Só quem passa horas encarando a tela de um computador em um escritório sabe o que é olhar no relógio e não ver o tempo passar. Nesses momentos, a solução é partir para o bom e velho 'cafézinho' com os parceiros da firma. A não ser que exista uma colega como a Ameinda. Se ousar reclamar do dia duro de trabalho, ela vai dizer que não é nada demais e que já fez o dobro das demandas. A ‘sabe-tudo’ também defende a empresa na primeira oportunidade e, claro, faz questão de mostrar intimidade com a chefia.
Para não ter que lidar com uma colega como ela, só mesmo sendo uma chefe bem poderosa como Sheyla Christina. Com a voz doce e os looks elegantes, ela ‘cospe’ sinceridade em quem quer que seja. A arquiteta renomada é aquela que você não sabe se quer ser igual ou se quer evitá-la a todo custo.
As duas são personagens que mobilizam paixões nas redes sociais. Entre os mais de 2 milhões de seguidores da atriz Jessica Diniz, com certeza há quem se identifique com a Ameinda ou quem a odeie. No perfil, acompanhado por 1,2 milhão de pessoas, Fábio Marx também vê sua criação, Sheyla Christina, se tornar inspiração.
Mas, será que debochar da rotina do escritório e dos personagens conhecidos no mundo corporativo seria uma fórmula para engajar? Ao Terra, Jessica Diniz e Fábio Marx contaram sobre suas inspirações e explicaram o que está por trás dos perfis de Ameinda Of The Silva e Sheyla Christina.
Todo mundo tem um colega ‘Ameinda’
Ameinda é aquela que, assim que abre a boca, todos os funcionários ao redor trocam olhares de reprovação. Ela é o tema preferido nas fofocas da firma e os prints com suas mensagens rolam solto no Whatsapp. Talvez por isso ela faça tanto sucesso na internet.
A personagem criada por Jessica Diniz era só uma forma de debochar desse tipo de personalidade presente no ambiente corporativo, mas fez tanto sucesso que foi contratada para publicidades e ganhou até perfil próprio no Linkedin.
Diferente dela, a própria Jessica nunca gostou muito dessa rotina e sempre fugiu de trabalhar em escritório. Antes de virar criadora de conteúdo na internet, a atriz chegou a fazer figuração na TV e foi promotora de eventos. Porém, a inspiração para criar a personagem veio mesmo da experiência com o atendimento ao público por 10 anos.
“Eu ia bastante para os eventos das empresas e acabei conhecendo diversos perfis, fora os colegas de trabalho, né? Conheci várias 'Ameindas', mas muitas amigas também. É bom lembrar que ela não está só ali no ambiente corporativo, mas em todo lugar”, conta. A personagem só tomou forma na pandemia, quando os eventos presenciais foram suspensos.
Pode parecer ironia, mas Jessica garante que não pensava em criar conteúdo por ser tímida. Assim como a maioria das pessoas, ela gostava apenas de consumir e dar risada dos vídeos de outros criadores no Instagram e no Tiktok. Em um dia de quarentena, despretensiosamente, ela apertou o ‘rec’ e, em seguida, o botão de ‘publicar’. Foi o suficiente para a atriz viralizar e cair nas graças do público.
“Comecei a ganhar seguidores no TikTok e a receber propostas comerciais bem rápido. A partir disso, fiz um Instagram só para postar os vídeos. Na época, eu gravava outro estilo de vídeo. Tudo que eu gostava e achava engraçado, fazia. Hoje, estou mais focada no ambiente corporativo”, relembra.
Desde então, debochar do dia a dia na firma virou negócio e fórmula para manter um bom engajamento. Para Jessica, foi fácil abraçar o tema, já que nunca gostou do ambiente corporativo. “Como CLT, eu fiquei pouquíssimo tempo, porque realmente não funciona comigo. Sei que tem gente que gosta de todo dia fazer a mesma coisa e obedecer pessoas, mas nunca fez sentido para mim”, explica.
A Ameinda surgiu justamente para satirizar esse perfil tão conhecido em uma rotina que faz parte da vida de muita gente. Já o nome foi batizado pelos seguidores. Para fazer a personagem, Jessica carregou no famoso sotaque ‘Faria Limer’ e Amanda virou Ameinda Of The Silva, com direito até a perfil na rede social do papo corporativo: o Linkedin.
Por lá, Ameinda tem mais de 33 mil seguidores e faz publicações irônicas sobre a rotina empresarial. O sucesso na plataforma, para Jessica, não é uma completa surpresa. “Estamos por lá com o perfil ‘sátira’ mas, ao mesmo tempo, o Linkedin já é um monte de personagem escrevendo aqueles textos. As pessoas não agem no dia a dia daquela forma”, argumenta.
