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4 anos após ataque em Suzano (SP), sobrevivente ainda luta contra pesadelos: "Tudo volta muito forte"

Adna Isabella, hoje com 20 anos, cita apoio insuficiente da escola; ela buscou forças em atendimento psiquiátrico e na relação com Deus

29 jun 2023 - 05h00
(atualizado às 07h15)
Quatro anos depois, Adna Isabella mantém vivas as lembranças do ataque em Suzano
Quatro anos depois, Adna Isabella mantém vivas as lembranças do ataque em Suzano
Foto: Arquivo Pessoal

Adna Isabella é uma das sobreviventes do atentado na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, na Região Metropolitana de São Paulo. O caso aconteceu em 2019 e foi um dos ataques escolares que deixou mais vítimas fatais no País. Dez alunos morreram, entre eles um ex-namorado da jovem, que foi alvejado em sua frente. Na época com 16 anos, Adna foi atingida com um tiro no pulmão e passou por uma cirurgia para retirar a bala. Mais de quatro anos depois, lembranças do ataque continuam vivas - e parte delas, ressignificadas.

Agora Adna tem 20 anos, terminou a escola, iniciou uma graduação em Gestão de Recursos Humanos à distância e é noiva de outro sobrevivente do marcante dia. A vida seguiu acontecendo, mas com rumos diferentes do que planejava na adolescência. Antes do atentado, ela nunca havia sido atendida por psicólogos. Agora, desde que tudo aconteceu, o acompanhamento psiquiátrico é fundamental para sua saúde. Para dormir, a jovem precisa recorrer a medicamentos, já que, sem isso, ela tem pesadelos com as cenas de horror. "Tudo volta muito forte. E aí eu tomo a medicação para poder pelo menos aliviar”.

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Tudo começou por volta das 9h30 da manhã do dia 13 de março de 2019, quando dois homens entraram armados na escola. Ouvindo a gritaria, Adna correu para os fundos da instituição, onde ficava o centro de línguas, e se jogou no chão junto com outros alunos. Ali, ela olhou nos olhos de um dos invasores, que atirou contra ela. Do seu lado, estava Douglas, um ex-namorado do começo da adolescência, que também foi atingido.

"E aí, o portão abriu e um pessoal conseguiu levantar, conseguiu se esconder. Uma menina me levantou, eu já com muita dificuldade pra respirar, só que o Douglas ficou. Eu vi tudo, vi ele sendo morto na minha frente, mas no meu coração ainda tinha esperança dele estar vivo", relembra. 

Os dias que sucederam o atentado foram torturantes para Adna, que, agora, convive com um quadro depressivo, de ansiedade e de pânico. Ao olhar no espelho, a imagem que ela via era a do ex-namorado. Dormir também não conseguia, já que os flashbacks da cena eram recorrentes. Sem contar no medo ao sair na rua, principalmente quando se deparava com qualquer imagem que remetesse à escola. Até alunos andando com mochila nas costas era um alerta. O atentado gerou sua primeira experiência com o luto e provocou sensações nela que poucos de nós conhecemos.

"Quando eu paro [o acompanhamento psicológico], eu sinto a diferença, porque é quando as crises pioram. É quando eu volto a sentir alguns sintomas do início", diz Adna, que continua se consultando com a mesma terapeuta em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) em Suzano.  

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Mesmo com o trauma, Adna concluiu o Ensino Médio na Escola Estadual Raul Brasil
Foto: Arquivo Pessoal

Apoio psicológico

Por parte da escola, Adna acredita que o apoio não foi o suficiente. Ela desabafa que, se tivesse sido acolhida em uma estrutura melhor, provavelmente, boa parte do que ela viveu após o trauma poderia ter sido evitada, tendo uma ressignificação diferente. 

"O primeiro mês teve o acolhimento. Depois, todo mundo da coordenação vivia como se nada tivesse acontecido. E os alunos totalmente devastados. Só na minha sala teve duas perdas. Acho que teve um desfalque ali. Poderia ter sido melhor, tanto que até hoje eu acho que isso é um assunto que deve ser debatido, deve ser acolhido nas escolas", diz. 

Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Educação de São Paulo, após o atentado, foram disponibilizados emergencialmente psicólogos para dar o suporte aos professores e alunos da escola. Não foi informada a quantidade de profissionais, nem por quanto tempo permaneceram na unidade. Segundo a sobrevivente, o apoio seguiu por 30 dias. Mas, por ela estar hospitalizada nesse período, acabou não conseguindo acessar a rede disponibilizada.

