O deputado estadual Zé Guilherme (PP), um dos principais aliados do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), foi acusado nesta quarta-feira, 22, de fabricar um "jabuti" em um projeto de lei para favorecer o empresário Salim Mattar, sócio-fundador da Localiza, a maior empresa de locação de veículos do Brasil. Ex-secretário de privatizações do governo federal na gestão de Jair Bolsonaro (PL), Mattar foi um dos principais doadores eleitorais de Zema e virou uma espécie de eminência parda de seu governo. O empresário é também “agente colaborador” para privatizações de estatais mineiras.
No Legislativo, “jabuti” é o termo usado para se referir a emendas que emplacam propostas sem ligação direta com o texto principal discutido por parlamentares.
Esse “jabuti” foi chamado de “emenda Salim Mattar” por opositores e a manobra do aliado de Zema foi denunciada antes que siga para plenário, no segundo turno de votação, o projeto de lei 2803/2021, que tinha sido apresentado como uma medida para melhorar a transparência e a fiscalização na cobrança de IPVA. Mas, com o "jabuti", pode acabar privilegiando financeiramente locadoras de automóveis, ainda de acordo com a oposição.
Isso porque, depois de aprovado o texto do projeto em primeiro turno, Zé Guilherme, o relator da proposta, apresentou um novo substitutivo com esse "jabuti", uma emenda que mantém o IPVA reduzido a 1% do valor do veículo para empresas locadoras de automóveis, como a Localiza, e anula norma anterior para impedir a cobrança de uma diferença proporcional de alíquota no ano da venda dos veículos de locadoras. Sem a redução, donos de carros pagam 4% de IPVA pela propriedade de automóveis de passeio em Minas Gerais. A revenda de semi-novos virou um dos principais filões da Localiza e de concorrentes.
A redução no IPVA pode propiciar mais de R$ 1 bilhão em lucros para as locadoras e em perdas para a arrecadação estadual, acusa a oposição.
Isso porque, de quebra, o substitutivo também impõe que esse desconto no IPVA seja vigente a partir de 29 de dezembro de 2017, o que fez a oposição denunciar que, com essa retroatividade, poderia ser fabricada uma restituição do imposto pago por locadoras.
“Há, sim, perda de IPVA para o estado. O prejuízo imediato da medida é de cerca de R$ 1,1 bilhão por ser retroativa a 2017”, afirmou à coluna o deputado estadual professor Cleiton (PV), do bloco oposicionista.
“O projeto em si é positivo. O problema foi uma emenda ‘jabuti’, feita no substitutivo, que, ao nosso ver, está concedendo um verdadeiro privilégio para um setor bilionário que já possui vários benefícios”, acrescenta.
O líder da minoria, deputado Jean Freire (PT), quer impedir o avanço do “jabuti” com a realização de audiências públicas e manobras regimentais.
“O estado precisa de recursos, então não se pode abrir mão assim de IPVA. Isso em um estado que vem pleiteando adesão a regime de recuperação fiscal. A gente já achava estranho essa intenção de mudar a cobrança. Ficou pior ainda com esse efeito retroativo”, afirmou Freire.
Aliados de Zema dizem que o governo estadual nunca cobrou a diferença de IPVA (de 1% para 4%) das locadoras no momento da venda dos veículos, porque esse dispositivo legal nunca foi regulamentado. Por isso, esses aliados negam que a proposta tenha capacidade de restituir impostos pagos, se aprovada.
“Nem o ex-governador Fernando Pimentel (PT) nem o Zema regulamentaram a cobrança. Se cobrassem, simplesmente as locadoras iriam deixar Minas Gerais e seguir para outro estado”, afirmou o deputado João Magalhães (PMDB), autor da proposta original.
Doações dos irmãos Mattar para Zema
A oposição critica ainda o mérito da proposta porque Mattar foi um dos principais doadores de Zema nas eleições. No ano passado, Salim deu R$ 1,5 milhão para o Partido Novo, que foram usados na campanha de Zema. Seu irmão, Eugênio Mattar, também sócio da Localiza, doou igualmente R$ 1,5 milhão indiretamente para Zema. Empresários costumam doar a partidos quando tentam ocultar vínculos com candidatos beneficiados. Outros sócios da dupla também fizeram contribuições eleitorais para Zema. Em 2018, Salim Mattar tinha doado diretamente R$ 700 mil para Zema.
A oposição também viu digitais do governador mineiro no “jabuti” porque o relator, Zé Guilherme, é pai do ex-deputado Marcelo Aro (PP), um dos principais articuladores políticos de Zema, que deve também virar secretário-chefe da Casa Civil, se a Assembleia Legislativa aprovar a criação da pasta. Procurado, Zé Guilherme disse à coluna que não poderia dar entrevista nesta quarta-feira.