Demissão pode favorecer carreira política de Mandetta

Segundo especialistas, isso ajuda a explicar por que ministro tem enfrentado o presidente nos últimos dias

16 abr 2020 - 09h34
(atualizado às 10h10)

Se for demitido pelo presidente Jair Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta deixará o Ministério da Saúde com maior força política, inclusive para disputar outros cargos, avaliam cientistas políticos ouvidos pelo Estado. Após confrontar publicamente Bolsonaro por diversas vezes, o médico ortopedista anunciou na quarta-feira, 15, que deve ser exonerado do cargo em breve.

Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta
07/04/2020
REUTERS/Adriano Machado
Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta 07/04/2020 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

Se permanecer como ministro, Mandetta terá de se subordinar ao presidente e ocupar uma posição contrária ao que boa parte da população defende, situação que pode afetar negativamente sua imagem, explica Gabriela Lotta, professora de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV).

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Pedir demissão, porém, também não é benéfico, diz. Pode passar a ideia de que está "abandonando o barco". "A melhor saída para alguém que tem pretensões políticas, como Mandetta, é ser demitido por Bolsonaro. Ele sai do governo com uma imagem positiva, de alguém que defendeu o País e foi injustiçado por atitudes equivocadas do presidente."

Para Gabriela Lotta, a demissão é a melhor alternativa política a Mandetta, e por isso ele tem feito claro enfrentamento ao presidente nos últimos dias. A mais recente ocorreu no domingo, 12, quando o ministro cobrou uma "fala única" do governo sobre a pandemia. "O Mandetta, com um passado que nunca apoiou o SUS, de repente vira um defensor do sistema público, e com isso consegue capitalizar os votos e apoio da população que está favorável às decisões técnicas da saúde."

Vanessa Elias de Oliveira, professora de ciência política da Universidade Federal do ABC, concorda que o ministro sai fortalecido do governo. "Ele é um político, não um técnico. Portanto, certamente tem pretensões políticas. Não é possível saber quais são. Mas que ele sai com capital político, me parece claro." Para ela, é menos arriscado para Mandetta deixar o cargo agora. "Ele mesmo já disse dias atrás que era bem avaliado, mas que isso poderia mudar, com um aumento drástico de casos e mortes."

Filiado ao DEM e deputado federal por dois mandatos, entre 2011 e 2018, Mandetta se tornou rosto conhecido da população durante a pandemia do coronavírus. À frente do Ministério da Saúde, o médico ortopedista defendeu medidas recomendadas por órgãos internacionais e criticadas por Bolsonaro. Seu protagonismo na crise incomodou o presidente, que chegou a afirmar em entrevista que faltava "humildade" ao ministro.

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Para Humberto Dantas, head de Educação do CLP, não se pode desconsiderar que Mandetta tinha um cargo de deputado federal até o começo do ano e é, sim, um agente político, que porventura não tem sido valorizado por Bolsonaro. Ele não descarta que as falas desafiando o presidente podem ter alguma lógica ou interesse político-eleitoral escancarado. Mas acredita que, se for o caso, é um cálculo arriscado por parte do ministro. "Hoje, ele estaria fortalecido pela opinião pública, poderia fazer uma campanha entorno disso, mas falta tempo para a próxima eleição."

Técnico

A decisão de manter o discurso a favor da ciência e contra o que defende o presidente Jair Bolsonaro, ainda que lhe custe o cargo, segue uma direção política, afirma o professor de administração pública da FGV Marco Antônio Carvalho Teixeira. "Ele era um ilustre desconhecido até então e conquistou boa reputação com essa postura técnica. Tudo isso vai impactar positivamente na carreira política."

Caso demitido por Bolsonaro, o ministro deve deixar a pasta com grande apoio da população e credenciado a disputar outros cargos políticos, diz Teixeira. "Ele sai com uma imagem extremamente positiva, enfrentando o governo em um contexto em que a maioria da população fica ao lado dele."

A professora de política da PUC São Paulo Vera Chaia avalia que a melhor saída para o ministro é ser demitido. "Demissão seria reconhecer o erro dele, e ele não errou. Ele está cumprindo um papel fundamental nesse processo", afirma. Para ela, Mandetta tem condições tem pleitear novos cargos. "Acredito que sai com uma imagem extremamente positiva. O Caiado vai abrir as portas escancaradas para o Mandetta, exatamente porque é do mesmo partido e o indicou para o governo Bolsonaro. Emprego não vai faltar."

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