Parece um tratamento tirado de filmes de ficção científica: uma máquina aspira o sangue e o oxigena antes de devolvê-lo ao corpo quando os pulmões ou o coração falham.
Mas a oxigenação por uma membrana extracorpórea (ECMO, por sua sigla em inglês) é uma ferramenta na medicina moderna que está sendo cada vez mais usada devido à pandemia de covid-19.
"É uma opção de último recurso", disse à BBC News Mundo Jordi Riera, médico da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Vall d'Hebron, em Barcelona.
"Mas sem dúvida essa terapia será aplicada com mais frequência em pacientes com pneumonia por covid-19 do que em outras situações", acrescenta o também diretor do programa ECMO no hospital de Barcelona.
Vall d'Hebron forçou o mundo a tomar nota das surpreendentes possibilidades do procedimento em dezembro de 2019, quando o utilizou para ressuscitar uma mulher cujo coração parou de bater por mais de seis horas.
Até agora, ao menos 10 pacientes com covid-19 já foram beneficiados pela respiração extracorpórea no centro de saúde.
E, até o momento da publicação desta reportagem, o registro da Organização para o Suporte Vital Extracorpóreo (ELSO, por sua sigla em inglês) já representava 160 casos de ECMO em pacientes com covid-19 em todo o mundo.
O número real, no entanto, é claramente mais alto: o registro incorpora pouco mais de 10% dos 357 casos registrados pelo seu braço europeu, EuroElso, no dia 4 de abril e apenas 11 casos da Ásia, embora tenha sido na China onde começou a ser aplicada a pacientes infectados com o coronavírus.
"A covid-19 pode causar problemas respiratórios em alguns pacientes e a ECMO provou ser uma opção eficaz para apoiar certos pacientes com problemas respiratórios graves", reconhece o presidente da ELSO, Mark Ogino, no site oficial da organização.
A organização, que tem pelo menos 55 afiliadas na América Latina, está fazendo o possível para agilizar a troca de informações entre seus membros para lidar com a pandemia de coronavírus - embora, como explica o presidente do braço regional, Leonardo Salazar, a respiração extracorpórea pareça der um papel bastante limitado na América Latina.
"A disponibilidade de atendimento ao paciente na ECMO depende não apenas de quantas máquinas existem, mas também de quantas pessoas são treinadas para atender pacientes com essa tecnologia. E na América Latina há certamente um problema de acesso", disse ele à BBC News Mundo.
Mas qual é exatamente a capacidade no caso latino-americano? E como exatamente a respiração extracorpórea funciona?
Sangue oxigenado
A ECMO usa uma máquina equipada com uma bomba centrífuga, que se encarrega de movimentar o sangue, e um oxigenador que usa uma membrana de polimetilpenteno "para separar o sangue do gás, neste caso do oxigênio", explica Riera.
"E o que ele faz é adicionar oxigênio e tirar o CO2, remover dióxido de carbono", resume o especialista do hospital Vall d'Hebron.
Para isso, o dispositivo é conectado ao indivíduo através de dois acessos: um usado para extrair o sangue e outro, para introduzi-lo novamente no sistema circulatório após a passagem pelo oxigenador.
E, dependendo de onde estiver conectado esse segundo acesso, pode ser fornecida assistência respiratória - se conectada a uma veia - ou mesmo assistência cardiorrespiratória se inserida em uma artéria.
O procedimento, que começou com o uso principalmente em bebês e recém-nascidos, é de fato um dos favoritos de cirurgiões cardíacos.
"Na pandemia de covid-19 nós a usamos quando o pulmão não funciona", explica Riera. "É um contexto muito particular, muito claro, que é a pneumonia por covid: o paciente não oxigena e nós aplicamos a máquina nele."
Mas o intensivista esclarece que é um tratamento que tem de ser usado com parcimônia.
"É um tratamento complexo, invasivo e associado a complicações que podem ser importantes", diz ele à BBC News Mundo.
"Mas veja, estamos recebendo muitos pacientes na UTI com faixa etária entre 40 e 60 anos, e pacientes nessa faixa etária podem se beneficiar muito com a aplicação dessa terapia", destaca.
Acesso limitado
Riera, no entanto, também reconhece que, devido à complexidade da ECMO, as capacidades para aplicá-la adequadamente estão limitadas a alguns centros de excelência, inclusive na Espanha.
"Se a pergunta é quantas máquinas existem, a resposta é muitas, embora agora nesta situação de pandemia poucas sejam produzidas", diz ele.
"Mas se a pergunta é quantos centros têm capacidade de dar suporte, de treinar equipes conforme a proporção de enfermeiros e pacientes, etc., eles podem ser contados nos dedos das mãos", compara.
E Salazar insiste no mesmo ponto, enfatizando que a disponibilidade na América Latina ainda é muito menor.
"Fizemos um censo da disponibilidade de atendimento ao paciente na ECMO, considerando não apenas as máquinas, mas a existência de pessoal adequadamente treinado", explica o presidente da ELSO-Latam.
"E um valor aproximado — porque não foi possível obter uma resposta de todos os centros — é que, na América Latina, neste momento, de 160 a 170 pacientes podem ser tratados com segurança com o ECMO", disse ele à BBC Mundo.