Diante das cobranças por resultados na economia, até mesmo de dentro do governo, o presidente Jair Bolsonaro reforçou seu apoio ao ministro Paulo Guedes. Em entrevista ao Estadão, o presidente disse não ter plano B para a economia e afirmou que Guedes continua sendo o "posto Ipiranga" nessa área. "A economia é 100% com o Guedes", afirmou. Bolsonaro recebeu o Estadão em seu gabinete no Palácio do Planalto na última sexta-feira. Bem-humorado, disse que sua meta é concluir obras inacabadas deixadas por seus antecessores, mesmo que tenha de dividir o mérito com eles. Admitiu ter insônia e viver nas redes sociais e revelou ainda planos de comprar uma moto para passear disfarçado nas ruas de Brasília. Leia os principais trechos.
O senhor compactua com as críticas de que a retomada da economia está demorando?
A tendência natural do ser humano é o poder. Alguns têm obsessão. Tem grupos aqui, acolá, que se preparam já para 2022 e ficam torcendo para o quanto pior, melhor. Só que o pior tem um limite. O próprio Paulo Guedes (ministro da Economia) diz que a gente não vai ter segunda chance. Com uma dívida de R$ 4 trilhões que consome, segundo ele, um Plano Marshall por ano (o plano de ajuda econômica dos Estados Unidos a países europeus no pós-guerra). Estamos conseguindo reconquistar a confiança do mundo nessas questões. O Tarcísio (Freitas, ministro da Infraestrutura) está viajando há 15 dias para os Estados Unidos e a Europa, buscando investidores. A Tereza Cristina (Agricultura) fez um périplo pela Ásia. Não dá pra dar um cavalo de pau na economia. A economia é um transatlântico.
O senhor vai iniciar uma extensa agenda de viagens pela Ásia, esteve nos Estados Unidos duas vezes...
Agora (na viagem para a Assembleia da ONU) em Nova York, raro o chefe de Estado que não queria uma reunião bilateral. Não fiz por problemas de saúde, porque me preparei para poder aguentar o discurso, sem tossir ou começar a fraquejar. Nunca estivemos tão bem com os Estados Unidos. Os países que colaram nos Estados Unidos fizeram uma boa relação e conseguiram vencer obstáculos da economia. Estamos caminhando para isso.
Quando os resultados começam a aparecer?
A Caixa está dando boas notícias, diminuindo os juros do cheque especial, sem interferência minha. Eu poderia interferir na Caixa. Eu não posso interferir é no Banco do Brasil, porque não pode, teoricamente né? Posso interferir trocando o presidente (risos), mas longe disso aí... A Dilma interferiu em 2012 e baixou os juros na marra. Essas instituições ganharam clientes, mas perderam lucro. Não sou economista, mas acho que os lucros deles vão aumentar. Então, o quadro está aí. Não tem plano B. A economia é 100% com o Guedes. Não discuto. É 100% com o Guedes. Dou sugestões às vezes, de vez em quando eu tenho razão, ele diz que vai tomar providência. O que eu transmito a ele é o anseio popular. Não pego na rua mais, não posso estar na rua, mas pego nas mídias sociais.
Consegue captar nas redes sociais esses anseios?
Eu tenho problema de insônia, não adianta. Vou lá pra um canto, para não atrapalhar a mulher na cama. Eu printo muitas vezes e passo aquilo para os ministros. O Paulo Guedes pega metade disso aí praticamente. E o ministro dá uma satisfação.
O senhor falou para o ministro Guedes que existem três assuntos proibidos: fim da correção do salário mínimo, fim da estabilidade para servidores e CPMF?
Falei com ele sobre CPMF, que esse nome está contaminado. Ninguém aguenta essas quatro letrinhas. Você tem uma parte benéfica desse imposto, mas ele foi usado de forma inadequada no passado. A preocupação é o aumento de impostos. 'Ah, vamos aprovar uma alíquota pequenininha agora.' Depois, esse porcentual aumenta. Não estou proibindo ninguém de falar nada… (risos) Quem demitiu o Marcos Cintra (ex-secretário da Receita Federal que defendia a volta do imposto) foi o Guedes. Não interfiro nessas questões.
De onde o governo pretende tirar novos recursos?
Aí pergunta para o Guedes (risos).
O senhor ainda chama o Paulo Guedes de Posto Ipiranga?
