Se for demitido pelo presidente Jair Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta deixará o Ministério da Saúde com maior força política, inclusive para disputar outros cargos, avaliam cientistas políticos ouvidos pelo Estado. Após confrontar publicamente Bolsonaro por diversas vezes, o médico ortopedista anunciou na quarta-feira, 15, que deve ser exonerado do cargo em breve.
Se permanecer como ministro, Mandetta terá de se subordinar ao presidente e ocupar uma posição contrária ao que boa parte da população defende, situação que pode afetar negativamente sua imagem, explica Gabriela Lotta, professora de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Pedir demissão, porém, também não é benéfico, diz. Pode passar a ideia de que está "abandonando o barco". "A melhor saída para alguém que tem pretensões políticas, como Mandetta, é ser demitido por Bolsonaro. Ele sai do governo com uma imagem positiva, de alguém que defendeu o País e foi injustiçado por atitudes equivocadas do presidente."
Para Gabriela Lotta, a demissão é a melhor alternativa política a Mandetta, e por isso ele tem feito claro enfrentamento ao presidente nos últimos dias. A mais recente ocorreu no domingo, 12, quando o ministro cobrou uma "fala única" do governo sobre a pandemia. "O Mandetta, com um passado que nunca apoiou o SUS, de repente vira um defensor do sistema público, e com isso consegue capitalizar os votos e apoio da população que está favorável às decisões técnicas da saúde."
Vanessa Elias de Oliveira, professora de ciência política da Universidade Federal do ABC, concorda que o ministro sai fortalecido do governo. "Ele é um político, não um técnico. Portanto, certamente tem pretensões políticas. Não é possível saber quais são. Mas que ele sai com capital político, me parece claro." Para ela, é menos arriscado para Mandetta deixar o cargo agora. "Ele mesmo já disse dias atrás que era bem avaliado, mas que isso poderia mudar, com um aumento drástico de casos e mortes."
Filiado ao DEM e deputado federal por dois mandatos, entre 2011 e 2018, Mandetta se tornou rosto conhecido da população durante a pandemia do coronavírus. À frente do Ministério da Saúde, o médico ortopedista defendeu medidas recomendadas por órgãos internacionais e criticadas por Bolsonaro. Seu protagonismo na crise incomodou o presidente, que chegou a afirmar em entrevista que faltava "humildade" ao ministro.
Para Humberto Dantas, head de Educação do CLP, não se pode desconsiderar que Mandetta tinha um cargo de deputado federal até o começo do ano e é, sim, um agente político, que porventura não tem sido valorizado por Bolsonaro. Ele não descarta que as falas desafiando o presidente podem ter alguma lógica ou interesse político-eleitoral escancarado. Mas acredita que, se for o caso, é um cálculo arriscado por parte do ministro. "Hoje, ele estaria fortalecido pela opinião pública, poderia fazer uma campanha entorno disso, mas falta tempo para a próxima eleição."
Técnico
A decisão de manter o discurso a favor da ciência e contra o que defende o presidente Jair Bolsonaro, ainda que lhe custe o cargo, segue uma direção política, afirma o professor de administração pública da FGV Marco Antônio Carvalho Teixeira. "Ele era um ilustre desconhecido até então e conquistou boa reputação com essa postura técnica. Tudo isso vai impactar positivamente na carreira política."
Caso demitido por Bolsonaro, o ministro deve deixar a pasta com grande apoio da população e credenciado a disputar outros cargos políticos, diz Teixeira. "Ele sai com uma imagem extremamente positiva, enfrentando o governo em um contexto em que a maioria da população fica ao lado dele."
A professora de política da PUC São Paulo Vera Chaia avalia que a melhor saída para o ministro é ser demitido. "Demissão seria reconhecer o erro dele, e ele não errou. Ele está cumprindo um papel fundamental nesse processo", afirma. Para ela, Mandetta tem condições tem pleitear novos cargos. "Acredito que sai com uma imagem extremamente positiva. O Caiado vai abrir as portas escancaradas para o Mandetta, exatamente porque é do mesmo partido e o indicou para o governo Bolsonaro. Emprego não vai faltar."