Residências podem ter 'selo de qualidade' se adotarem conceito sustentável

Programa do Green Building Council Brasil estimula mudanças pontuais dentro de casa com foco no uso consciente de recursos

26 jan 2021 - 09h10
(atualizado às 21h23)

Obrigadas a ficar mais tempo em casa por causa da pandemia de covid-19, as pessoas passaram a ter uma nova perspectiva sobre o "viver e morar com qualidade de vida". E isso deve dar um impulso a mudanças, mesmo que pontuais, que podem deixar as residências mais sustentáveis. A partir dessa premissa, o Green Building Council Brasil (GBC) criou a certificação de interior residencial, programa que dá um "selo de qualidade" para moradias que têm estrutura, móveis e equipamentos sustentáveis. A entidade representa o World GBC no País, ONG composta por cerca de 70 núcleos em todo o mundo.

À frente da organização especializada em construção civil sustentável, que atua em todas as fases de elaboração de uma edificação, o presidente do Conselho, Raul Penteado, acredita que pequenas ações em casa ou no local de trabalho, como trocar uma torneira que pinga, desperdiçando água, ou uma lâmpada que consome muita energia, podem reduzir o impacto ambiental. "Incentivamos as pessoas a terem consciência de que esses projetos são benéficos para elas e para todos. A sua felicidade e a sua qualidade de vida estão diretamente ligadas a quem está ao seu lado", disse.

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A atuação do GBC começou focada no mundo corporativo, com certificação para construções que priorizam a economia de materiais e o menor consumo de energia. Em seguida, a organização ampliou a certificação para condomínios. Desde 2019, os conceitos sustentáveis do GBC também chegaram ao poder público. A entidade tem uma certificação de Zero Energy, no qual prédios do Estado passam por uma reformulação para se tornarem autossuficientes em energia.

O projeto mais recente nas certificações é o para interior residencial - uma inovação brasileira. Com menos de um ano na presidência do Conselho do GBC - antes esteve à frente da Deca (fabricante de louças e metais sanitários) -, Penteado explicou que a pandemia levantou a discussão sobre moradias ao trazer o lockdown e o home office à tona. "Começamos a discutir uma forma de agregar qualidade de vida e sustentabilidade em cima dos conceitos de saúde, conforto e bem-estar. Vimos que precisávamos fazer alguma coisa que fosse simples e não dispendiosa", explicou. De acordo com ele, o lançamento do programa deve ser feito ao longo do mês de fevereiro.

Como funcionará a certificação residencial

A certificação LIFE vai analisar seis categorias, envolvendo saúde e bem-estar, conforto, qualidade interna do ar, responsabilidade social e consumo consciente, uso eficiente de recursos naturais e materiais utilizados, tudo de uma forma "relativamente simples". "Não é preciso quebrar o apartamento inteiro, trocar a tubulação… O exemplo que eu dou é: você vai trocar seu aparelho de ar condicionado, sua geladeira, por um aparelho novo que gaste menos eletricidade, ou trocar a torneira ou o chuveiro por um que consome menos água", explicou o presidente.

Segundo ele, são aplicações de ideias como essas que a entidade quer incentivar, respeitando o mínimo de requisitos. "O projeto de certificação de um apartamento de 150 m² vai custar cerca de R$ 1 mil. É um valor simbólico, destinado ao GBC, para incentivar e cobrir o custo da certificação, para manter a estrutura do GBC e acompanhar o trabalho", disse Penteado. Quanto será gasto na troca de móveis e aparelhos dependerá do proprietário.

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Apesar de ter um roteiro prévio de requisitos que precisam ser atendidos, a organização não define metas, como uma porcentagem para redução do consumo de energia ou água, por exemplo. É feita uma certificação, explicou Penteado, e estima-se com isso que o proprietário vai ter um menor consumo X se não tivesse feito nada disso.