De vez em quando chamo, não deixou de ser… (risos). Quisera nós termos sempre um Posto Ipiranga do nosso lado. Nas Forças Armadas, o Posto Ipiranga é um tal de Heleno, conhecem? (Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, presente na entrevista).
O Congresso reduziu a economia esperada com a reforma da Previdência. Agora, no debate do leilão do pré-sal, como fica a discussão sobre a divisão dos recursos?
Guedes fala o seguinte: uma maneira de atender o parlamentar, que em grande parte faz justiça, é na questão das emendas impositivas. Mas não adianta ser impositiva se não tem dinheiro. Ele acertou lá esse modelo da cessão onerosa e quer passar, para as demais, uma parte para o governo, uma parte para o Parlamento.
E os Estados e municípios?
Essa briga é deles, não é nossa.
O senhor concorda com a proposta de divisão dos recursos com o Congresso?
Deixei para o Paulo Guedes porque você não está barganhando. Você tem as emendas impositivas. O pessoal acha que estão fazendo toma lá, da cá. Mas está no Orçamento.
Mas não são apenas as emendas impositivas que serão distribuídas. É por isso que se fala em toma lá, dá cá.
Tem emenda de bancada também, tem tudo. O ideal é você poder cumprir o Orçamento. Agora, o pessoal superestima o Orçamento, com o sonho de conseguir recursos para dar satisfação para sua base. Não tem coisa pior do que o parlamentar falar: 'Eu aprovei, foi publicado no Diário Oficial da União e nós vamos fazer uma ponte pequena no Amazonas e depois não tem o recurso'. Não adianta. Aliás, a ideia das emendas impositivas foi para acabar com isso.
O governo conseguiu resultados positivos na geração de empregos, mas ainda temos um número muito grande de desempregados. Há algum projeto especial para gerar mais postos de trabalho?
Deixa eu elogiar o (ex-presidente Michel) Temer aí. Se o Temer não fizesse a reforma trabalhista, estaria numa situação pior do que estava antes. É muito bonito falar em direitos. Agora quero saber os direitos do desempregado, não tem direito nenhum. Eu já falei: 'O povo que tem que decidir, direitos ou empregos, não vai ser eu. Eu acho que a mão de obra mais cara do mundo é a nossa. Em consequência, a gente perde mercado para todo mundo'. 'Ah, o cara quer tirar direitos.' Então fica com seus direitos, mas desempregado. Eu queria dar mais direitos para os caras, mas, quanto mais direitos, maior o desemprego.
O governo estuda retirar 10% do adicional do FGTS pago pelo empregador?
É uma ideia lá do Paulo Guedes e tem sinal verde. Quando ele tem essas ideias, ele só me procura, até para eu me preparar para no dia seguinte poder responder.
Há outras propostas para melhorar a empregabilidade?
Os direitos trabalhistas estão consolidados no artigo sétimo da Constituição. Alguns dizem que é uma cláusula pétrea, isso aí é uma guerra jurídica enorme. Então eu falo: 'Não toca no assunto, é o que está aí'.
O senhor pensa em uma marca do seu governo, uma grande obra?
Não vamos partir para ser igual ao que o PT fez com as refinarias. O que eu tenho falado para os ministros é terminar as obras. Aí podem falar: 'Ah, começou com a Dilma, com o Temer'. Mas, se a gente não for atrás, vai virar só esqueleto. Parte do sucesso do Tarcísio (Freitas, ministro da Infraestrutura) é que ele está usando os batalhões de engenharia do Exército para fazer obras. A mão de obra lá é o soldado. Se bem que um soldado ganha de diária 25 reais. Falei com o Fernando (Azevedo e Silva, ministro da Defesa) que a partir do ano que vem dobraremos esse valor. Outra coisa é a certeza de que, dificilmente, vai haver um desvio. Faremos no próximo mês um sobrevoo na BR-163, no Pará. No caso das obras da Ferrovia Norte-Sul, em dois anos deve ser entregue. Eu pretendo fazer isso aí. É comum no meio político perguntar: 'Qual a sua grande obra?'. Mas se eu for me preocupar com isso daí, a gente não governa.
Os governos militares foram de grandes obras.
