Dados coletados ao longo de mais de um ano desde o início das imunizações confirmam que as vacinas são seguras e eficazes para proteger gestantes contra covid-19 - doença que traz enormes riscos para grávidas e puérperas.
Um alerta para que o Brasil e outros países da América priorizem a vacinação de mulheres grávidas e puérperas contra a covid-19 foi feito pela Opas (Organização Pan-Americana da Saúde, braço da OMS) no fim do ano passado. Gestantes e lactantes são grupos de risco para a doença e têm maior chance de desenvolver complicações caso adoeçam, o que torna a vacinação ainda mais importante do que para a população em geral.
"Sabemos que se as mulheres grávidas adoecerem, elas terão um risco maior de desenvolver sintomas graves da covid-19 e precisarão com mais frequência de ventilação e cuidados intensivos, quando comparadas às mulheres que não estão grávidas", disse Carissa F. Etienne, diretora da instituição. "Elas também têm uma chance maior de dar à luz prematuramente".
Apesar do alerta, o ritmo de vacinação entre grávidas segue lento no Brasil - somente cerca de 646 mil gestantes receberam a segunda dose das vacinas contra covid, segundo a Rede Nacional de Dados em Saúde (atualizados até 9 de dezembro de 2021). Isso representa cerca de 21,6% das 3 milhões de gestantes previstas para serem vacinadas no PNI (Programa Nacional de Imunizações).
No entanto, a baixa adesão entre grávidas não é exclusiva ao Brasil. Um estudo feito pelo CDC (centro de controle de doenças) americano, no meio do ano passado, apontou que o problema existia também nos Estados Unidos. E o governo do Reino Unido tem feito apelos para que as grávidas se vacinem.
Especialistas em imunização apontam que dúvidas sobre as vacinas e a disseminação de notícias falsas são as prováveis causas da baixa adesão.
Como os testes clínicos das vacinas não incluem mulheres grávidas, muitas dúvidas surgiram no início dos programas de vacinação: as vacinas são seguras para grávidas? Gestantes devem se vacinar? Quais as marcas recomendadas?
"No início não havia muitos dados porque elas não estão nos testes clínicos, mas já tínhamos indícios de que as vacinas seriam seguras por usarem metodologias que a gente já conhecia", explica a médica Brianna Nicolletti, imunologista pela USP e membro da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Naquele momento, inclusive, houve cautela para aplicação em gestantes das vacinas que usam tecnologia nova de mRNA - e que depois se provaram bastante seguras para grávidas.
Um ano depois do início da vacinação no Brasil - e mais tempo ainda em países como os EUA -, há um conjunto maior de dados que comprovam que as vacinas contra covid são seguras e eficazes para grávidas. E mais do que isso: que a vacinação é importante para diminuir as chances de contrair covid e de desenvolver formas graves da doença - essa, sim, que representa um grande risco à saúde das mulheres e dos bebês.
Veja quais são os dados e entenda por que as autoridades de saúde - OMS (Organização Mundial da Saúde), Ministério da Saúde,Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, American College of Obstetricians and Gynecologists - recomendam a vacinação das gestantes e puérperas com imunizantes aprovados pelas agências reguladoras de saúde.
Os riscos da covid para mulheres grávidas
Em dois anos de pandemia e pelo menos um ano de vacinação de gestantes, os dados mostram que o grande risco para mulheres grávidas está em contrair o coronavírus.
"Por questões hormonais, as gestantes têm alterações no sistema imunológico e por causa disso podem ter um quadro mais grave se tiverem covid", explica Nicoletti.
Dados de uma pesquisa feita pelo Observatório Obstétrico Brasil da Covid 19 apontam um índice de letalidade para grávidas com a doença 4,2 vezes maior do que a taxa da população em geral.
Na prática, enquanto a taxa de letalidade na população em geral até outubro de 2021 foi de 2,8%, segundo o estudo, a taxa de letalidade da covid entre gestantes e puérperas foi de 11,7%.
Além disso, doenças que afetam o sistema respiratório e podem comprometer a oxigenação no sangue são especialmente preocupantes em gestantes. "Na sua forma moderada ou grave, a covid resulta em baixa oxigenação no sangue. E baixa oxigenação no sangue da gestante significa baixa oxigenação para o feto, o que pode levar a consequências gravíssimas para o seu desenvolvimento", explica Nicoletti.
Também há estudos que mostram que o coronavírus aumenta o risco de partos prematuros. Um dos estudos, feito no Reino Unido a partir de dados de mais de 300 mil mulheres, foi publicado em maio do ano passado no American Journal of Obstetrics and Gynecology.
