CLT não prevê a presença de filhos no local de trabalho, exceto para mães em período de amamentação. Para especialista, a legislação trabalhista é tímida em relação à proteção dos filhos.
Conciliar a vida profissional e a parentalidade pode ser desafiador, especialmente para pais e mães que trabalham presencialmente e nem sempre têm com quem deixar as crianças. Com isso, uma dúvida bastante comum é se, em situações como esta, há previsão legal para levar crianças para ambientes de trabalho.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não possui um artigo específico para tratar da presença de filhos no local de trabalho, a não ser para mães em período de amamentação. É o que explica o advogado especialista em direito do trabalho Marcelo Martins.
Ao Terra, ele afirma que, apesar da falta de proibição ou de autorização, o bom senso e a comunicação entre empresa e funcionários precisam prevalecer.
"A presença de crianças no ambiente de trabalho deve ser tratada com cuidado e sempre sob acordo entre as partes envolvidas. Isso ajuda a evitar mal-entendidos e possíveis problemas legais", pondera o advogado membro da Comissão de Advocacia Trabalhista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seção São Paulo.
Para Martins, é preciso avaliar as condições as quais a criança seria submetida: no caso de uma metalurgia, por exemplo, o ambiente poderá ser incompatível com a presença dos filhos. Escritórios, no entanto, podem não representar riscos.
Pensando nas particularidades de cada categoria, ele acredita que mais discussões entre sindicatos de classe, que conhecem a natureza da atividade dos seus representados, sejam uma alternativa mais rápida a alterações na legislação. Ainda assim, ele defende que, quando não houver risco, empresas incentivem seus funcionários a trabalhar mais próximos de seus filhos, seja no modelo de home office, seja levando crianças ao escritório.
"Um pai ou uma mãe que percebem que seu filho está próximo de si com certeza vai produzir muito melhor do que aquele pai ou aquela mãe que deixou o filho em casa, com a sogra, com um parente ou com uma cuidadora. E é incrível que isso não tenha sido observado, quer pelo setor patronal, quer pelo setor de empregados. Um trabalhador que sabe que seu filho está em segurança vai produzir muito mais. E não é um investimento grande (para a empresa), é um custo suportável", afirma.
Martins cita o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como argumento bússola para defender mais proximidade de funcionários e filhos, caso o ambiente de trabalho não ofereça riscos a crianças.
"Nós temos uma constituição que privilegia a família, inclusive como norma pétrea, que privilegia a propriedade privada, que é onde surge a empresa, e que tem o Estatuto da Criança Adolescente que é, inclusive, copiado por diversos países democráticos. Mas tem uma legislação trabalhista tão tímida em relação à proteção do filho do trabalhador", continua.
Para mães que amamentam, há lei própria
No caso de mulheres que ainda estão em período de amamentação, há um artigo da CLT que as ampara, o 389. Nele, fica estabelecido que empresas com mais de 30 empregadas de mais de 16 anos deverão oferecer espaço reservado para amamentação, com adaptação para promover o conforto da mãe e da criança.
A alternativa é que empresa forme convênios com creches ou forneça reembolso de mensalidades pagas em instituições particulares.
Não pude levar o filho para o trabalho e faltei. Posso sofrer punição?
Ainda que Martins elogie o amparo para mães que estão amamentando, ele critica o que considera uma falta de preocupação com "situações de crianças que precisam de cuidados constantes: crianças com limitação física ou intelectual, autismo, síndromes de diversos tipos, que obrigam, de fato, que a mãe ou o pai tenham que se dedicar, com um tempo bastante elástico para essa criança".
É comum que faltas ocorram em empresas que não permitam crianças no ambiente de trabalho. O artigo 473, da CLT, trata de ausências justificadas e estabelece que o empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário uma vez no ano, para acompanhar o filho de até seis ano em consulta médica. Martins pensa ser insuficiente e que, quando a lei foi editada, vivia-se num "mundo paralelo".
"Não pode haver também um extremo da empresa em aplicar uma justa causa sobre um trabalhador que foi levar os filhos em médicos", aponta. O advogado alerta que tribunais costumam ficar ao lado do trabalhador, nestes casos. "Nesse aspecto, quando a ausência se deu por necessidade de levar filho ao médico, os tribunais são quase que pacíficos de entender que não se deve aplicar a justa causa. Não impedem a empresa de demitir aquele funcionário, mas pagando-lhe todos os direitos", afirma.
"Muitos e muitos pais, eu já tive diversos casos concretos, abandonam a profissão para poder acolher os filhos e, lamentavelmente, alguns abandonam os filhos para poderem trabalhar. Eu diria, com bastante tranquilidade, que a legislação é vergonhosa nesse aspecto", conclui.