanha contra o novo coronavírus, o Brasil só tinha dois imunizantes à disposição: a Coronavac, da farmacêutica chinesa Sinovac e fabricada pelo Instituto Butantan, e o da AstraZeneca e Universidade de Oxford, produzida pela Fiocruz. A primeira delas chegou a corresponder a quase 90% das doses aplicadas no País.

O intervalo recomendado para a dose de reforço da Coronavac, no entanto, é curto: três a quatro semanas. Em um cenário com poucas entregas de vacina, isso obriga o gestor de saúde a manter estoque para não comprometer a imunização completa de quem já foi atendido.

Já o intervalo da AstraZeneca e da Pfizer, vacina que começou a chegar ao País a partir de abril, é de três meses. Em julho, a projeção do ministério é que esses dois imunizantes representem cerca de 75% dos novos lotes disponíveis no Brasil, o que jogaria mais para frente a preocupação em garantir a segunda dose. O ministro Marcelo Queiroga também anunciou o desembarque das primeiras 1,5 milhão de doses da Janssen nesta semana, cujo diferencial é só precisar de uma aplicação.

Na prática, dados das secretarias de saúde mostram que a prevalência da primeira dose já vem aumentando. Na semana passada, por exemplo, 91,4% dos imunizantes aplicados foram para pessoas novas, enquanto a segunda dose representou 8,6% do total. Esse cenário é oposto ao do mês de abril, que chegou a registrar dias com 53% das doses reservadas para o reforço.

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Brasil tem capacidade para cumprir meta

Um dos desafios do Brasil é manter o alto ritmo de imunização diária a partir de agora. Considerando os vacinados desde o início da campanha, a média da primeira dose tem de subir de 402,4 mil para 957 mil pessoas a cada 24 horas até o fim de setembro.

Para pesquisadores, a projeção é factível. "O problema é ter a vacina. Não é a logística", afirma Walter Cintra, professor de Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde da FGV. "O problema é ter a vacina. Não é a logística."Felizmente, nós temos know-how e capilaridade pelo SUS."

Segundo o Ministério da Saúde, o País é capaz de vacinar até 2,4 milhões por dia, mais do que o dobro do necessário para cumprir. Dados das secretarias de saúde mostram que o ritmo tem apresentado sinais de aceleração. Na semana passada, por exemplo, a média foi de 1,2 milhão de primeiras doses por dia.

Cobertura vacinal e diferenças entre cidades

Em meio a anúncios de antecipação do cronograma, pesquisadores se preocupam com a hipótese de as idades estarem sendo antecipadas por causa da baixa cobertura vacinal em grupos prioritários, atendidos nas fases anteriores do programa. "O grande desafio é chegar com coberturas adequadas", diz Renato Kfouri. "Senão, pode até parecer que estamos bem na fita, antecipando faixas etárias, mas na verdade é só um indicador de mau desempenho."

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Para o especialista, o ideal é o governo, ao anunciar antecipações do calendário, também mostrar os indicadores de cobertura vacinal entre idosos e pessoas com doenças crônicas. "Quem vacina pior acaba vacinando mais rápido", descreve Kfouri.

Diferenças no perfil dos municípios, o tipo de vacina disponível e escolhas de políticos locais são outros fatores que interferem na vacinação e fazem com que a campanha avance de forma irregular no País. Hoje, enquanto há locais que já vacinam pessoas a partir dos 18 anos, outros ainda priorizam idosos.

Atrasos importantes e falta de adesão são riscos

Segundo os pesquisadores, existem dois principais riscos de o planejamento de vacinar mais cedo dar errado: haver atrasos importantes na entrega de lotes e falta de adesão da população. Até o momento, a campanha tem sido marcada pela chegada de lotes menores do que o previsto -- situação, inclusive, usada por parte dos Estados para evitar divulgar calendários a longo prazo ou estabelecer uma data-limite.

"A verdade é que nós dependemos de coisas que vêm de fora do País e a capacidade efetiva de ter controle sobre isso é limitada. As doses da Janssen, por exemplo, eram inicialmente 3 milhões e passaram a ser um 1,5 milhão", avalia Walter Cintra. "A outra questão é que precisa ser muita cautela para não faltar a segunda dose dentro do prazo. Ou a gente corre o risco de perder toda a primeira rodada também."

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Já Renato Kfouri analisa o cenário com mais otimismo. "Os próximos lotes previstos são provenientes de multinacionais, com expertise e tradição de cumprir prazos", diz. "Isso diminui a margem de erro do cronograma.

Os cientistas afirmam, ainda, que todas as vacinas aprovadas são seguras e que as pessoas que tentam escolher o tipo de imunizante podem prejudicar a campanha. "Eu acho que a gente vai sofrer muito para atingir a meta", diz Renato Kfouri. "A experiência dos outros países mostra que, quando mais jovem for o grupo, mais difícil é alcançar a cobertura."

Após a primeira rodada de vacinas, o objetivo do Ministério da Saúde é aplicar a segunda dose até dezembro. No quarto trimestre, estão previstas mais 291 milhões de doses. Esse volume, no entanto, inclui lotes ainda em negociação.

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