Mas era outra época. Você vê. Na época dos atos secretos do Sarney, uma vez eu fui à tribuna, numa sessão do Congresso que tinha a ver com as Forças Armadas, e ele ficou preocupado achando que eu ia (criticá-lo). Eu disse: 'Acabei de conversar com o senhor Leônidas Pires Gonçalves, seu ministro do Exército, ele mandou te agradecer pelo 13.º de 1986. Eu enchi a bola do Sarney e virei amigo do Sarney (risos).
Como está a situação do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, denunciado no caso dos laranjas do PSL?
Ele não chegou ao final da linha. Se for algo de grave, substancioso, a gente toma uma decisão. Ele está fazendo um brilhante trabalho. Tem um diretor lá da Embratur, Gilson Machado, que tá no 220 volts o tempo todo. Temos um plano audacioso. Onde tiver um hotel nós pretendemos afundar um navio ali. Vai ajudar a manter o hotel com mais clientes, mais hóspedes, de gente que gosta de fazer o mergulho de contemplação. Esse ministério era apenas uma moeda de troca no passado, hoje tem sua finalidade e dá retorno.
Neste domingo começa o Sínodo no Vaticano. O papa disse que os incêndios na Amazônia são um problema do mundo…
A Igreja Católica é uma coisa, fé é uma coisa... agora, alguns querem voltar para aquilo que foi discutido em 1948 pela ONU, a questão da internacionalização da Amazônia. É esse o grande problema. Eu acho que, por exemplo, a única coisa boa que a França nos fez quando questionou nossa soberania foi despertar o espírito patriótico no Brasil. O pessoal começou a se interessar. Nós levamos a índia Ysani Kalapalo para a ONU. Li uma carta lá dos índios agricultores. Nós começamos a tirar o monopólio do Raoni (Metuktire, mais influente liderança indígena da atualidade) nessa questão. Quanto ao Sínodo, eles têm o direito de discutir o que bem entendem. Eu vou deixar bem claro que poderá ser a posição de alguns da cúpula católica e não de todos.
O senhor acompanha o debate do impeachment do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump? O senhor conversou com ele sobre o assunto?
Tenho liberdade com ele, mas não abuso. Ele ficou de ligar esta semana para mim (não revela o assunto). O Senado é republicano. Então, isso para mim é espuma. Não vai para frente. Eu torço por ele, não é porque ele é o presidente, não. Ele tem uma visão muito parecida com a minha. Eu o conheci nas prévias, sofreu o mesmo que eu sofri, fake news.
O senhor nomeará o deputado Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos Estados Unidos?
Não tem data. Deixa passar a votação da reforma da Previdência, não tem pressa não. Ele se prepara melhor pra enfrentar uma sabatina, caso ele mantenha a ideia de ir para lá. Para mim seria interessante. Mas eu não posso forçá-lo a ir. Ele vai renunciar ao mandato dele.
Ele está reavaliando a ideia?
Não, não está reavaliando, ele está é pensando, né? Ele está recém-casado, está feliz (risos).
O esforço de deputados do Partido Democrata dos Estados Unidos para o Brasil não ser aliado preferencial da Otan é uma retaliação ao senhor?
É natural a oposição em qualquer país do mundo. Eu não quero briga com ninguém. Brigar para quê? Eu não vou entrar nessa briga, o país dividido, né? Ontem (quinta, 3), esteve aqui o Rodrigo Maia. Foi aniversário do Onyx (Lorenzoni, ministro da Casa Civil). Tinha umas cem pessoas. O Maia estava em um canto, falei: 'Vem cá Maia, vem aqui do lado do aniversariante, quem manda aqui sou eu. Você manda lá no Parlamento (risos)'. Eu falei que o nosso relacionamento começou com algum atrito, igual àquele grande amor que nasce de um acidente de trânsito. Você desce do carro, fala para a dona Maria: 'A senhora não sabe dirigir'. E ela xinga: 'Machista'. Conhecem ali, e vão ser felizes para sempre. Eu estou quase me casando com o Rodrigo Maia (risos).
E com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP)?
Se bem que, quando eu falo que vou casar com o Rodrigo Maia, o Davi Alcolumbre fica com ciúmes (risos). Mas qual é a vantagem que eu tenho com eles? Nós fomos deputados juntos, do baixo clero juntos. A eleição do Rodrigo Maia para a presidência da Câmara foi uma surpresa. A do Davi para o Senado também. Derrotou o Renan (Calheiros, do MDB de Alagoas), o todo-poderoso. Então, eu tento falar com eles, eles vêm falar comigo. A nossa oportunidade é essa, de deixar algo escrito na História.