Parceria com arquitetos

A certificação da residência ficará a cargo do arquiteto responsável pela construção ou escolhido pelo dono do imóvel. O profissional vai apontar se os requisitos exigidos pelo GBC foram realizados, preencher um relatório e juntar fotos. Após a entrega das informações pelo arquiteto, o GBC vai emitir um certificado, "quase como se fosse um diploma para o proprietário".

Questionado sobre como convencer profissionais - uma vez que eles não serão remunerados pela organização - e proprietários de que é uma boa ideia transformar uma residência baseada nos conceitos sustentáveis, o diretor-geral do GBC afirmou que a sociedade está cada vez mais tomando consciência de que é preciso mudar a forma de viver. "Há um ano e meio se falava em ter apartamentos de 18 m², 15 m², e a pessoa ia lá para tomar banho e dormir. A pandemia mostrou que é preciso repensar isso. Morar bem não significa morar numa mansão de X mil metros. Mesmo num apartamento de 40 m², se você deixar ele bonitinho, mais aconchegante e sustentável, está tudo certo", ressaltou.

Além disso, Penteado destacou que o princípio do programa é que o arquiteto entenda que isso vai gerar valor para o cliente dele, seja na forma de morar melhor, gastando menos com luz e água, ou na qualidade de vida. "E ele, como profissional, ganha o respeito do cliente, por estar fazendo algo bom para a sociedade como um todo", explicou.

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Edificações que buscam autossuficiência precisam igualar a quantidade de energia que consomem com a que produzem, por meio de fontes renováveis, como os painéis fotovoltaicos.
Edificações que buscam autossuficiência precisam igualar a quantidade de energia que consomem com a que produzem, por meio de fontes renováveis, como os painéis fotovoltaicos.
Foto: Divulgação/Green Building Council Brasil / Estadão

Energia renovável em prédios públicos

A organização também trabalha com o poder público no projeto Zero Energy, focado na reformulação de prédios para que se tornem autossuficientes em energia. Um total de 566 edificações públicas espalhadas pelos 22 municípios do Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo, deve passar a ser autossuficiente, o que vai garantir uma economia de R$ 4,3 milhões por ano ao Governo. A parceria entre a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado (Sima) e o GBC faz parte do plano do órgão de tornar a região um novo polo de desenvolvimento no Estado, dentro do programa Vale do Futuro.

As edificações que buscam essa autossuficiência precisam igualar a quantidade de energia que consomem com a que produzem, por meio de fontes renováveis, durante 12 meses corridos. Em geral, essas fontes são painéis fotovoltaicos nas coberturas das edificações, produzindo energia solar.

Em setembro de 2019, o GBC Brasil já havia assinado no Paraná, com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas, o Paranacidade, e a Agência Fomento Paraná, um memorando criando um programa de eficiência energética em sete municípios. No total, 245 edificações públicas foram modernizadas, sendo que 208 atingiram a autossuficiência e a certificação Energia Zero. De acordo com Raul Penteado, já existem outros gestores interessados no programa, mas não deu mais detalhes sobre o assunto.

Também no Paraná, na certificação de Condomínio, há três torres do Minha Casa Minha Vida em São José dos Pinhais (Região Metropolitana de Curitiba) que estão aplicando os conceitos de green building (construção verde) e mais duas torres devem seguir o mesmo modelo. "(O conceito de sustentabilidade) Não deve ser algo restrito ao alto padrão, muito pelo contrário. A conta de água, de luz, em uma residência popular é muito mais importante no orçamento do que em uma casa mais sofisticada, onde a pessoa tem recursos para pagar uma conta mais alta", disse.

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Sobre o futuro pós-pandemia, o diretor-geral do GBC destacou que, inevitavelmente, o ramo da construção civil depende do desenrolar da economia. "Mas estou bastante otimista com 2021, acho que aprendemos muita coisa boa. Acredito que os conceitos de green building estão muito engajados com esse novo momento", disse.

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