A atriz confessa que até tenta deixar os textos mais caricatos para que os usuários não levem a sério. Isso porque já houve quem concordasse e compartilhasse os textos escrachados de Ameinda - sem ironia. No entanto, a maior parte do engajamento vem dos espectadores da websérie que ela fez para a personagem. “As postagens no Linkedin tem a ver com o que está acontecendo na série. Se foi promovida, ela vai lá e posta aquele texto clichê de quem foi promovido e as pessoas acompanham assim”, detalha.
O sucesso de Ameinda, para ela, vem pelo mix de sentimentos que esse perfil desperta no público: “O pessoal tem um caso de amor e ódio”, resume Jessica. “Lógico que é ela bem tóxica, mas as pessoas assistem e se identificam também”, considera a atriz.
Ela explica o ponto de vista: “A 'Ameinda' é ‘ingênua’, né? Puxa o saco do chefe achando que vai ganhar alguma coisa com isso, ama a empresa, coloca a firma em primeiro lugar… E, afinal de contas, quem nunca teve essa ilusão? Em algum momento, pode ser que as pessoas já tenham pensado como ela ou sentem raiva dela”.
Com uma dose generosa de carisma e boas sacadas, Jessica transformou um personagem tão conhecido no cotidiano das empresas em fonte de renda. Apesar de ter outras esquetes em seu perfil nas redes sociais, a atriz admite que quando Ameinda aparece, o engajamento geralmente é alto.
Isso porque, segundo ela, as pessoas se sentem aliviadas em poder fazer ver alguém expressando tudo o que a cartilha da boa convivência nos proíbe no trabalho. “Muita gente comenta que acha os vídeos satisfatórios. É como se você não pudesse falar aquilo, mas assistir o vídeo é como se fosse um alívio”, explica.
O que pegou Jessica de surpresa com a repercussão de Ameinda foram os relatos de relações abusivas de trabalho por parte dos seguidores. “Eu exagero bastante nos vídeos para ficar caricato e quando eu leio os comentários tem gente que passou exatamente aquilo ou coisa pior! Faço achando que é humor, mas quando eu leio os relatos parece que é a realidade de muitos lugares”, destaca.
Além dos duros desabafos, a atriz também se depara com interações saudáveis e até mesmo carinhosas: “Às vezes vejo a pessoa marcando o chefe e escrevendo ‘ainda bem que eu tenho minha chefe maravilhosa’”, compartilha.
Já os ataques virtuais, que poderiam até vir de uma Ameinda da vida real, felizmente não chegam à barra de notificações de Jessica. “De vez em quando, você vê alguém dizendo que não concorda ou acha que eu exagerei no vídeo, mas em relação à hate é muito difícil”, diz.
Dito assim, parece até que o espaço para comentários dos vídeos da personagem virou um fórum em que funcionários trocam experiências abusivas que tiveram com chefes e colegas. No entanto, a atriz ressalta que não levanta bandeira e não acredita que defende uma causa, embora admita contribuir com o tema.
“De certa forma acaba virando causa contra esse ambiente tóxico, mas não sinto que seja. É só um assunto que eu abordei, as pessoas gostaram muito e sempre pedem vídeo com o tema corporativo. Não é ‘causa’ porque eu não consigo falar sério, não gosto de assuntos pesados (...) A 'Ameinda' é um perfil de pessoa que está em todos os lugares”, avalia.
'Miranda Priestly da arquitetura'
Com um corte Chanel impecável e uma camisa de gola rolê, a arquiteta Sheyla Christina aconselha os seguidores: “Não basta ser bonita. Tem que ser inteligente, talentosa e modesta”. O vídeo é só um dos vários gravados por Fábio Marx, um ator e designer que viu a vida mudar quando decidiu criar a personagem em meio à pandemia, assim como Jessica.
Pouco antes da covid-19 forçar uma pausa nos projetos, o cuiabano foi morar sozinho em Curitiba (PR) para tentar fazer seu próprio negócio ‘acontecer’. Assim como Sheyla, Fábio era dono de um escritório de arquitetura, mas arrumava tempo para fazer uns ‘bicos’ como DJ e até em recepção de balada.
“Tinha uma vida muito agitada e, de repente, parou tudo. Foi aí que comecei a buscar formas de me expressar e me comunicar. A Sheyla nasceu a partir da vontade de colocar a minha mente para trabalhar em alguma coisa, nunca foi um objetivo meu transformar isso em um trabalho”, conta.
De brincadeira despretensiosa, Sheyla Christina virou trabalho sério graças ao alcance que tomou. Para Fábio, a excêntrica empresária que caiu no gosto do público herdou o humor de seu criador.
