A pandemia escancarou as abissais desigualdades de condições de ensino e aprendizado ofertados à nossa população, deixando expostas as veias abertas de nossa escola pública.
Os mais de 10 meses de afastamento das salas de aula revelam a fundamental importância das interações que se dão nesses espaços para o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens. Mas, infelizmente, o debate sobre a volta às salas de aula tem sido polarizado num abre-ou-não-abre, sem que problemas estruturais enfrentados pelas escolas públicas sejam tratados com mais transparência, diálogo e celeridade. (Nesta sexta-feira, 5, o governo estadual paulista suspendeu a obrigatoriedade de presença dos estudantes nas escolas, públicas ou particulares do Estado, durante a fase amarela do plano de flexibilização da quarentena.)
As escolas foram mesmo preparadas? Dado o histórico, não é de se estranhar que a comunidade escolar duvide.
O debate pedagógico é outro que tem ficado de fora. Não se trata de pretender que o país resolva, em dez meses de pandemia, o que foi construído ou reforçado por séculos de exclusão e descaso. Mas são as atitudes tomadas nos momentos de crise que vão determinar por quantas décadas o problema ainda vai persistir. (No primeiro dia da volta às aulas na rede particular da capital, na segunda-feira, 1, estudantes se viravam para compreender a nova rotina de estudar fora de casa e as regras impostas pelos protocolos.)
Assim, não resta dúvida de que a prioridade deveriam ser os 38,5 milhões de alunos das escolas públicas (81% do total) e mais especificamente os 4,1 milhões que, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), não tiveram acesso a atividades escolares durante a pandemia. Priorizar a escola pública também significaria aumentar a prioridade dos 1,7 milhão de professores e dos demais profissionais do setor na fila da vacinação.
O que não podemos permitir é o duplo abandono de que alunos e professores voltem, em meio a uma pandemia, para enfrentar os mesmos velhos problemas.
Anna Helena Altenfelder é presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). É mestre e doutora em Psicologia da Educação e foi professora, coordenadora pedagógica e formadora de professores.