A Operação Lava Jato sofreu sua maior derrota até agora com a anulação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na terça, da condenação do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobrás Aldemir Bendine, proferida no ano passado pelo então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça. Enquanto procuradores da força-tarefa demonstram "imensa preocupação" com os precedentes abertos pela decisão da Segunda Turma da Corte, há quem pergunte se isso pode significar uma reviravolta no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os advogados de Bendine alegaram que ele não pôde se manifestar após o pronunciamento de delatores da Odebrecht, o que teria acarretado um cerceamento de seu direito à defesa. Para a Segunda Turma do STF, que decidiu a favor do réu por 3 a 1, "delatores não podem se manifestar por último em razão da carga acusatória que permeia suas acusações", o que abriu brecha para a primeira suspensão de uma condenação de Moro na Lava Jato.
A sentença que condenou Lula no caso do sítio de Atibaia em primeira instância é semelhante. Antes de apresentar as alegações finais nesta ação penal, a defesa de Lula também chegou a pedir que pudesse apresentar seus memoriais somente depois dos delatores. Nesta ação, o ex-presidente foi condenado a 12 anos e 11 meses de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A sentença foi proferida pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Sérgio Moro.
"Efeito cascata"
Na avaliação de juristas, a decisão do Supremo pode gerar um efeito cascata para outras prisões da operação, inclusive do ex-presidente Lula, que foi condenado pela juíza Gabriela Hardt no caso do sítio de Atibaia, com base em delações premiadas. "É uma decisão na mesma direção", afirma a constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público. Ela diz que a decisão foi uma "reação à insistência da força-tarefa em punir políticos".
Vera acredita que isso possa significar ainda um enfraquecimento de todos os processos já julgados pela Lava Jato: "Se eles (ministros) pegarem qualquer ponto e decidirem que o Moro é suspeito, anulam-se todos os processos julgados por ele, isso volta à primeira instância e os condenados, inclusive Lula, saem da prisão. Isso sem falar que os crimes poderão prescrever".
O ex-presidente está preso na sede da Polícia Federal, em Curitiba, desde 7 de abril de 2018, para cumprimento da pena de 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do triplex do Guarujá. Ele também será julgado na ação penal sobre o terreno para o Instituto Lula, que ainda não foi sentenciada.
José Gregori, ex-ministro do STF entre 2000 e 2001, prefere não se basear especificamente no caso de Lula, mas entende os desdobramentos que a decisão pode tomar: "Do ponto de vista jurídico, se essa for uma decisão processual que deveria estabelecer certa ordem cronológica que não foi obedecida, em todos os outros processos semelhantes o advogado irá alegar a mesma coisa e a decisão teria que ser igual".
"Isso permite a anulação de todos os processos em que algum réu tenha sido delatado", afirma o jurista Modesto Carvalhosa, que vê com preocupação o anulamento proferido pelo STF. "Praticamente, todos os réus condenados em esquema de corrupção foram objetos de delação. Todos os corruptos, a partir de agora, terão seus processos anulados - essa é a consequência", observa, afirmando que isso poderia afetar também "todo o crime organizado" e o "crime comum".
Seria o fim da Lava Jato?
Vera Chemim: "A longo prazo, sim. A decisão foi absurda, no mínimo. Eles promoveram o delator à figura do promotor e da acusação, do ponto de vista processual. Para mim, isso representou um verdadeiro ativismo judicial sem tamanho".
Modesto Carvalhosa: "Não é um enfraquecimento, mas sim a destruição de todo o sistema da Lava Jato. Tanto que o ministro Gilmar Mendes declarou seu voto xingando toda a operação, o que leva à total suspeição do julgamento, porque ele mostra que é inimigo do juiz (Sérgio Moro). Assim, ele não poderia julgar".
José Gregori: "Não, cada caso é um caso, com características específicas. Direito tem isso: não é uma espécie de geometria. A Lava Jato foi feita, em geral, para combater a corrupção. Enquanto ela não acabar no Brasil, a operação deve permanecer. Essa decisão foi em função de um caso específico e tem peculiaridades processuais que podem não se repetir.