É uma equação que até poderia ser menos complicada, caso a falta de informações, o medo e a precipitação não fossem três das variáveis. De um lado estão as vacinas que utilizam a tecnologia de RNA mensageiro, como a da Pfizer. De outro, as que utilizam o vírus inativado, como a CoronaVac. O resultado é a maior ou menor proteção contra as infecções pelo coronavírus nos países que as utilizam em larga escala. Informações recentes sobre o desdobramento da pandemia em lugares como o Chile, Bahrein, Mongólia e Israel embaralham ainda mais essa conta.
Médicos e pesquisadores tendem a acreditar que os imunizantes feitos a partir da tecnologia de vírus inativado conferem menor proteção contra as infecções em relação às que usam RNA mensageiro. Isso, porém, nada tem a ver com o grau de proteção contra casos graves e óbitos causados pela doença, afirmam.
No Chile, país com o melhor desempenho de vacinação na América Latina, com 55% de sua população completamente imunizada, e que utiliza a vacina da farmacêutica chinesa desde o início da imunização de sua população, recentes aumentos nos números de casos de covid-19 acenderam o alerta. Por aqui, a CoronaVac foi a primeira vacina a ser utilizada no início do ano e a que foi mais aplicada nos brasileiros até abril.
O comportamento da pandemia no país andino, mesmo após a vacinação avançada, levantou dúvidas: a vacina que eles e nós utilizamos é, de fato, eficiente? Estamos protegidos após as duas doses do imunizante? Seria melhor escolher outra vacina?
Sim, sim e não.
Todos os estudos até aqui apresentados mostram que a CoronaVac, vacina produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, é eficaz. Tomar as duas doses confere proteção de 80% contra sintomas, 86% contra internações e previne a morte em 95% dos casos. Os dados são do estudo realizado pelo Butantan para verificar os efeitos da vacinação da população em geral. Foram vacinados 27.160 mil habitantes acima de 18 anos na cidade do interior paulista.
Para o médico infectologista e professor da Unesp Alexandre Naime comparar vacinas agora é um desserviço. "É uma excelente vacina para um momento em que precisamos reduzir o número de mortos", afirma. "Agora, é como estar em um país em que se morre de fome e reclamar do arroz com feijão."
Ele lembra que a CoronaVac ainda não teve os resultados da fase três de testes clínicos publicada, mas o que está por trás da desconfiança em relação às vacinas desenvolvidas na China é uma "guerra política" que mais desinforma do que ajuda as pessoas a entenderem como funciona cada uma delas. "Não cabe comparar agora. No futuro terá sim a revacinação e novas vacinas. Agora, precisamos salvar vidas", afirma.
Segundo a médica e professora da Universidade do Chile e membro da Sociedade Chilena de Infectologia, Claudia Cortés, a CoronaVac tem alta eficiência em evitar os casos graves, hospitalizações e mortes, mas aparentemente não é tão eficaz para barrar a contaminação. No entanto, o comportamento da pandemia por lá é resultado direto de outro comportamento: o da população chilena.
"Houve uma volta à vida noturna, empresas exigindo que seus funcionários fossem para os escritórios e falta de fiscalização", afirma.
É a mesma avaliação da infectologista da Unicamp Raquel Stucchi. Ela diz que esse também é um risco que o Brasil corre caso abandone as medidas de afastamento social e prevenção não farmacológicas. "Eles não esperaram ter uma redução sustentada do número de casos, hospitalizações e mortes para flexibilizar", diz.
A médica lembra que há porém algumas dúvidas ainda a serem respondidas. Uma delas é sobre a duração da imunidade em vacinados com as duas doses do imunizante. "A gente sente falta de estudos em relação às vacinas chinesas", afirma.
De acordo com o diretor do Instituto Butantan e membro do Centro de Contingência do Coronavírus do governo do Estado de São Paulo, Dimas Covas, a proteção da vacina deve ser de cerca de oito meses. Covas afirma, porém, que ainda não há estudos que mostrem que essa população estará desprotegida após esse período.
Raquel diz que em breve teremos um contigente populacional com mais de oito meses de imunização pela CoronaVac. "Aí, se a ideia é chegar em outubro ou novembro com 80% da população vacinada, eles já não serão 80%, serão menos porque parte das pessoas já terá ultrapassado esse período", afirma.
Se a situação no Chile causou preocupação aqui entre os brasileiros, as causas apontadas pelos especialistas para os novos surtos também deveriam provocar. O mesmo ocorreu em países como o Bahrein e a Mongólia, que também utilizam vacinas de origem chinesa em larga escala.
No Bahrein, onde 58,8% da população já está completamente imunizada, as mortes atingiram seu maior número no dia 6 de junho. Foram 28 vítimas naquele dia, número sem paralelo para o país de 1,6 milhão de habitantes que só ultrapassou o patamar de dez mortes diárias em maio deste ano.
Para tentar impedir a disseminação do coronavírus, o país anunciou uma série de medidas. Viajantes de países da "lista vermelha", como Índia, Paquistão e Bangladesh, foram proibidos de entrar. A quarentena foi reintroduzida para pessoas vindas de qualquer lugar e que não estivessem vacinadas.
Segundo especialistas locais, o aumento de casos foi resultado das reuniões durante o Ramadã, o mês sagrado para os muçulmanos, em que após o pôr do sol as pessoas se reúnem para comer e celebrar após passarem o dia em jejum.
Na Mongólia, onde 53% da população já foi imunizada com as duas doses, ou com a dose única, reuniões de massa e concertos musicais comemoram, em março, o 100º aniversário da agremiação política. Muitos compareceram sem máscara, líderes do partido entre eles.
A condução da crise sanitária pelo partido, que está no poder, é considerada errática. As coordenações da Comissão Estadual de Emergências, do Ministério da Saúde, e do Centro Nacional de Doenças Infecciosas foram mudadas três vezes desde o início da pandemia.
Mas uma mostra que não apenas os países que recorreram às vacinas de origem chinesa tiveram problemas. Israel anunciou a volta de algumas restrições, como o uso de máscaras, pouco tempo após ter relaxado as medidas de contenção. O país enfrenta hoje um novo surto de doença causado pela variante Delta do coronavírus.
De acordo com as autoridades de saúde locais, metade da população foi vacinada com o imunizante da Pfizer, que utiliza a tecnologia de RNA mensageiro, e que tem maior efetividade contra os casos de contaminação. "Sabemos pouco ainda sobre o tempo de proteção das vacinas. Mesmo a da Pfizer, que foi anunciado que causa uma imunidade celular que deve ser mais duradoura, desde que não apareçam novas variantes", diz Raquel.