Após dois ataques sucessivos em escolas, em que uma professora e quatro crianças foram mortas em São Paulo e em Santa Catarina, o Brasil se vê diante da urgência de buscar soluções para lidar com a disseminação do extremismo e as redes online de ódio. Estudos e experiências fora do País podem inspirar soluções.
Apostar só em polícia, câmeras e detectores de metal, dizem especialistas, não resolve. "Traz segurança para a sociedade, mas não muda o que as pessoas sentem nem diminui o discurso de ódio", diz Telma Vinha, que pesquisa violência escolar na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Dentro dos colégios, diz ela, é preciso criar uma nova cultura, com vínculos, atenção à saúde mental, programas de combate ao bullying e valorização de professores. Fora da sala de aula, o desafio é rastrear e frear as ameaças externas à sala de aula, sobretudo na internet.
Uma das iniciativas mais respeitadas no combate ao extremismo online é a Christchurch Call to Action. Criada em 2019, após ataques a duas mesquitas que deixaram 51 mortos na Nova Zelândia, a coalizão reúne 120 países, entre governos, empresas de tecnologia, redes sociais e ONGs.
Executados por um supremacista branco, os ataques a duas mesquitas foram em 15 de março de 2019, na hora das orações, quando os templos estavam lotados. Toda a ação foi transmitida online, por 17 minutos, e compartilhada milhares de vezes, o que estimulou outros assassinos a filmarem crimes e publicarem nas redes.
Iniciativa surgiu dois meses após ataques
Menos de dois meses após a chacina, a então primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, juntamente com o presidente francês Emmanuel Macron, criou a Christchurch Call. Ela falou pessoalmente com vários líderes mundiais e os principais executivos do Facebook, Apple, Microsoft e Twitter. Os participantes se comprometeram a aplicar leis, regulamentos e ações técnicas para reprimir a disseminação de discurso de ódio, terrorismo e violência online.
Entre as medidas, estavam criar um centro unificado de denúncias e acompanhamento de casos e debater protocolos sobre como a mídia noticia ataques. O Estadão decidiu não publicar nome e foto do agressor, além de vídeos dos recentes atentados. A decisão se baseia em estudos que mostram que essa exposição pode motivar um efeito de contágio, uma vez que a visibilidade é buscada pelos autores como um prêmio.
Outra das ações da Christchurch Call foi financiar estudos sobre o funcionamento de algoritmos online. A ideia é reunir informações específicas para formular regulamentos mais eficientes. O grupo incentiva também pesquisas sobre soluções tecnológicas, por exemplo, para o rastrear grupos extremistas online.
"Trata-se de tema complexo. Não é algo que nenhum setor possa tratar isoladamente", disse Jacinda, no lançamento da iniciativa. Após sair do governo, ela assume este mês o posto de enviada especial da Christchuch Call.
O Brasil não integra a coalizão. "Não estamos inseridos nos fóruns globais contra extremismo e terrorismo online", diz a pesquisadora Michele Prado, do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP), que pesquisa as redes de ódio. Procurado pelo Estadão, o Ministério da Justiça não disse se planeja aderir.
Outra referência no assunto é o Global Internet Forum to Counter Terrorism (GIFCT). Criado originalmente por Twitter, Facebook, Microsoft e YouTube, o fórum conta hoje com várias outras plataformas, além de organizações da sociedade civil e governos.
"Se um conteúdo com extremismo violento é postado nos países que fazem parte do GIFCT, automaticamente o banco de hashtags do GIFCT é acionado, as plataformas notificadas e o conteúdo é automaticamente derrubado", afirma Michele.
Ela cita como exemplo o vídeo do massacre em Christchurch, que não circula nesses países. Sempre que alguém tenta postar, as plataformas já derrubam mesmo antes de uma denuncia. "Como o Brasil não está inserido, esse protocolo de segurança não está em ação aqui." Outro desafio é o idioma: o banco de hashtags do GIFCT, por exemplo, usa só palavras-chave em inglês.
Governo anunciou ações
Nesta semana, o governo federal anunciou R$150 milhões para reforçar a patrulha escolar e também a mobilização de policiais para fazer o monitoramento de ameaças online.
Como o Estadão mostrou na semana passada, o Ministério da Justiça mandou aos Estados 134 alertas de atentados em escolas desde 2021, com base em monitoramento feito pelo laboratório de operações cibernéticas da pasta. Outro plano do governo é criar um disque-denúncia específico para estes casos. Um grupo de trabalho também vai propor mais medidas.
Veja iniciativas
Christchurch Call - Em 2019, um ataque terrorista em duas mesquitas em Christchurch, Nova Zelândia, deixou 51 mortos e outros 50 feridos. Em resposta, a então primeira-ministra Jacinda Ardern uniu esforços com o presidente da França, Emmanuel Macron, para lançar a iniciativa Christchurch Call to Action, que envolve um centro unificado de denúncias, estudos sobre algoritmos e discussões sobre como tratar os crimes na mídia.
Global Internet Forum to Counter Terrorism (GIFCT) - Criado originalmente por Twitter, Facebook, Microsoft e YouTube, o GIFCT é um fórum que hoje reúne várias plataformas, além de organizações da sociedade civil e governos. Se um conteúdo extremista é postado nos países que fazem parte do GIFCT, automaticamente o banco de hashtags do fórum é acionado, as plataformas, notificadas e a publicação é retirada do ar.
Colômbia - Em 2013, o país criou centros de convivência escolar, com roteiro de atendimento para casos de violência e um sistema nacional de notificação, prevendo sanções aos infratores. A ideia é ter "mecanismos de prevenção, detecção precoce e denúncias a autoridades", de condutas que ameacem "os direitos humanos, sexuais e reprodutivos dos alunos dentro e fora da escola".
Chile - Criou há quatro anos uma política que defende a "resolução pacífica e negociada de conflitos, sustentada pelo tratamento respeitoso, pela inclusão e pela participação democrática e colaborativa". A lei define responsabilidades de funcionários, diretores, professores e demais agentes pedagógicos na promoção de um ambiente escolar diverso.