STF volta a decidir se militares serão julgados por seus pares

Julgamento é considerado crucial para reduzir abusos das Forças Armadas cometidos contra civis

8 fev 2023 - 05h00
(atualizado às 10h28)
Militares do Exército desmontam barracas de bolsonaristas em Brasília, em janeiro de 2023
Militares do Exército desmontam barracas de bolsonaristas em Brasília, em janeiro de 2023
Foto: Reuters

O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a decidir nesta sexta-feira, 10, se militares continuam a serem julgados por seus pares — quando matam, agridem ou torturam civis em atividades de segurança pública ou operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) — ou se terão suas condutas analisadas pela Justiça comum.

Juristas e organizações de defesa de direitos humanos consideram esse julgamento crucial para reduzir casos de abusos cometidos por militares contra a população.

Publicidade

O julgamento foi aberto por uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5032), apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em que é considerada inconstitucional parte da Lei Complementar nº 97/1999, que deu esse poder à Justiça Militar.

O caso estava parado por um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski. Mas agora o julgamento deverá ser concluído em plenário virtual entre os dias 10 e 17 de fevereiro. A análise poderá ser transferida para sessão presencial do Supremo, caso isso seja solicitado por algum ministro.

Sobram críticas à atuação da Justiça Militar pela falta de punição a militares, quando são acusados de matar, torturar ou cometer outros crimes sem relação com a hierarquia da caserna. Memorial apresentado pelo grupo Tortura Nunca Mais cita que os fardados são absolvidos na maioria dos crimes cometidos contra civis.

“A Justiça Militar passa a mão na cabeça de militares que violam direitos humanos e é muito dura quando julga civis que atacam algum interesse militar. É uma Justiça extremamente corporativa”, critica o jurista Daniel Sarmento, professor titular de direito constitucional da UERJ e advogado do grupo Tortura Nunca Mais no processo.

Publicidade

Em primeira instância, crimes cometidos por militares são julgados por um Conselho de Justiça – formado por um juiz civil e outros quatro militares da ativa. Em segunda instância, militares também são ampla maioria no colegiado – o plenário do Superior Tribunal Militar (STM) é composto por 10 militares e 5 civis. Por isso, especialistas alegam que faltam condições institucionais para julgamentos imparciais.

Também é criticado o fato de que até militares sem formação jurídica decidem processos criminais contra os seus pares, algo inconcebível na Justiça comum.

Acima de tudo, juristas consideram uma violação à Constituição Federal esse poder dado à Justiça Militar para julgar crimes cometidos contra civis pelas Forças Armadas, quando praticados em atividades de segurança pública.

“Princípios constitucionais como a exigência de imparcialidade judicial e o devido processo legal tiram a legitimidade da Justiça Militar para analisar crimes de militares contra civis”, argumenta Sarmento.

Publicidade

Antes da interrupção do julgamento, tinham sido publicados três votos favoráveis à Justiça Militar. Assim votaram o relator, Marco Aurélio Mello (antes de se aposentar), Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

Só o ministro Edson Fachin votou até agora contra a Justiça Militar.

Depois dos ataques golpistas de 8 de janeiro, advogados torcem para que Barroso mude seu posicionamento.

Substituto de Marco Aurélio Mello, o ministro André Mendonça não terá direito a votar nessa ação. Faltam então sete votos (Nunes Marques, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Rosa Weber).

“Se o STF mantiver esse poder da Justiça Militar, será uma vergonha. Um dos problemas históricos das democracias na América Latina, especialmente no Brasil, é a influência excessiva dos militares na vida social. Isso é aprofundado com a submissão à Justiça Militar dos casos de violações de direitos humanos cometidos contra civis”, conclui o professor da UERJ.

Publicidade
Entenda o suposto plano golpista de Jair Bolsonaro revelado por senador
Video Player
Fonte: Coluna do Daniel Haidar Daniel Haidar é jornalista. Foi editor da GloboNews, do JOTA e do Metrópoles. Trabalhou como repórter investigativo do El País Brasil, da revista ÉPOCA e da revista VEJA. Atuou também como repórter do jornal O Globo, do portal G1 e da rádio CBN. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra.
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações