Quando os Estados brasileiros começaram a impor medidas restritivas para conter o coronavírus, o governador do Rio, Wilson Witzel, despontou como um dos primeiros a entender a gravidade do problema. Assumiu um protagonismo que lhe deu visibilidade nacional - e, com isso, intensificaram-se as críticas recebidas do ex-aliado e hoje desafeto Jair Bolsonaro, com quem está em conflito desde setembro do ano passado. Pela abertura ao diálogo, foi elogiado até por adversários.
Foi em meados de março, há dois meses. Desde então, e especialmente neste mês, os holofotes se viraram para outro aspecto da crise fluminense: os casos de corrupção envolvendo a Saúde, que jogaram o Palácio Guanabara para as cordas em meio à pressão para adotar medidas mais rígidas de isolamento social.
O primeiro caso a vir a público tem relação direta com a atual gestão e colocou o secretário Edmar Santos em situação insustentável - ele foi exonerado no último fim de semana, apesar de já ter sido nomeado para um novo cargo no governo.
Cinco pessoas foram presas por fraudes na compra de respiradores. Essenciais para tratar os pacientes com quadros mais graves da doença, os equipamentos foram adquiridos com superfaturamento de cerca de R$ 4,9 milhões, segundo o Ministério Público investigou a partir de reportagens do Blog do Berta, site especializado na cobertura do Poder fluminense.
Entre os presos estão dois ex-subsecretários executivos da Secretaria Estadual de Saúde, Gabriell Neves e Gustavo Borges. O cargo é o segundo mais importante na hierarquia da pasta, abaixo apenas da cadeira do próprio secretário. Neves foi exonerado antes de ser preso, quando as denúncias de superfaturamento apareceram. Borges, por sua vez, ocupava o cargo quando foi detido.
Em resposta a essa investigação, a Secretaria Estadual de Saúde disse que abriu auditoria permanente para acompanhar todos os contratos da pasta durante o estado de emergência.
Witzel tem repetido uma de suas frases favoritas: "Não tenho bandido de estimação". Eleito com forte discurso anticorrupção, o ex-juiz federal exonerou Edmar como uma forma de mostrar que eventuais irregularidades serão punidas. O ex-secretário, no entanto, está agora na coordenação de uma secretaria extraordinária de acompanhamento das ações de combate à covid-19.
Como se não bastasse esse escândalo no seio do núcleo duro de combate ao coronavírus, duas operações que tiveram como foco contratos de gestões passadas acabaram atingindo o governo na última quinta-feira. Ambas envolvem esquemas de corrupção por meio das Organizações Sociais que administram unidades de Saúde do Rio.
Na que é ligada à Lava Jato, tocada pelo Ministério Público Federal e a Polícia Federal, o principal alvo foi o empresário Mário Peixoto - o "favorito" dos governos fluminenses na hora de firmar contratos na Saúde. Apesar de as denúncias versarem sobre gestões passadas, Peixoto tem relação com o governo Witzel, principalmente com o secretário de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão.
Segundo o MPF, o esquema de corrupção tocado por Peixoto teria continuado durante a nova gestão - e estaria funcionando, inclusive, em alguns aspectos do combate à pandemia. "(...) foram encontrados indícios que apontam para a movimentação da organização criminosa em relação a contratos para a instalação de hospitais de campanha", diz trecho da denúncia apresentada pelos procuradores da República.
Em outro momento da denúncia, interceptações telefônicas mostraram que o suposto operador financeiro de Peixoto, Luiz Roberto Martins, disse a um aliado que o '01' do Palácio Guanabara, que seria o governador, teria autorizado a Organização Social Instituto Unir Saúde a voltar a firmar contratos com o Executivo fluminense. Ela havia sido desqualificada para essas funções.
Menções ao governador, que tem foro privilegiado, obrigam que as informações subam para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a quem cabe julgá-lo. E isso já ocorreu nas duas investigações. "Envolveram meu nome em negociações espúrias vendendo minha decisão sobre a empresa Unir, sem qualquer participação da minha parte. Agi da mesma forma como sempre fiz como juiz federal, ouvi as partes, analisei as provas dos autos e decidi conforme minha convicção", escreveu Witzel a seus secretários, segundo o jornal O Globo.
Durante a campanha de 2018, a relação entre o atual governador e Mário Peixoto chegou a gerar questionamentos de outros candidatos. Num dos momentos mais marcantes dos debates, o senador Romário perguntou a Witzel se ele conhecia Peixoto e, ao final da pergunta, chamou o então candidato do PSC de "frouxo".
Na noite da última quinta-feira, horas após a operação, Witzel disse que o governo solicitou à Justiça Federal informações sobre as empresas e pessoas investigadas para poder auditar os contratos vigentes com elas. "Determinei à Controladoria-Geral e à Procuradoria-Geral do Estado que façam uma auditoria minuciosa de todos os contratos que existem no governo com essas empresas. Se forem encontradas irregularidades, os contratos serão cancelados. Caso haja participação de funcionários e servidores do governo, os mesmos serão exonerados", afirmou.
Do ponto de vista sanitário, o governador ainda não anunciou um plano concreto de fechamento total, o lockdown. A pressão vem de diferentes partes: Ministério Público, Defensoria Pública, Fiocruz e especialistas que assessoram o governo, por exemplo. Por enquanto, Witzel tem renovado o decreto publicado em meados de março e dado apoio aos municípios que adotaram seus próprios bloqueios mais radicais, como fez Niterói e, em áreas específicas da cidade, a capital fluminense.
Enquanto isso, o Estado apresenta dados preocupantes relacionados à covid-19. São, ao todo, 2.852 mortes e 26.665 casos confirmados da doença.