Em meio à rotina intensa de trabalho, projeto defende conscientização para retomada do bem-estar

Jornalista fundou Desacelera SP para ajudar pessoas e empresas a saírem do “automático”

26 jun 2024 - 05h00
Michelle Prazeres é fundadora do Desacelera SP
Michelle Prazeres é fundadora do Desacelera SP
Foto: Reprodução/Instagram/Michelle Prazeres

A agitada rotina da maior cidade da América Latina levou a jornalista Michelle Prazeres a criar o projeto Desacelera SP. Mudanças de estilo de vida e uma nova maneira de lidar com o tempo são exemplos de medidas que a fundadora da plataforma busca compartilhar para que as pessoas saiam do “automático” e reencontrem o bem-estar. 

Em conversa com o Terra, a comunicadora falou sobre problemas, soluções e explicou a maneira com que a iniciativa lida com o mundo profissional e pessoal. Para ela, a aceleração das grandes cidades é uma questão coletiva, e não individual

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“Comecei a entender que a aceleração não é só uma percepção das pessoas individualmente. Ela é uma condição coletiva. Quando você vive numa cultura acelerada, você tende a responder a essa aceleração, porque você está no automático”, contou Prazeres.

Por isso, segundo a jornalista, apenas medidas como terapia, skin care e meditação não são suficientes. Essas ações devem ser tomadas junto às iniciativas e mudanças de pensamentos comuns, como na maneira em que a sociedade vê o tempo.

“A cultura da competitividade, da produtividade, do ponto de vista societário, são grandes problemas. [...] O discurso vigente faz a gente pensar nas soluções também no nível individual, que é a pessoa se cuidar, fazer skin care, meditação… tudo isso é muito importante. Fazer terapia. E seria muito importante que tivesse acesso para todo mundo. Mas, quando a gente prescreve isso, sem cuidar do organizacional, do interpessoal e do social, a gente está sendo mais violento com quem não pode”, explicou.

Ao apontar problemas e soluções, a jornalista reforça que é importante o descanso ser feito com pensamento no bem-estar, e não apenas como uma forma de retomar a produtividade.

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“E a gente não precisa pausar para ser mais produtivo depois, a gente precisa pausar porque a gente é ser humano”, contou Prazeres.

Início do Desacelera SP

O pontapé inicial para a idealização do Desacelera SP surgiu com a gravidez de Prazeres. Na época, a jornalista dedicava seu tempo a três empregos, estudos e às pesquisas. Com a exaustão da rotina e a vontade de passar pela gestação sem empecilhos e com segurança, ela decidiu que era possível “viver com o suficiente” 

“A gente começou o Desacelera SP com um guia para as pessoas desacelerarem na cidade, de 2015 para 2016. E aí, isso foi muito biográfico, a partir de um momento da vida que eu estava atravessando e eu pensei, bom, eu sou nordestina em São Paulo, sempre estranhei a pressa do São Paulo. E falei: ‘Pode ter outras pessoas que, assim como eu, estranham a aceleração dessa cidade. E aí, eu criei um guia para as pessoas desacelerarem aqui”, começou a contar a fundadora do projeto.

Prazeres, no entanto, ouviu de algumas pessoas que não era possível alcançar a desejada desaceleração em uma cidade como São Paulo. A jornalista, então, refletiu a situação e entendeu que parte do discurso de bem-estar brasileiro estava sendo importado de países com realidades distintas.

“As pessoas falavam que não conseguiam desacelerar numa cidade que não nos autoriza a desacelerar. E aí, eu comecei a entender que tinham aspectos relacionados ao bem-estar, ao cuidado à saúde mental e ao desacelerar que estavam relacionados a um discurso que vem de um outro lugar. Toda noção de bem-estar, cuidado e saúde mental que a gente tem é importada dos Estados Unidos e da Europa, que são contextos onde não existe a desigualdade que existe aqui no Brasil”, relembrou.

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No começo da iniciativa, Prazeres visitava locais de trabalho e estudo para compartilhar suas ideias para a desaceleração. Um dos pontos importantes para o desenvolvimento do projeto, porém, foi a realização do Dia Sem Pressa, que reuniu mais de 1,5 mil pessoas em 2018. Poucos anos depois, em 2023, o projeto cresceu e foi inaugurado o Instituto Desacelera SP.

Todo esse processo, porém, foi feito com desconfiança e julgamento de terceiros: “Com a minha pesquisa, enfrentei até um certo preconceito, sabe, num país como o Brasil, em que ser devagar é visto como preguiçoso. E aí eu tenho que ficar explicando: ‘Ó, não é sobre ser devagar’. É porque o mundo está tão exacerbadamente acelerado que tem que ter alguém para dizer: ‘Gente, espera, isso daqui é urgente mesmo? Tem que ser agora?”.

