Envolvimento na Lava Jato pode levar deputado a radicalizar declarações. Mas, segundo analistas, distância entre discurso e prática deve aumentar, levando-o a diminuir ações contra o Planato e a focar em se defender.
O Ministério Público Federal apresentou nesta quinta-feira (20/08) denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro. O deputado é acusado de ter recebido 5 milhões de dólares em propina para facilitar um negócio envolvendo a Petrobras.
Mesmo com a denúncia, o deputado vem afirmando que não vai se afastar da presidência da Câmara. “Vou continuar no exercício para o qual fui eleito pela maioria da Casa. Estou absolutamente tranquilo e sereno em relação a isso”, disse ele na quarta-feira.
Para especialistas ouvidos pela DW, as denúncias devem atingir Cunha em cheio e começar a corroer o poder do deputado, que nos últimos meses se tornou o maior rival político do governo e da presidente Dilma Rousseff.
“Ele vai sair de uma posição de ataque e passar a se defender. Isso vai demandar muita energia. Cunha não vai sair por conta própria, mas pela primeira vez vai começar a sofrer uma pressão real”, afirma o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Em julho, quando ocorreu a divulgação das denúncias contra Cunha, o deputado reagiu de maneira tempestuosa, anunciando o seu rompimento com o governo federal e passando a articular a aprovação de pautas contra os interesses do Planalto. Na avaliação do deputado, o governo está articulando as acusações com a Procuradoria-Geral com o objetivo de derrubá-lo.
Para Prando, a tendência é que Cunha perca sua capacidade de atacar o Planalto. “Ele pode até se radicalizar verbalmente, mas vamos passar a ver uma diferença entre o discurso e a prática. Ele deve ficar mais quieto”, afirma o especialista.
Já para o cientista político Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a denúncia pode fazer com que Cunha empurre mais “pautas-bomba” – que vão contra os interesses do governo – para votação na Câmara. Mas, no fim, o saldo vai ser positivo para o Planalto.
“Ele tende a ficar isolado e não vai ter condições práticas e morais para liderar um processo de impeachment contra Dilma”, avalia.
Desde a semana passada, as opções de Cunha para atacar o governo diminuíram. Seu poder de articulação para dar prosseguimento a um processo de impeachment contra Dilma sofreu um duro golpe quando o STF decidiu que a análise das “pedaladas fiscais” será comandado pelo Senado, onde Dilma conta com mais apoio.
Chance de afastamento
Na quarta-feira (19/08), após a divulgação de que a denúncia seria entregue, um grupo de 12 parlamentares do PT, PSB, PSC e PSol anunciou que vai apresentar um pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara. O pedido tem mais caráter simbólico, já que os parlamentares não têm força para exigir a saída de Cunha.
A decisão depende mais do apoio dos líderes das principais bancadas da Câmara. São eles que podem efetivamente fazer pressão para que Cunha deixe o cargo. Em último caso, deputados podem tentar ingressar com um pedido no Conselho de Ética da Câmara para a abertura de um processo por quebra de decoro parlamentar. Caso o conselho aceite o pedido, os deputados podem começar a articular a cassação do mandato. Tal perspectiva, no entanto, ainda parece nebulosa.
Diferentes levantamentos realizados pela imprensa brasileira mostraram que pelo menos dez líderes de bancadas, que representam mais da metade dos deputados, ainda são contra o afastamento de Cunha.
Alguns deles afirmaram que preferem esperar que o STF aceite a denúncia para dar início a qualquer discussão para a saída de Cunha. Esse é um cenário que promete se arrastar. No caso da denúncia do escândalo do Mensalão, por exemplo, a denúncia demorou quase um ano e meio para ser analisada pelos ministros do STF até ser aceita – e o julgamento só foi iniciado cinco anos depois.
Para o professor Oliveira, no entanto, o tempo está correndo contra Cunha, e o deputado eventualmente vai ser forçado a deixar o cargo.
“Os líderes vão perceber que Cunha é uma canoa furada e vão abandoná-lo. O PSDB e o DEM, por exemplo, vão calcular que não vale a pena ser cúmplice do deputado, que está sendo também acusado de usar a estrutura da Câmara para se defender das acusações. Nenhum político gosta de comparecer ao velório de outro político. Estamos vendo a repetição do que aconteceu com o deputado Severino”, afirma o cientista político, se referindo ao ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, que em 2005 renunciou ao cargo sete meses após ser eleito.
Já o cientista político Prando afirma que, embora o crescente isolamento de Cunha seja positivo, ele também evidencia mais uma vez os problemas do sistema político nacional. “Os presidentes da Câmara e do Senado e a presidente da República estão envolvidos em denúncias de corrupção. Os dois primeiros pela Lava Jato, a última, pelo financiamento da campanha. Isso mostra o nível de degradação em que a política do país chegou.”