Decisão do comitê da ONU não garante a Lula direito de concorrer, afirma jurista

Segundo Oscar Vilhena Vieira, recomendação é politicamente importante, mas não terá efeito de suspender Lei da Ficha Limpa.

17 ago 2018 - 14h56
(atualizado às 15h08)
Lula está preso desde abril, condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Lula está preso desde abril, condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Foto: AFP / BBC News Brasil

A decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) de recomendar ao Brasil que garanta os direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deve ter efeitos práticos de viabilizar que o petista dispute a eleição presidencial de outubro, avalia o diretor da Escola de Direito da FGV-SP, Oscar Vilhena Vieira.

Em documento a que a BBC News Brasil teve acesso, o comitê da ONU solicita que os direitos preservados incluam "acesso apropriado à imprensa e a integrantes de seu partido político". Segundo a decisão, também foi solicitado que Lula não seja impedido de "concorrer às eleições presidenciais de 2018 até que todos os recursos pendentes de revisão contra sua condenação sejam completados em um procedimento justo e que a condenação seja final".

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Lula está preso desde abril devido a uma condenação em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso tríplex do Guarujá. Segundo a Lei da Ficha Limpa, isso o torna inelegível. Os recursos que podem anular a condenação dificilmente serão julgados ainda este ano nas cortes superiores.

Vieira considerou a decisão do comitê da ONU "forte", mas ressalta que o Supremo Tribunal Federal (STF) já tomou decisões reconhecendo a validade da Lei da Ficha Limpa e que há maioria consolidada na Corte nesse sentido, tornando improvável uma mudança de entendimento.

"É uma decisão politicamente importante, agora o efeito jurídico dela eu diria é de 'soft law' (quando a decisão não é de cumprimento obrigatório)", nota o diretor da FGV.

"Da perspectiva da legislação brasileira, que foi confirmada pelo STF, o fato de você ser condenado em segunda instância é suficiente para privá-lo do seu direito de se candidatar. Então, nesse sentido, essa medida de emergência não tem efeitos práticos", acrescentou.

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Decisão do comitê da ONU foi motivada pelas controvérsias em torno da condenação de Lula, avalia jurista
Foto: AFP / BBC News Brasil

Na leitura do diretor da FGV, a decisão do comitê da ONU foi motivada pelas controvérsias que existem em torno da condenação de Lula.

"Não há dúvidas sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. O que há é dúvida política, jurídica e social sobre se a condenação do ex-presidente foi uma condenação correta. E aí, em cima dessa dúvida, o órgão diz que Lula não deveria ser impedido (de concorrer) enquanto o Supremo não decidir (sobre a validade da condenação)", analisou.

Por outro lado, Vieira considera que a recomendação da ONU pode fortalecer os argumentos jurídicos da defesa de Lula ao solicitar no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o contato com jornalistas e aliados políticos.

Até agora, o petista tem tido todos os seus pedidos do tipo negados pela juíza da 12ª Vara de Execuções Penais de Curitiba, Carolina Lebbos. No entanto, isso ainda não foi analisado por cortes superiores.

"Isso me parece correto. O condenado está privado de alguns direitos, o direito de locomoção especialmente, não quer dizer que ele está privado de todos os direitos, como direito de falar, direitos políticos, etc", observa.

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Indefinição até 17 de setembro

Expectativa é que Haddad, hoje vice na chapa, assuma a candidatura em algum momento, com Manoela D'Ávila como vice
Foto: AFP / BBC News Brasil

Lula solicitou seu registro de candidato nesta quarta-feira e, no mesmo dia, a Procuradoria-Geral da República se manifestou pedindo que ele seja negado pelo TSE. Isso gera abertura de um processo que pode se estender por semanas. A legislação garante que, até a conclusão desse processo, Lula é candidato e pode fazer campanha, ainda que preso.

O prazo final para o PT trocar Lula por outro candidato, porém, é 17 de setembro. Se até lá não for concluído o processo, o partido vai ter que escolher entre indicar outro concorrente ou arriscar manter o ex-presidente na disputa, mesmo ele podendo ser barrado mais à frente (se isso ocorrer após a eleição seus votos seriam considerados nulos).

A expectativa é que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, registrado como vice na chapa petista, assuma a candidatura em algum momento.

A defesa de Lula sustentou nesta sexta-feira, por meio de nota, que a decisão da ONU garante o direito do petista de concorrer à Presidência da República.

"Diante dessa nova decisão, nenhum órgão do Estado Brasileiro poderá apresentar qualquer obstáculo para que o ex-presidente Lula possa concorrer nas eleições presidenciais de 2018 até a existência de decisão transitada em julgado em um processo justo, assim como será necessário franquear a ele acesso irrestrito à imprensa e aos membros de coligação política durante a campanha", informaram, por meio de nota, os advogados Valeska Teixeira Zanin Martins e Cristiano Zanin Martins.

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No entanto, mesmo os signatários da convenção de direitos humanos da ONU não são legalmente obrigados a seguir uma recomendação do Comitê de Direitos Humanos, ainda que isso possa gerar desgaste junto à comunidade internacional.

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