Aceleração como questão coletiva

Com os primeiros passos do projeto, a jornalista passou a entender a correria de São Paulo como uma questão além da individual. Para ela, as pessoas vivem de maneira acelerada como uma resposta automática à aceleração das organizações, cidades e empresas.

“Comecei a entender que a aceleração não é só uma percepção das pessoas, individualmente. Ela é uma condição coletiva, então, não é só que eu tô me sentindo acelerada, né? Quando você vive numa cultura acelerada, você tende a responder a essa aceleração, porque você está no automático, e aí a gente deixa de pensar quando, de fato, a velocidade faz sentido, e quando ela não faz”, explicou ela.

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Na visão da jornalista, essa aceleração precisa ser contida pelo bem-estar das pessoas. Segundo Prazeres, a maneira como a sociedade enxerga o tempo é um dos problemas da rotina.

A sensação que eu tenho é de que o que é realmente urgente é a gente parar. A gente tá fazendo de conta que as pessoas não estão adoecendo. Essa ideia eu acho um grande problema do ponto de vista societário, e a gente tem outros paradigmas para se inspirar, né? Os paradigmas dos povos tradicionais, dos povos indígenas, dos povos africanos, que se relacionam com o tempo e com a natureza de outro jeito, e a gente considera que só existe um modo de viver, que é esse modo ocidental que a gente aprendeu, e que traz um modo de se relacionar com o tempo, que é como se ele fosse um recurso. Então, eu acho que a cultura da competitividade, a cultura da produtividade, do ponto de vista societário, também são grandes problemas”, refletiu a comunicadora.

Como diminuir o ritmo?

Prazeres sabe que não é uma tarefa fácil ajudar as pessoas a mudarem a maneira como se relacionam com a produtividade e descanso. Mesmo assim, ela segue firme com o trabalho de conscientização.

Mesmo que discorde disso, ela explica que a produtividade também melhora quando os profissionais estão mais motivados e, claro, descansados: “Eu considero um paradoxo. Não acho que a gente tem que cuidar da desaceleração para sermos mais produtivos, mas é inevitável a gente ter que lidar com esse paradoxo. Tem um monte de pesquisas mostrando essa história de que, quando as pessoas são mais cuidadas, quando a gente faz mais pausas, quando elas sentem que elas são olhadas e escutadas nos ambientes de trabalho, esses ambientes de trabalho ficam mais produtivos”.

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Mais do que o horário da jornada de trabalho, Prazeres vê o tempo dedicado para assuntos relacionados ao profissional e locomoção ao local, por exemplo, como pontos a serem discutidos.

Embora ainda seja algo em fase de testes, ela citou o projeto Four Day Week, que visa reduzir a jornada para quatro dias semanais, e comentou a relação do descanso com o respeito e diminuição da carga horária.

“Essa história da jornada de trabalho é um baita de um enigma. O Four Day Week é um movimento que está tentando experimentar algumas saídas possíveis em relação à redução da jornada de trabalho, que é aplicada a alguns contextos específicos, né, então, acho que valeria uma pesquisa à parte. Sem dúvida, a agenda da desaceleração toca a agenda do trabalho nesse lugar do respeito à jornada e à redução da jornada. O que a tecnologia faz é quebrar a borda entre o horário de trabalho e o horário da vida. Então, quando a gente, especialmente, experimenta trabalhos que têm essa camada de tecnologia, a gente tende a não respeitar esses limites de horário de jornada, então, acho que é uma pesquisa na paralela”, falou a jornalista. 

Para conscientizar a desaceleração, o projeto de Prazeres também atua diretamente com empresas. De acordo com a fundadora, o trabalho é feito desde funcionários até lideranças do local.

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“O que a gente faz são atividades de convivência, experiência e consciência dentro das empresas que querem começar a construir mudanças culturais. Vamos às empresas, conversamos com as pessoas e, eventualmente, trabalhamos com lideranças, para que essas lideranças se sensibilizem e para que as transformações culturais possam acontecer. A gente realiza desde, pontualmente, uma palestra até um workshop, uma consultoria. A partir disso a gente constrói soluções de cuidado, bem-estar e saúde mental apropriadas para aquele contexto, e na paralela, a gente faz um trabalho formativo de conscientização das lideranças para que as pessoas possam ser autorizadas a desfrutar disso que agora existe lá”, completou.

Fonte: Redação Terra
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