Em tempos de crise econômica e austeridade, é ainda mais importante para o Brasil criar um ambiente em que a educação avance e que boas práticas existentes possam ser compartilhadas, diz o especialista britânico David Albury, que participa de projetos educacionais em diferentes partes do país.
Albury é professor visitante de Estudos de Inovação no King's College, em Londres, diretor da Global Education Leaders' Partnership (comunidade de líderes e consultores em educação) e presta consultoria a redes de ensino em 13 países.
Na cidade gaúcha de Viamão (RS), ele participa de um plano na rede municipal a partir da metodologia chamada de problem-based learning (ensino baseado em problemas), em que questões relevantes aos alunos e suas comunidades são o ponto de partida para o aprendizado prático e para a busca de soluções pelos próprios estudantes.
Albury esteve em São Paulo recentemente para participar do seminário "Liderança e Inovação na Educação", da Fundação Santillana. Ele conversou com a BBC Brasil por telefone:
BBC Brasil - Como é o projeto do qual o senhor participa em Viamão (RS)?
David Albury - Pela (metodologia de) "ensino baseado em problemas", os estudantes participam de projetos e os usam para adquirir conhecimento. Os projetos levantam questões (relativas à comunidade), e os estudantes apresentam ao restante da escola o resultado das pesquisas.
Os estudantes ficam realmente motivados e ganham mais aptidão a aprender, pesquisar, desenvolver habilidades.
BBC Brasil - Como melhorar o desempenho dos estudantes brasileiros, atualmente muito mal posicionados em rankings internacionais de educação?
Albury - De fato é um grande problema: como dar a todos os estudantes do país as habilidades e os conhecimentos que eles precisam para serem bem-sucedidos e prosperarem no século 21.
A primeira coisa é dar condições e apoio para que as escolas e professores desenvolvam boas práticas de ensino, usando exemplos do Brasil e de outras partes do mundo.
É preciso fazer com que as escolas trabalhem juntas de modo que sintam que estão colaborando com um ensino do século 21. Se você cria esse ambiente nas instâncias municipais, estaduais e federal, acho que o (cenário do) país é promissor.
Há centenas de exemplos de inovação de grandes escolas, mas é preciso criar as condições para que essas práticas sejam compartilhadas.
BBC Brasil - Que boas práticas viu no país?
Albury - Fiquei impressionado em especial com uma escola de Viamão em que os estudantes, em grupos, estão realizando projetos nas comunidades ao redor (por exemplo, com reciclagem e arte nas aulas). Dá para ver pelo seu envolvimento que eles estão aprendendo a pesquisar e a resolver problemas.
Há outros projetos em andamento pelo país, como o Escola Digital (plataforma gratuita com videoaulas, jogos e outros recursos de apoio à educação), que ajuda muitas escolas no Brasil a desenvolver recursos digitais e usar tecnologia.
BBC Brasil - Como disseminar mais essas práticas? Uma boa escola pode ajudar uma que não vá tão bem?
Albury - Muito do meu trabalho é ajudar grupos (de determinadas escolas) a se juntarem e compartilharem (seu trabalho), reunindo os professores e elaborando workshops que resultem na criação, em conjunto, de práticas de trabalho com os estudantes.
Espero conseguir também trazer processos e redes de contato do redor do mundo para ajudá-los nesse processo colaborativo e a pesquisar com os próprios estudantes o que eles acham relevante em sua educação.
BBC Brasil - O país ainda tem uma enorme desigualdade na educação. Como combater isso?
Albury - Mesmo nas escolas (que trabalham) em circunstâncias muito difíceis, mesmo nas escolas cujas crianças vêm de famílias muito pobres, é possível criar um ambiente fantástico de aprendizado, que envolva o estudante e o permita desenvolver habilidades básicas.
Claro que é algo de longo prazo, mas o que temos de fazer é juntar a energia e paixão dessas escolas e desses professores.
O governo tem o papel de criar condições para que escolas, professores e entidades parceiras possam colaborar e compartilhar o conhecimento, atravessando fronteiras estaduais.
Não é só uma questão de achar projetos (bem-sucedidos), mas conectá-los para que se tornem ações mais poderosas de aprendizagem.
BBC Brasil - Podemos melhorar a educação no atual ambiente de austeridade e cortes de gastos na educação?
Albury - Claro que algumas mudanças são muito mais difíceis de serem feitas quando há grandes cortes. Mas sei, a partir de exemplos ao redor do mundo e até de alguns lugares no Brasil, que se você (valorizar) o trabalho e o comprometimento de professores que querem ter um impacto no ensino dos alunos, é possível fazê-lo mesmo em tempos de austeridade.
Muitos estudos mostram que quando países estão diante de dificuldades econômicas, a principal prioridade deve ser fomentar a capacidade dos jovens para que eles se tornem agentes da economia.
Então, em tempos de dificuldades econômicas, é ainda mais importante criar um ambiente em que a educação possa melhorar.
BBC Brasil - O ensino médio é considerado a etapa mais problemática atualmente e convive com altas taxas de evasão e defasagem.
Albury - Temos de ser honestos: a principal razão pela qual tantos estudantes desistem da escola é que eles simplesmente não acham a educação oferecida relevante para suas vidas.
Muitas vezes não é que o estudante esteja desconectado da escola, mas sim que a escola está desconectada dele.
Isso é abordado no "aprendizado baseado em problemas": criar projetos que despertem o interesse dos jovens, que lhes façam sentir que o aprendizado é realmente relevante para ele e sua comunidade.
Nosso trabalho como educadores e líderes é desenvolver modos que permitam aos estudantes aprender dessas experiências (práticas), focadas em questões que tenham sentido. É assim que você reduz taxas de evasão e aumenta a adesão.
BBC Brasil - O Reino Unido realizou uma reforma educacional alguns anos atrás. Podemos tirar alguma lição dela?
Albury - A primeira lição é: se você liberar o potencial de professores e estudantes para desenvolver boas práticas, ficará surpreso com o poder das inovações que eles produzem.
A segunda é que a reforma focou muito em dar autonomia a cada escola. O que aprendemos desde então é a importância da colaboração, de facilitar que as escolas trabalhem juntas - dar liberdade para as escolas para que elas consigam desenvolver boas práticas mas também apoio com ferramentas, estrutura e condições de compartilhar suas experiências.