BRASÍLIA - O projeto de socorro emergencial aos Estados e municípios garante um perdão de dívida de pelo menos R$ 13 bilhões ao Rio de Janeiro, de acordo com cálculos da área econômica. Os números foram projetados com base no parecer lido no plenário da Câmara na quarta-feira passada. A avaliação preliminar é que o projeto, na prática, incentiva a saída do Rio do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o programa de socorro do governo federal a Estados que suspende por três anos o pagamento das dívidas, mas exige medidas de ajuste aos governos que aderem, como redução no gasto com pessoal e venda de estatais.
Até agora, o Rio foi o único que aderiu ao regime, que passava por reformulações nas negociações do chamado Plano Mansueto de auxílio financeiro aos Estados, que foi deixado de lado temporariamente para que o projeto emergencial seja votado diante da necessidade por mais recursos para o enfrentamento da crise do novo coronavírus.
O Rio é o Estado do relator do projeto, deputado Pedro Paulo (DEM), e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM).
O artigo 9º do projeto emergencial retira os encargos moratórios da desistência de ações judiciais. Esse artigo é o que pode perdoar uma parcela de R$ 13 bilhões da dívida do Rio de janeiro.
Antes de o Rio entrar no RRF, o Estado precisou renegociar a dívida com a União pela Lei Complementar 156. Para entrar nessa renegociação, os Estados tinham que desistir das ações judiciais que tinham contra a União.
Quando o governo fluminense desistiu das ações, teve que contabilizar o valor que não foi pago em decorrência das ações judiciais. Esses valores foram recalculados com encargos, gerando um aumento de R$ 13 bilhões no estoque da dívida do Rio de Janeiro.
O artigo 9 do projeto perdoa esses R$ 13 bilhões, explicam técnicos envolvidos na contabilidade dos Estados. Dessa forma, o saldo devedor do Rio vai diminuir.
O projeto também traz outros benefícios para o Rio de Janeiro. Hoje, o Rio teria um espaço de R$ 4 bilhões para contratar novos empréstimos no âmbito do RRF com objetivos definidos.
Com o artigo 5º do projeto, o Rio vai ter R$ 4,6 bilhões para contratar novos empréstimos para qualquer finalidade. Diante dessa facilidade, os técnicos consideram que não faz sentido mais o Estado continuar no RRF. Isso porque os benefícios de continuar no programa, como suspensão de pagamento de dívida e contratação de operação de crédito com garantia da União, já estariam garantidos no projeto da Câmara.
Técnicos avaliam que a vantagem para o Rio sair do RRF seria não ter mais suas despesas supervisionadas com lupa por um conselho com representantes da União, nem a necessidade de compensar eventuais aumentos de gasto. Se estiver no RRF, o Rio não pode pegar uma nova operação de crédito que não esteja no plano, ou seja, não poderia ter acesso à nova linha aberta pelo projeto emergencial.
Outro ponto que o projeto pode ajudar a encaminhar é o destino da Cedae, empresa de água e esgoto do Rio. No começo do RRF, o Estado pegou uma operação de crédito como antecipação da privatização da Cedae. Para isso, o Estado recebeu R$ 2,9 bilhões. O prazo para o pagamento do empréstimo atualizado (mais de R$ 4 bilhões) é 20 de dezembro de 2020. A União deu a garantia, e as ações da empresa entraram como contragarantia - se o crédito não for pago, a empresa é federalizada.
O Rio já vem tentando renegociar com o BNP Paribas (banco que emprestou o dinheiro) o adiamento do pagamento diante das dificuldades de caixa - o Estado só tem dinheiro para pagar suas despesas até o fim de junho. Técnicos explicam que o projeto da Câmara, na prática, abre caminho para essa renegociação sem nem precisar passar pelo Tesouro.
Com o projeto, a União não pode executar as contragarantias em 2020. O artigo diz que os Estados e os municípios poderão realizar aditamento contratual que suspenda os pagamentos devidos no exercício financeiro de 2020, incluindo principal e quaisquer outros encargos, de operações de crédito interno e externo.
Ao Estado, o relator negou com veemência que tenha incluído no seu relatório vantagens específicas para o Rio e disse que os dispositivos valem para todos os Estados e o Distrito Federal. "Não tem nada disso (de direcionar medidas ao Rio)", disse ele. Segundo Pedro Paulo, o perdão dos encargos está relacionado ao descumprimento do teto de gastos, que limita o avanço das despesas, pelos Estados. Segundo ele, 17 governos estaduais descumpriram o teto e sofreriam penalidades, com multas.
Sobre a possibilidade de renegociação do contrato da Cedae sem autorização do Tesouro, Pedro Paulo, disse que não é essa a sua leitura. "Não é verdade. Primeiro que o artigo diz 'poderão'. É uma recomendação para que sejam discutidas as suas dívidas com os bancos multilaterais, com bancos privados. Não é uma obrigação. A gente não quebra contrato. O artigo não obriga a renegociação", disse Pedro Paulo, ressaltando que o projeto não suspende a dívida.
Para ele, o artigo estimula a renegociação dos contratos, sem a necessidade de a União cobrir as parcelas que estão vencendo. "No caso da operação da Cedae, se o Estado não pagar e não entrar em acordo, a dívida vai para a União, federalizando a empresa", ponderou.
Segundo ele, o Estado perderia R$ 11 bilhões, valor que o Estado espera obter com as concessões dos serviços da Cedae este ano. "De qualquer maneira, o Rio terá que discutir com o Tesouro", justificou.
Para o deputado, o Rio tem a possibilidade de pedir a prorrogação do RRF, a partir de setembro. Se sair do regime, o Rio terá que pagar R$ 9 bilhões da dívida a partir de janeiro. "Claro que não estimula a saída. O Rio vai passar a ter uma parcela de R$ 9 bilhões?", questionou.
A reportagem procurou o governo do Rio para questionar sobre o projeto ou saber se o Estado abandonaria a recuperação fiscal, mas não obteve resposta. A Secretaria de Fazenda informou que só vai se pronunciar quando as discussões do projeto estiverem "mais maduras". Nesta sexta-feira, 10, Pedro Paulo se reuniu com o governador do Rio, Wilson Witzel, para discutir o projeto na residência oficial do chefe do Estado.