A conclusão da pesquisa, feita com dados de maio de 2020 a janeiro de 2021, foi de que houve uma taxa de 8,5 de bebês natimortos em cada mil mulheres com covid. Entre as mulheres sem a doença, a taxa de bebês natimortos foi de 3,4 para cada mil nascimentos. Além disso, 12% das gestantes com covid tiveram partos prematuros (com menos de 37 semanas). Entre as mulheres não contaminadas, o índice foi de 5,8% de partos prematuros.
O coronavírus também gera um alto risco de desenvolver trombose como resultado de um quadro de covid-19 grave: cerca de 16,5% dos doentes na população em geral têm o problema.
Nesse cenário, a vacinação de gestantes, puérperas e lactantes se torna extremamente importante não apenas para reduzir os riscos de contrair covid, mas para diminuir as chances de um quadro grave da doença em caso de diagnóstico positivo.
"A proteção dada pelas vacinas às grávidas é a mesma oferecida ao público em geral, ou seja, elas diminuem as chances de contaminação e as chances de desenvolver um quadro grave da doença", explica Brianna Nicolletti. "Mas, com a variante ômicron e possíveis novas variantes, os índices de eficácia vêm caindo. Por isso é importante a dose de reforço."
Atualmente, a recomendação do Ministério da Saúde é que grávidas e puérperas se vacinem preferencialmente com as vacinas da Pfizer e da CoronaVac.
Para a vacina da Pfizer, o índice de proteção contra covid calculado nas pesquisas clínicas feitas durante o teste do imunizante era de 95%. Após a ampla vacinação da população, a fabricante verificou que a proteção, um mês após a segunda dose, era de 88%.
Um estudo liderado pelo imunologista Tim Spector, da Universidade King's College London, na Inglaterra, com dados de vacinação da população mostrou que essa eficácia diminuiu de 88% em um mês para 74% em um período entre cinco e seis meses.
Essa proteção também caiu com a ômicron: segundo dados preliminares da própria Pfizer, de dezembro de 2021, pessoas que receberam duas doses da vacina Pfizer/BioNTech tinham 70% de chance de evitar hospitalizações por covid-19.
Já a CoronaVac, cujos testes clínicos apontavam eficácia de 51%, teve testes de eficácia melhores após a vacinação em massa. Países que aplicaram a vacina verificaram uma proteção entre 65% e 83% e o Projeto S, que vacinou a população de Serrana (SP) com a vacina mostrou que houve uma redução de 80% dos casos sintomáticos, de 80% em internações e 95% de redução em mortes. (A respeito da ômicron, há menos estudos a respeito da CoronaVac, já que os países pelos quais a nova variante passou primeiro não usaram essa vacina em seu esquema vacinal).
Riscos baixíssimos e altos benefícios
No Brasil, o medo e as dúvidas sobre as vacinas foram ampliados depois da morte de uma mulher grávida de 35 anos no Rio de Janeiro, em 2021, e por causa da falha das autoridades em esclarecer a população sobre o caso. Grávida e vacinada com o imunizante da AstraZeneca, a mulher morreu de trombose trombocitopênica. A situação passou a ser investigada pela Anvisa - mas o caso é suspeito, e não confirmado, já que não foi demonstrado que foi a vacinação que levou à trombose.
Por precaução, o PNI (Programa Nacional de Vacinação) passou a dar preferência aos imunizantes da Pfizer e à CoronaVac para vacinação de grávidas e puérperas, política que continua até hoje.
Mas Franciele Francinato, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), disse à BBC News Brasil na época que a recomendação para dar preferência a esses fabricantes em vez da AstraZeneza se trata apenas de uma precaução - e que os dados até então já mostravam que a vacina da AstraZeneca é em geral eficaz e segura, com muito mais benefícios do que riscos.
"Foi tomada a precaução porque as grávidas já tem, por causa da condição, um risco aumentado de trombose", explica Nicolleti. Estima-se que entre uma e duas a cada mil gestantes desenvolvam o problema, independentemente de qualquer vacinação.
No caso da AstraZeneca, o uso em larga escala da vacina mostrou que ela está relacionada a um efeito colateral raríssimo na população em geral: a possibilidade de o imunizante favorecer o surgimento de trombos (pequenos coágulos) que interrompem a circulação. Mas a chance de isso acontecer é extremamente pequena.
Segundo a Agência Europeia de Medicamentos, a estimativa, de acordo com as últimas informações, é que essa reação ocorra em 0,0004% das vacinações com a AstraZeneca. A probabilidade de trombose também é muito baixa para a vacina da Janssen, que usa uma tecnologia semelhante à da AstraZeneca: a chance de trombose é de 0,0001%. São riscos considerados baixíssimos - o risco de trombose por tomar pílula anticoncepcional, por exemplo, é muito maior, de 0,05%.