Para um governo sem base no Congresso a boa relação é importante?
Se a gente se der bem, por exemplo, o Rodrigo Maia vai botar em votação o projeto do porte de armas, está acertado. Ele vai botar em votação também, porque é o dono da pauta, as mudanças no Código Nacional de Trânsito. Parece que não é nada, mas quando você passa de cinco para dez anos a validade da carteira, todo mundo ganha. Depois dos 65 anos, volta a ser cinco anos. Eu estou com 64, mas não é um projeto em causa própria.
O senhor acabou com o presidencialismo de coalizão e mesmo assim aprovou a reforma da Previdência. Como explica isso?
Primeiro, nós escolhemos ministros técnicos e conversamos muito. A cada 15 dias, tem reunião. Nós conseguimos mostrar para o Parlamento que não tinha outro caminho a não ser o nosso. Você bota o Tarcísio na sua frente, você quer saber da BR tal, ele tem um HD na cabeça e sabe como resolver o assunto. Se você perguntar para mim, com todo respeito, eu sei, acho que 10% do que o Tarcísio sabe. Como as nossas finanças estão, não adianta o partido tal ter um ministério porque não vai ter o que fazer também. Vai ter mais dificuldade de fazer do que nós fazemos.
Como o senhor avalia as críticas ao ministro da Educação, Abraham Weintraub? Ele ainda não mostrou resultados?
Nós perdemos três ou quatro meses. O Vélez (Rodriguez, ministro anterior) tinha uma bagagem enorme, mas tinha um problema grave de gestão. Depois trocamos, veio o Abraham. Estou satisfeito com ele. Tem apresentado muita coisa para mim, programas novos, como as escolas cívico-militares, está mudando a forma como se encaram as universidades. É um gasto bilionário com curso superior e não temos um Prêmio Nobel sequer. Tem coisa errada aí. Algumas universidades se prestam a criar militantes.
Qual é a meta do senhor para as universidades?
O objetivo final da educação que eu entendo é formar um bom profissional, vai ser bom empregado, bom patrão, bom liberal. Essa é que é a intenção. Tem ainda a questão das escolas militares.
Nesse caso, alguns Estados não aderiram.
São Paulo foi por questão política, Rio foi por questão política, o Ceará aceitou com restrição. Ah, aderiu? (um assessor avisa que São Paulo acabara de anunciar a participação). O cara (João Doria, governador de São Paulo) fazia tudo que eu fazia, né? De repente, ele resolveu tomar outro rumo aí, cada um que siga o seu destino. Me criticou, não sei por quê. O povão gostou do meu pronunciamento na ONU.
Do que o senhor mais gosta e do que menos gosta no exercício de ser presidente?
O que mais gosto é que sinto, juntamente com meus ministros, que estou cumprindo uma missão. Estamos mudando muita coisa. A que eu menos gosto é quando alguns, que não são do meu meio, querem marcar uma audiência para discutir uma coisa que não deveria ser discutida. Não vou falar o que é, mas me chateia.
O senhor sente falta de liberdade?
Eu sabia que ia ficar preso. Eu estou preso em casa, sem tornozeleira eletrônica. Vou dar uma bomba para vocês: devo comprar nos próximos dias uma moto e deixar parada lá no Alvorada. O Heleno não sabia disso, ficou sabendo agora. Vamos comprar duas para dar um rolê por aí, de peruca (risos)?
O senhor está bem de saúde?
Pela minha idade, e pela gravidade (da facada que tomou em 2018), eu estou muito bem. Se eu fosse uma pessoa sedentária dificilmente teria sobrevivido. Nós estamos, agora, atrás de quem foi o mandante. Chegou ao meu conhecimento uma correspondência de um preso contando por alto quem poderia ser o mandante do crime, mas não quero falar.
O Fernando Henrique registrava num gravador os bastidores do governo. O Lula tinha uma assessora que anotava tudo. O senhor faz um diário?
Olha aqui (o presidente mostra sua agenda sem nenhuma anotação). O Geisel fez as memórias dele e autorizou a publicação depois da morte. Eu até apareço duas vezes no livro dele. Uma vez como conspirador. Logo eu, pô! (risos). Eu acho que ele conspirava muito.