Para cumprir a promessa de aplicar até o dia 15 de setembro ao menos a primeira dose da vacina contra a covid-19 em toda a população adulta de São Paulo, o governo João Doria (PSDB) depende de entregas prometidas pelo Ministério da Saúde, mas também se vale de "estoque estratégico" adquirido diretamente com farmacêutica chinesa. Especialistas avaliam que, apesar de factível, o plano tem riscos de falhar, caso haja atrasos importantes na chegada de vacinas e falta de adesão do público.
Em menos de duas semanas, Doria anunciou três antecipações no calendário de vacinação. Primeiro, a promessa deixou de ser o fim do ano e passou para 31 de outubro. Depois, para o dia 15 do mesmo mês. Já no último fim de semana, o governador anunciou nova data-limite: 15 de setembro. Segundo o Estado, essas mudanças foram feitas com base em cálculos de vacinas previstas pelo governo federal.
Em São Paulo, a população maior de 18 anos de São Paulo é estimada em 36 milhões. Esse número representa todas as pessoas aptas a receberem o imunizante contra o coronavírus, incluindo grupos de risco e trabalhadores essenciais. Destas, cerca de 13,6 milhões, ou 37,7%, tomaram pelo menos a primeira vacina em quatro meses de campanha e 5,9 milhões receberam a dose de reforço.
Desde o início da campanha de vacinação, o Ministério da Saúde afirma ter mandado 109,8 milhões de doses para os Estados, dos quais 25,7 milhões (23,4%) foram destinados a São Paulo. Para o período entre junho e setembro, a projeção é de mais 213 milhões de vacinas no Brasil. Se o índice se confirmar e a proporção atual de distribuição for mantida, São Paulo receberia mais cerca de 50 milhões para cumprir a meta.
Cerca 53 milhões de doses a mais, em tese, seriam suficientes não só para garantir a primeira aplicação para os 62,2% da população que faltam, como também para completar a imunização no Estado. Esse volume pode variar com possíveis perdas operacionais (entre 5% e 10%) mas também com o tipo do imunizante disponível - a vacina da Janssen, por exemplo, é de dose única.
Em paralelo, o Estado conta com uma compra direta de 30 milhões de doses junto à farmacêutica Sinovac, responsável pela produção da Coronavac, com previsão de entrega em setembro. Esse "estoque estratégico" amplia a disponibilidade para 80 milhões de vacinas, o que já é 50% maior do que o necessário.
Um dos desafios do cronograma é que São Paulo vai precisar mais do que dobrar a aplicação diária da primeira dose. Em média, 110,5 mil novas pessoas receberam imunizante desde o início da campanha. Para cumprir a data de 15 de setembro, o necessário é 240,7 mil a partir de agora. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde, a rede paulista teria capacidade para aplicar mais de 1 milhão de doses por dia - índice, no entanto, que nunca foi atingido durante a pandemia.
"É um plano factível, mas depende de duas coisas: o ministério, de fato, entregar as vacinas e as pessoas comparecerem ao posto de saúde", afirma Jorge Kalil, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor). "As pessoas convocadas têm de se vacinar, não podem ficar esperando para escolher a vacina A, B ou C. Todos os imunizantes disponíveis são super seguros."
Outro risco, segundo analisam pesquisadores, é o histórico de entregas por parte do Ministério - processo que tem sido marcado por atrasos e desembarque de lotes menores do que o prometido. Para junho, por exemplo, a pasta chegou a prever 52,2 milhões de novas vacinas disponíveis, mas o número caiu para 37,9 milhões. Ou seja, a cada quatro doses prometidas, pelo menos uma não chegou ao País.
Por causa dessa tendência, a gestão Doria afirma ter aplicado um "redutor" nas projeções do governo federal e, ainda assim, os novos cronogramas seriam possíveis de ser cumpridos. O Estado, no entanto, não divulgou qual seria essa "margem de erro".
"Nenhuma promessa de cronograma deveria ser feita sem ter plena certeza de que as doses já estão disponíveis", afirma Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). "Desde o início do ano, a campanha de vacinação no Brasil tem vivido altos e baixos. A gente já viu zerar o estoque de Coronavac e AstraZeneca. A Pfizer atrasou em outros países e chegou em menor quantidade aqui. Recentemente, a Janssen também atrasou. É temeroso criar expectativa e depois não cumprir."
Isabella pondera, ainda, que mudanças repentinas no calendário podem criar ruídos de comunicação e impactar na cobertura vacinal. "No Brasil e na América Latina, a confiança nas autoridades públicas é um fator fundamental para a adesão à campanha de vacinação", diz. "Todas as vezes que há um anúncio novo, se abre espaço para criar confusão, com pessoas com dúvidas e grupos promovendo desinformações propositais. Assim, fica mais fácil perder a confiança da população."
Em nota, a secretaria da Saúde diz que "segue com o compromisso de imunizar o maior número possível de pessoas". "Tanto é que anunciou neste domingo, 13, o avanço com novos grupos e a imunização de toda a população adulta dos 645 municípios de São Paulo até 15 de setembro."
A gestão Doria afirma, ainda, que atuaria "com agilidade na logística e distribuição" de doses e que "os municípios têm autonomia para organizar e realizar as estratégias de vacinação em sua cidade, considerando a demanda e a rede local". "Por sua vez, as prefeituras executam a organização, distribuição à rede de saúde e aplicação das doses na população seguindo os critérios do PEI (Plano Estadual de Imunização), bem como realizam a busca ativa dos vacinados para aplicação da segunda dose em tempo oportuno."