Já o risco de desenvolver trombose como resultado de um quadro de covid-19 grave é cerca de 16,5% - ou seja, o risco de trombose por covid é 41 mil vezes maior que o risco de trombose por se vacinar com AstraZeneca e Janssen - que no momento nem são as vacinas indicadas para as grávidas.
Segundo Nicoletti, isso significa que, mesmo no caso das vacinas da Astrazeneca e Janssen, os benefícios para as gestantes são muito maiores do que os riscos - e que o verdadeiro perigo é contrair covid. Essa é também a posição de entidades como a OMS e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
E quanto às vacinas recomendadas para as grávidas - Pfizer e Coronavac?
Os dados coletados por pesquisadores em mais de um ano desde o início da vacinação no mundo mostram que ambas são seguras e eficazes para gestantes, puérperas e lactantes e que os riscos de reações adversas graves são mínimos - e de longe superado pelos benefícios trazidos pela vacinação.
Um estudo feito nos EUA pelo CDC com 35.691 mulheres grávidas e publicado pelo New England Journal of Medicine em junho do ano passado mostrou que as vacinas da Pfizer e da Moderna (não disponível no Brasil) são seguras para as gestantes.
Segundo a pesquisa, as reações às vacinas foram leves, como dores no local da injeção, embora relatadas com mais frequência em mulheres grávidas do que em mulheres não grávidas. Por outro lado, as gestantes tiveram menos reações como dor de cabeça, calafrios e febre do que as mulheres não grávidas.
"As conclusões preliminares mostraram que não há sinais óbvios de problemas de segurança entre mulheres grávidas imunizadas com vacinas de mRNA (Pfizer e Moderna)", diz o estudo.
Outra pesquisa, feita em Israel e conduzida por pesquisadores da Universidade John Hopkins, nos EUA, mostrou que a vacina da Pfizer é segura e eficaz para gestantes e que trouxe benefícios claros para a saúde tanto da mãe quanto do bebê. O estudo analisou amostras de sangue de 1094 pacientes em oito hospitais ao redor do país e verificou um alto índice de resposta imunológica nas pacientes vacinadas. Nenhuma delas teve reações graves à vacinação.
Outras pesquisas verificaram também benefícios como a transmissão de anticorpos contra covid da mãe para o bebê - embora não tenham verificado se a quantidade seria suficiente para evitar uma infecção no recém-nascidos.
Já a CoronaVac usa uma tecnologia (de vírus desativado) conhecida há muito tempo, que é bastante segura e usada em diversas outras vacinas que fazem parte do calendário de vacinação para grávidas.
Ela é inclusive a vacina que menos causa reações adversas, como dor local, segundo um estudo produzido por pesquisadores do Instituto Butantan (que produz o imunizante no Brasil) e da Sinovac (que desenvolveu a vacina). Terminado em dezembro de 2021, o estudo ainda não passou por peer review (revisão de outros cientistas), mas isso deve acontecer em breve.
Feito com base em observação de dados do registro do SUS de reações adversas provocadas por vacinas, o levantamento verificou que a vacina é segura para gestantes e mulheres no pós-parto. O estudo encontrou 473 reações à CoronaVac relatadas entre todas as mulheres vacinadas com o imunizante entre janeiro e agosto de 2021, e 90% delas foram reações leves.
Além disso, o estudo verificou que as reações foram similares ao padrão de reação para vacinas que já se aplicam em grávidas há bastante tempo, como a vacina da gripe.
Estou grávida. O que fazer?
A recomendação da Opas (que é o braço da OMS na América Latina) e de outras entidades de saúde internacionais é que as gestantes e puérperas tomem as vacinas contra covid aprovadas pelas agências de saúde de seus países.
No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda que também a dose de reforço para grávidas seja feita preferencialmente com a vacina da Pfizer ou com a CoronaVac (no caso de quem se vacinou inicialmente com vacinas de duas doses). O reforço é recomendado para os maiores de 18 anos (incluindo gestantes) que já concluíram o primeiro ciclo de imunização contra covid.
A vacinação de gestantes com Pfizer e CoronaVac é recomendada por diversas outras autoridades de saúde no Brasil, incluindo a Febrasgo (Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e a Sogesp (Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo), que recomendou que todos os médicos divulguem a campanha de vacinação do Estado de São Paulo para as gestantes e puérperas.
A Sogesp lembra ainda que os locais de vacinação não devem exigir nenhum tipo de "relatório ou prescrição médica ou ainda qualquer outro documento além daqueles que comprovam a gestação ou o puerpério", assim como ocorre na vacinação contra gripe e outras.
A OMS também recomenda que mulheres grávidas tomem precauções como evitar aglomerações, praticar o distanciamento social e sempre usar máscaras fora de casa. Além disso, mesmo estando vacinadas, é importante prestar atenção a sintomas de covid-19 e procurar seu médico caso tenha algum.