“Eu sou ácido. O meu humor naturalmente já tem essa ironia. Às vezes eu falo uma coisa que deixa todo mundo em silêncio e depois alguém dá aquela risadinha, sabe? É uma forma de rir e ironizar a vida. Não sei fazer outro tipo de humor”, explica o ator.
Tudo na personagem parece ser grandioso. O jeito ‘fino’ da chefe, o marcante nome composto, as maquiagens elaboradas e a risada única são características essenciais de um projeto que nasceu, segundo Fábio, com o objetivo de fazer rir, mas também fazer refletir.
“Eu via denúncias ao ambiente tóxico corporativo e o que pensei na proposta da Sheyla foi ‘eu vivo isso e preciso falar sobre isso’, porque não é possível que só eu passo por essas situações”, argumenta o ator.
Apesar de objetivos diferentes, a fórmula do sucesso da personagem é parecida com a de Ameinda. A equação parece simples e envolve muito carisma e criatividade para tratar de um assunto tão presente no cotidiano e, ao mesmo tempo, tão incômodo. O resultado é um só: identificação imediata com o público. “A pessoa ri, mas se vê ali e quase chora também”, defende.
O público se aproxima da figura de Sheyla de diferentes formas, considera o criador. Enquanto a personagem de Jessica Diniz é aquela puxa-saco da chefia, a arquiteta criada por Fábio é a própria chefe. Por isso, mais que identificação, alguns seguidores alçam a empresária ao patamar de inspiração.
“Temos o caso da pessoa que já passou por isso e que realmente teve uma chefe assim, também tem a pessoa que é a própria Sheyla e elas me amam, me falam ‘eu faço exatamente isso, será que é engraçado? Será que eu continuo?’ E tem as que querem ser igual”, explica Fábio sobre o perfil de público que o acompanha.
Sheyla é do tipo que divide opiniões: existem as que querem acabar com ela e as que querem ser como ela. Essa é uma reação comum a personagens que evocam o poder, a elegância, e certo toque de toxicidade.
Quem já assistiu o clássico O Diabo Veste Prada, de 2006, pensa logo em Miranda Priestly, a inescrupulosa editora-chefe de uma revista de moda em Nova York. Ela é declaradamente carrasca, tóxica e difícil de lidar, mas é daqueles personagens magnéticos que confundem o sentimento do espectador.
O filme é uma das muitas referências de Fábio para a construção de Sheyla. Ele conta que assiste o longa-metragem quase todo mês, para se inspirar em criar novos vídeos. No entanto, o ator admite tomar cuidado para que as pessoas não romantizem a personagem.
“Muita gente acha engraçado porque quer ser daquele jeito. Então, eu tento satirizar mais ainda e deixar mais claro que aquilo não é legal, que é para ser uma crítica”, afirma.
Do mesmo jeito que recebe mensagens de pessoas que se inspiram em Sheyla, Fábio também lê diversos relatos dos seguidores sobre relações abusivas de trabalho. Alguns, em especial, chamaram atenção do criador: “Existem muitos relatos iguais, mas também recebo muitos casos de xenofobia. Pessoas que vão de outro lugar para São Paulo e a chefe pega no pé por causa do sotaque, pelo tempero da comida que leva… Isso sempre me faz perder um pouco de esperança na humanidade”, conta.
Além da icônica Miranda interpretada por Meryl Streep, Fábio também se inspirou em nomes do humor como Jorge Lafond e na própria mãe para criar a drag queen arquiteta, mas sempre se preocupou em não satirizar a imagem feminina.
“O objetivo dela não é e nunca será tornar o feminino algo ridículo, muito pelo contrário. Eu, inclusive, acho um pouco estúpido humoristas que acham que só são engraçados porque colocar uma peruca ou um pano na cabeça”, explica.
Com a voz doce que contrasta com críticas sociais tão duras, Sheyla Christina é um fenômeno reconhecido até mesmo internacionalmente. Com a personagem, Fábio Marx foi indicado ao People's Choice Awards 2023, uma importante premiação que acontece nos Estados Unidos. A drag queen também virou colunista na revista Haus, que pauta arquitetura e decoração.
Para o futuro de Sheyla, Fábio aposta na constante atualização e reinvenção. “Eu cansei de homenagear pessoas que me fizeram mal. Claro que ela nunca vai deixar de fazer humor com a sátira, com o deboche. Isso é uma forma de falar as verdades de forma leve. Mas tenho tentado mostrar esse lado mais vulnerável dela, porque é o que o ser humano é. A gente passa por altos e baixos e ser vulnerável também é uma forma de identificação”, pontua.