Testagem e rastreamento de casos permitem reabrir escolas

Estudo mostra que seria preciso identificar 75% das pessoas sintomáticas e 68% dos contatos

5 ago 2020 - 05h10
(atualizado às 07h36)

A reabertura das escolas de forma segura em meio a processos de flexibilização da quarentena e retomada das atividades econômicas deve ser combinada com uma estratégia de alta cobertura em testagem, rastreamento de casos do novo coronavírus e isolamento. Essas medidas seriam essenciais para evitar uma segunda onda da covid-19, conforme indica um estudo de modelagem publicado na segunda-feira, 3, pela University College London.

Sala de aula vazia em faculdade durante pandemia de coronavírus 
13/03/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Sala de aula vazia em faculdade durante pandemia de coronavírus 13/03/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

Embora a análise tenha sido feita para o Reino Unido, o trabalho pode ajudar outros países. A questão é se o local estará apto a cumprir todas as orientações necessárias. Um segundo estudo, desta vez observacional, analisou dados reais da primeira onda de covid-19 em Nova Gales do Sul, na Austrália, e e encontrou baixos níveis de transmissão do vírus em escolas e creches sempre que medidas eficazes de controle eram praticadas. O país, diferente de muitos outros, manteve as instituições de ensino abertas, mas com orientação para distanciamento físico e higiene.

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Os dois estudos foram publicados pela revista científica The Lancet Child & Adolescent Health e demonstram a necessidade do rastreamento de contatos para o gerenciamento da epidemia. "Nossa modelagem sugere que, com uma estratégia de teste e rastreamento altamente eficaz em vigor no Reino Unido, é possível que as escolas reabram com segurança em setembro. No entanto, sem uma estratégia de teste-rastreamento-isolamento, o Reino Unido arrisca um sério segundo pico epidêmico em dezembro ou fevereiro", disse Jasmina Panovska-Griffiths, líder do estudo britânico.

Ao utilizar dados de local de trabalho, comunidade, demográficos e epidemiológicos, os autores desenvolveram seis cenários diferentes de reabertura escolar. Foram avaliadas, por exemplo, as possibilidades de aulas em tempo integral e meio período, além de metade dos estudantes frequentando a escola em semanas alternadas. Para cada cenário, foi estimado o número de novas infecções e mortes, bem como o número efetivo da taxa de transmissão.

Os resultados sugerem que, para evitar uma segunda onda, seria preciso aumentar os níveis de testes entre 59% e 87% nas pessoas sintomáticas. Para rastreamento e isolamento eficazes de contatos, em um cenário de escolas em tempo integral, 75% dos indivíduos com infecção sintomática precisariam ser diagnosticados e isolados, supondo que 68% dos contatos possam ser rastreados. Já em um sistema de tempo parcial nas escolas, seria 65%.

Para o estudo principal, os pesquisadores da University College London assumiram que as crianças eram tão infecciosas quanto os adultos. Porém, como evidências sobre o nível de infecciosidade ainda são inconclusivas, o modelo foi refeito com o pressuposto de que crianças e jovens eram 50% mais infecciosos que os adultos. Em qualquer um dos cenários analisados, os autores alertam que a segunda onda pode resultar em uma taxa de transmissão acima de 1 e em uma onda secundária resultante de infecções pode ser 2 a 2,3 vezes a taxa de reprodução.

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Chris Bonell, professor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e um dos autores do estudo, disse que as modelagens não devem ser usadas para manter as escolas fechadas por medo de uma segunda onda. Segundo ele, os resultados devem ser visto como um "alto apelo à ação para melhorar as medidas de controle de infecção e sistemas de teste e rastreamento". Os autores observam algumas limitações do estudo e destacam o fato de se apoiarem em uma série de suposições.

"Uma coisa é você fazer reabertura quando tem um número total de casos baixo. E outra é fazer quando ainda é alto. Se baixo, a chance de ir à escola e encontrar uma dessas pessoas infectadas é baixa. É muito mais fácil fazer rastreio de contatos quando tem poucos casos", avalia Kraenkel.

Escolas e creches

Na Austrália, pesquisadores analisaram dados de 25 escolas e creches de Nova Gales do Sul, entre 25 de janeiro e 10 de abril deste ano. No país, as instituições de ensino não fecharam, mas adotaram rigorosas medidas de controle do novo coronavírus. Os resultados do estudo mostram que o risco de crianças e funcionários transmitirem o vírus nesses ambientes era muito baixo quando o rastreamento de contatos e o gerenciamento de epidemias estão em vigor.

Os pesquisadores identificaram que, embora 27 crianças ou professores tenham frequentado a escola ou a creche enquanto estavam infectados, apenas mais 18 pessoas contraíram o vírus depois (de um total de 1.448 contatos). Para os investigadores, essas instituições de ensino não representam um alto risco de transmissão progressiva, desde que existam estratégias eficazes de teste de contatos.

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"O estudo adiciona dados valiosos, mas é importante visualizar essas descobertas no contexto do surto em Nova Gales do Sul. Pode ser que taxas mais altas de transmissão ocorram em áreas com níveis mais altos de infecção e onde as medidas de rastreamento e saúde pública não foram tão rigorosas quanto na Austrália, onde as fronteiras foram fechadas e as medidas de quarentena foram fortemente aplicadas. As escolas também foram fechadas temporariamente para limpeza completa se um aluno ou membro da equipe fosse infectado", observou Kristine Macartney, diretora do Centro Nacional de Pesquisa e Vigilância de Imunizações e da Universidade de Sydney, que liderou a investigação.

Trazendo para a realidade brasileira, o professor da Unesp, que também integra o Observatório Covid-19 BR, aponta que é preciso dar condições às pessoas para que se faça um isolamento eficaz. "As pessoas falam como se todo mundo fosse de classe média. Mas não é. Não tem um esquema, um plano pronto. Isso que é o grande problema para o Brasil", afirma. Ele observa também que as escolas são um grande hub que conecta domicílios e famílias. "Tem de ter cuidado para as escolas não virarem um foco de transmissão."

Roberto Kraenkel, professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), avalia que esse tipo de estratégia é difícil. "O Brasil não tem nenhum esquema de rastreio e isolamento eficiente. Algumas cidades com poucos casos conseguiram fazer rastreio, como Florianópolis, mas falta de tudo, inclusive insumos para fazer teste", diz. Mesmo que os testes fossem realizados, e seria preciso aquele pelo método RT-PCR, eles precisariam ser processados rapidamente para que, o quanto antes, a pessoa ficasse em isolamento.

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