Após conseguir adiar temporariamente seu depoimento, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello será interrogado pela CPI da Covid, nesta quarta-feira, 19, sob pressão dupla. Além do ímpeto dos opositores em cobrar do general explicações sobre incentivos a tratamentos não eficientes e sobre o atraso nas vacinas, no Tribunal de Contas da União (TCU) os ministros retomam o julgamento de autoria que já sinalizou "omissões graves" da gestão Pazuello no combate à pandemia. O relatório conta hoje com o apoio de quatro ministros. Eles tentam convencer mais um para que seja aprovado.
O relatório técnico em análise pelos ministros da Corte de Contas traz o mais duro diagnóstico acerca do trabalho do aliado do presidente Jair Bolsonaro à frente da pasta incumbida de liderar o enfrentamento à doença que matou mais de 437 mil pessoas no Brasil. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), chegou a classificar o documento como um bom "roteiro" para a comissão.
A eventual aprovação do relatório, além de alimentar a CPI no Senado, poderá resultar em abertura de processo específico para apurar as condutas de Eduardo Pazuello, do ex-secretário-executivo da pasta Élcio Franco Filho, do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos, Hélio Angotti Neto e do secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros.
Como consequência, em processos desta natureza, o TCU pode definir a cobrança e multas, decretar a indisponibilidade de bens e proibir os investigados de exercerem cargos ou funções de confiança no serviço público.
Entre as constatações que vieram à tona pela área técnica do tribunal a de que ações tomadas pela gestão de Pazuello buscaram, ao invés de ampliar, retirar responsabilidades do governo federal sobre o gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes.
Em outra leitura, o ministério descumpriu determinações anteriores do TCU que apontavam para a falta de planejamento em diversas áreas. Para o tribunal, a maneira como Pazuello conduziu o ministério afetou a resposta do sistema de saúde ao novo coronavírus.
O relatório da auditoria prossegue apontando falhas na comunicação com a população sobre o vírus, na assistência farmacêutica prestada pelo ministério e na estratégia de testagem. "Surpreende que o Brasil tenha implantado como estratégia esperar que os cidadãos com sintomas procurem os serviços de saúde e realizem um teste de detecção da doença, sem estabelecer qualquer meta, ação ou objetivo de acordo com os resultados", diz a área técnica.
Até o momento, dois ministros votaram pela aprovação da auditoria feita pela área técnica, Benjamin Zymler, o relator, e Bruno Dantas. Ambos fizeram duras considerações a respeito de Pazuello e indicaram a tendência de nova derrota do governo no tribunal.
"Em vez de expandir as ações para a assunção da centralidade da assistência farmacêutica e garantia de insumos necessários, o ministério excluiu, por meio de regulamento, as suas responsabilidades", frisou Zymler. Dantas viu argumentos para "condenações severas" e disse que a gestão do ex-ministro "envergonha".
Os ministros Augusto Nardes e Jorge Oliveira - indicado por Jair Bolsonaro para o cargo - pediram vista (mais tempo para apreciação do caso). O prazo chegou ao fim e volta à pauta hoje. O Estadão apurou que membros do TCU mais alinhados com o presidente da República costuram uma estratégia de reagir à abertura de processo contra Pazuello com abertura de investigações sobre repasses do governo federal a estados e municípios para o combate ao vírus.
Entre esses, prevalece um entendimento de que é fundamental trazer para o foco da fiscalização o caminho que o dinheiro da saúde percorreu ao sair de Brasília. A "roubalheira e os desvios" seriam mais danosos do que uma suposta inação do governo central, dizem. A estratégia tem paralelo com ampliação do escopo da CPI para apurações contra governadores e prefeitos.
Uma outra ala do plenário do TCU não concorda com a estratégia por interpretar que ela é uma manobra para aliviar a pressão sobre os aliados de Jair Bolsonaro e que abrir apurações sobre todo o dinheiro repassado a fundos de saúde, sem um recorte específico, seria um caminho moroso, que desvirtua os pontos centrais da auditoria sobre a gestão de Eduardo Pazuello.
A expectativa de autoridades que acompanham o caso é a de que o julgamento não chegue ao fim nesta semana e que novos pedidos de prazo adiem um pouco mais o desfecho.