Em meio ao avanço do novo coronavírus, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, começou a ver seu trabalho ser esvaziado pelo Palácio do Planalto. A presença do presidente Jair Bolsonaro nos atos de domingo atropelou o discurso do ministro de enfrentamento à doença e desautorizou uma de suas principais recomendações, a de que a população evite grandes aglomerações. Nas redes sociais, onde encontra apoio até de opositores de Bolsonaro, Mandetta foi aconselhado a mostrar contrariedade, pedindo demissão.
Na última semana, a presença de Mandetta em entrevista coletiva ao lado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário do Planalto, também incomodou o presidente. O grupo de Bolsonaro diz que o ministro deveria ter dado mais crédito ao presidente pelas medidas anunciadas - nesta segunda, 16, Bolsonaro escolheu um general para chefiar novo comitê do coronavírus.
Ao mesmo tempo que contraria Mandetta, Bolsonaro tenta tirar dos bastidores o contra-almirante da reserva Antonio Barra Torres, um médico bolsonarista que foi colocado no comando da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para, entre outras missões, impedir a liberação do plantio de maconha, no que foi bem-sucedido.
É para Barra que Bolsonaro telefona para se consultar sobre assuntos de saúde. Neste ano, ele já esteve cinco vezes no gabinete de Bolsonaro para encontros individuais; Mandetta foi apenas duas vezes, conforme a agenda pública. O diálogo do oficial com o presidente flui por afinidades como mundo militar, motos e armas.
No domingo, o presidente da Anvisa acompanhou Bolsonaro na manifestação de rua contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e a favor do governo. A presença dele foi usada pelo Planalto como uma chancela à decisão do presidente de participar do ato, mesmo com recomendação contrária de Mandetta a aglomerações e de médicos. A atitude de Barra causou perplexidade entre autoridades da área de saúde. Servidores da Anvisa lamentaram, em nota, a ida do seu chefe ao ato.
Após a aparição pública do presidente, Mandetta declarou que as aglomerações eram um "equívoco" diante do avanço da doença no País. Desde os primeiros casos confirmados, Bolsonaro e o ministro da Saúde apareceram juntos apenas uma vez. Foi na última quinta-feira, durante uma live no Alvorada, quando usavam máscaras. No dia seguinte, Mandetta estava ao lado de Doria.
Se dentro do governo Mandetta enfrenta desconfiança, fora dele tem recebido elogios até de adversários de Bolsonaro. Em 5 de fevereiro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso postou no Twitter que Mandetta "mostrou equilíbrio" e disse que "é disso que outros ministros precisam, não de ideologias de gênero, raça ou do que seja".
O ministro da Saúde, Mandetta, deu uma boa entrevista na TV. Não fugiu das questões, do coronavírus, da equidade etc. Mostrou equilíbrio. É disso que outros ministros precisam. Não de "ideologias", de gênero, raça ou do que seja:abrir o jogo, aceitar diferenças e buscar soluções.
— Fernando Henrique Cardoso (@FHC) February 6, 2020
Mandetta chegou ao ministério apoiado pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, seus colegas no DEM. Ao mesmo tempo, mantém relação amistosa com outras figuras do seu partido como os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (RJ), atualmente um dos maiores críticos de Bolsonaro, e do Senado, David Alcolumbre (AP).
O ministro da Saúde nunca integrou o grupo próximo de Bolsonaro nem comprou pautas ideológicas. No fim do ano passado, chegou a confidenciar a antigos colegas da Câmara que trocaria o cargo no governo por uma candidatura a prefeito de Campo Grande (MS). No mesmo período, o contra-almirante que chefia a Anvisa dizia a aliados que estava cotado a assumir a pasta da Saúde.