Foi no fim de 2019 que uma lei, que tramitava há cerca de 20 anos, foi promulgada e passou a exigir a atuação de psicólogos escolares nas redes públicas de ensino. Em São Paulo, onde aconteceu o ataque de Suzano e outros seis casos, a rede de ensino só passou a contar com um programa de psicólogos escolares em 2020. O Programa Psicólogos da Educação se estabeleceu, de fato, no início de 2021, 18 anos após o primeiro registro de atentado no Estado.

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Lei quase foi vetada; entenda

  • - A Lei nº 13.935, que prevê a prestação de serviços de psicologia e serviço social nas redes públicas de educação básica, foi promulgada em dezembro de 2019.
  • - O projeto havia sido aprovado em setembro pela Câmara dos Deputados. Mas, em outubro, o então presidente Jair Bolsonaro (PL)  vetou integralmente a medida.
  • - Bolsonaro alegou que havia inconstitucionalidade no projeto e contrariedade ao interesse público. O veto dizia que a lei criaria despesas obrigatórias ao Poder Executivo sem ser indicada a respectiva fonte de custeio.
  • - O veto, porém, foi derrubado em novembro pelo Congresso Nacional.
  • - Foi dado o prazo de um ano, a partir de dezembro de 2019, para que as redes públicas de educação básica se alinhassem à medida. Segundo o Conselho Federal de Psicologia, o prazo foi estendido para o final de 2021 por conta da pandemia de Covid-19.
  • - Esse projeto tramitou por cerca de 20 anos antes de ser instituído como lei. O processo foi acompanhado por iniciativas como o Conselho Federal de Psicologia (CFP), a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrape) e a Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (Abep), a Federação Nacional de Psicólogos (Fenapsi).

Quer que história vire livro

Adna diz ser evangélica desde pequena. Na adolescência, estreitou ainda mais os laços com a religiosidade. No dia do atentado, inclusive, ela conta ter sentido "a presença de Deus" enquanto ouvia um louvor na sala de aula.

"Foi muito impactante para mim, deu vontade de chorar e tudo. Passaram alguns minutos e eu li a Bíblia no celular, estava em uma passagem que diz 'Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único filho para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna'. Foi muito bom, mas se resumiu a isso. Depois eu desci para o intervalo e foi quando tudo aconteceu".

Ela conta que foi esse momento de fé que a manteve de pé, deu força e coragem para enfrentar o que veio em seguida. Essa relação com Deus também foi o que a aproximou de Igor Felipe Oliveira, de 21 anos, seu atual noivo e melhor amigo desde a época do Ensino Médio. Felipe não se feriu fisicamente no atentado e, de maneira geral, vê a situação como "uma lembrança normal".

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Adna e Felipe se conheceram na escola e hoje estão noivos
Foto: Arquivo Pessoal

Quando Adna voltou da internação do hospital, o processo de retorno ao convívio escolar foi lento. A cumplicidade de Felipe, quando ainda eram só amigos, foi fundamental. "Ele me visitava e, para me motivar a ir para a aula, ele falava para eu levar o violão. Ele esteve comigo em todo meu processo de volta à escola. A gente tocava e levantava louvores. Esses louvores, que tinham como intuito me acalmar, se tornaram movimentos de oração que envolveram a escola inteira. Aí, eu entendi que não era sobre mim, mas sobre um propósito muito maior", conta Adna.

Esse movimento de oração na escola ressignificou a situação, diz acreditar Adna. Apesar das dificuldades que ela ainda enfrenta, vê que o que se resumia apenas a dor e medo tomou outro caminho, ganhou um propósito maior. Toda essa história, agora a de sua vida, está sendo transposta para um livro, adiantou a jovem ao Terra. "Agora, Deus me deu uma história para contar", disse ela, se referindo ao sonho de escrever um livro que a acompanha desde a infância.

Gatilhos

Entre 2002 e junho de 2023, foram registrados 25 ataques em unidades de ensino brasileiras, segundo o estudo Raio-X de 20 anos de ataques a escolas no Brasil, realizado pelo Instituto Sou da Paz. 

Além de gatilhos que surgem por outras ocorrências, lidar com o "aniversário" do atentado também é difícil. Felipe pensa mais em estar ali para dar suporte a ela do que em suas próprias feridas. "O aniversário a gente passa sempre juntos. Quando está chegando perto do dia, e ela está sentindo bastante, lembrando, eu sempre estou ali para acalmá-la", diz. 

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Ao falar sobre o futuro, o casal afirma querer ter pelo menos dois filhos. Para Adna, porém, já é doloroso pensar em como vai ser a ida dessas crianças para a escola. Mesmo com medo, ela não imagina privá-los do ambiente escolar. "Eu acredito muito que filhos são flechas, e eu acredito que eles vão ser luz onde eles estiverem", afirma.

Fonte: Redação Terra
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