Um novo relatório escancara as agressões cometidas contra jornalistas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e por sua família. O clã participou de 41,6% dos ataques contra a imprensa e seus profissionais no ano passado, de acordo com o "Monitoramento de ataques a jornalistas no Brasil", divulgado nesta quarta-feira, 29, pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
A Abraji documentou a ocorrência de 557 agressões contra jornalistas e meios de comunicação ao longo de 2022. É um número possivelmente subdimensionado, porque nem todos os casos de violência contra jornalistas são comunicados às autoridades ou noticiados. Mais de um jornalista pode ter sido vítima nesses casos monitorados.
A violência contra jornalistas atingiu em 2022 a escala mais grave do período monitorado pela Abraji. A organização monitora casos de violência contra jornalistas desde 2019. De lá para cá, houve um aumento de 328% na quantidade de agressões contra o jornalismo profissional.
Em relação a 2021, quando houve 453 episódios registrados, o monitoramento mostrou alta de 23% nas agressões. A violenta campanha eleitoral de 2022 elevou a patamar ainda mais estarrecedor os ataques contra jornalistas – 31% dos casos de violência contra profissionais de imprensa estavam “diretamente conectados à cobertura eleitoral”, destaca o relatório da Abraji.
Ataques à democracia
Isso mostra como agressões a jornalistas são também ataques ao Estado Democrático de Direito, “porque restringem o acesso à informação da sociedade no momento em que, para fazer a sua escolha política, ela precisa estar munida de conteúdos providos pelo jornalismo”, acrescenta o relatório.
O estudo identificou que 41,6% dos ataques a jornalistas foram feitos no ano passado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ou pelos seus três filhos com mandato parlamentar: Flávio, Eduardo e Carlos.
Como já tinha sido notado, Jair Bolsonaro foi o postulante ao Palácio do Planalto que mais atacou a imprensa no ano passado, em 51 episódios virulentos.
O relatório analisa ainda como nem o fim da campanha eleitoral interrompeu o avanço da violência contra jornalistas. Na verdade, aconteceu justamente o contrário.
Com a derrota de Bolsonaro, criminosos apoiadores do ex-presidente bloquearam estradas e áreas de acesso a instalações militares, em uma tentativa golpista de violar o resultado das eleições.
A cobertura desses atos golpistas e criminosos motivou 12% das agressões contra jornalistas no ano passado. Houve 51 casos só na semana seguinte ao segundo turno eleitoral.
Os assassinatos de Givanildo Oliveira e Dom Phillips
A Abraji lembra ainda dos episódios mais graves de violência contra jornalistas: os assassinatos do brasileiro Givanildo Oliveira e do britânico Dom Phillips.
Um dos fundadores do site Pirambu News, Oliveira foi executado depois de sofrer ameaças para que não publicasse reportagens sobre criminosos da cidade de Pirambu, próxima a Fortaleza, no Ceará.
Dom foi executado com o indigenista Bruno Peira, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), quando tentava reportar a devastação ambiental e social na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas.
Agressores de jornalistas: na maioria, agentes públicos
Bolsonaro não foi o único homem público a atacar jornalistas. Em 56,7% dos ataques, os agressores eram agentes estatais, como parlamentares, governantes e funcionários públicos.
O caráter misógino dessas agressões ficou evidente em muitas ocasiões. Houve 145 ataques explícitos de gênero e/ou agressões contra jornalistas mulheres, destaca a Abraji. Só em setembro, mês com maior número de agressões, foram registradas 28 ocorrências em que mulheres foram alvos.
Violência física em 31% dos ataques a jornalistas
Embora a maioria dos episódios de agressão sejam discursos estigmatizantes, como são chamadas as manifestações públicas de violência verbal feitas com intuito de descredibilizar e desmoralizar jornalistas, em 31,2% dos casos houve violência física e ataques contra jornalistas.
A Abraji faz uma série de recomendações ao poder público, às redes sociais, às empresas de comunicação e aos jornalistas, para tentar frear a onda de violência contra a categoria jornalística. A coluna vai resumir algumas das principais conclamações.
Aos profissionais, ela recomenda que “busquem práticas e ferramentas de trabalho mais seguras” e “registrem e denunciem os ataques sofridos”.
Às empresas de comunicação, a Abraji conclama que “apoiem seus profissionais, contratados ou freelancers, com treinamentos e prevenção de ataques, além de fornecer o apoio necessário, inclusive jurídico (...)”.
A entidade pede também que as plataformas “fortaleçam processos de identificação e controle de conteúdos agressivos e discurso de ódio, atualizando políticas internas e algoritmos de moderação, acompanhando a evolução da violência on-line e adaptando a política de denúncia e mitigação de ataques para as necessidades de jornalistas e vítimas de campanhas massivas e discursos de ódio”.
Ao poder público, é recomendado que “fortaleça políticas públicas de proteção a jornalistas, combata a impunidade nos crimes contra jornalistas e avance em propostas legislativas de proteção à liberdade de imprensa”.