Imagine a seguinte situação: você conheceu uma pessoa, saiu com ela, está conversando por aplicativos de mensagens por vários dias, semanas ou até por meses, mas, de repente, ela encerra qualquer tipo de contato, sem a menor explicação. Você tenta enviar mais uma, duas, três mensagens, mas não obtém sucesso. Provavelmente você já passou por isso, não é mesmo? Esse tipo de comportamento tem nome: é o ghosting, palavra derivada de ghost, que em português significa fantasma. Essa atitude é muito comum em relacionamentos amorosos, e também tem chegado no mundo corporativo.
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No ambiente de trabalho, por exemplo, o funcionário tenta por várias vezes conversar com o chefe em busca de um feedback e não tem retorno. Em muitas situações, ele quer apenas uma orientação simples, mas não consegue nada. Ou, em outros casos, o trabalhador precisa ter uma conversa desagradável com o gestor e, em vez disso, opta por 'sumir', praticando o famoso ghosting.
Esse tipo de comportamento no ambiente corporativo pode até parecer novo para muitas pessoas e, às vezes, até vinculado à geração Z. Mas, segundo especialistas em recursos humanos e mercado de trabalho, essa prática sempre existiu. A diferença é que, agora, isso foi nomeado, se popularizou ao longo dos anos e tem sido mais comentado, principalmente, com as redes sociais.
"Isso sempre esteve presente. Porém, os funcionários contam muito mais agora, as pessoas publicam. Antes, o modelo que existia de trabalho hierárquico era muito robusto e isso causava medo nas pessoas de falarem suas angústias. Hoje, eu acho que a gente tem um momento muito mais democrático de relação, com todos os meios que a gente tem, que fortalece e permite as pessoas falarem o que elas sentem. E essa prática está muito mais em evidência, não porque ela acontece mais, mas porque as pessoas estão falando mais", explica Luciano Cacace, head Brasil da Networkme, startup que conecta Ensino Superior e Mercado de Trabalho.
Assim como nas relações pessoais, o ghosting é muito prejudicial para o trabalho e pode trazer várias consequências a longo prazo, como a desmotivação de quem está sofrendo esse tipo de comportamento -- seja o chefe ou o funcionário -- e a falta de engajamento nas funções desempenhadas. E mais além: pode ser um problema futuro em outros trabalhos, uma vez que as pessoas não costumam guardar boas lembranças de quem 'some' sem dar uma explicação ou se despedir.
"Essa prática é muito ruim, porque faz com que a pessoa não se sinta pertencente àquele ambiente e isso começa a incomodar. Você começa a pensar: 'Eu não consigo ser ouvido, não consigo falar com meu chefe, os funcionários não conversam comigo, o que é isso? Estou sendo invisível aqui'. E isso gera realmente desengajamento em todos", afirma Cacace.
Renan Conde, CEO da Factorial, sistema de gestão de RH que está em mais de 12 mil organizações em 95 países, também pontua que o ghosting faz a empresa perder talentos.
"De repente, a pessoa está ali num momento que está sumida, mas ela é supertalentosa, ela não foi desenvolvida, o gestor deixou de desenvolver e tem um talento por trás ali. A empresa perde. É ruim para a empresa, que deixa de enxergar o talento, e é ruim para o colaborador, que deixa de ser desenvolvido. E também quando o projeto já não faz mais sentido para ele, ele deixa de buscar projetos que possam fazer sentido", acrescenta.
Por que o ghosting é praticado?
De acordo com os especialistas ouvidos pelo Terra, vários motivos podem levar a esse tipo de comportamento no universo corporativo. Um deles é o individualismo. Consequentemente, o gestor dá menos atenção ao colaborador ou ao novo funcionário.
"O ambiente de trabalho está cada vez mais competitivo. Com isso, a galera tem pensado: 'Deixa eu cuidar do meu'. Quando você olha as práticas de remuneração variável, as práticas de superbônus, por exemplo, estão muito relacionadas às metas individuais, menos coletivas. O resultado disso é as pessoas pensarem muito no seu e menos no coletivo", analisa Cacace.
"Desenvolver as pessoas, dar uma atenção, ser disciplinado como líder, é difícil, dá trabalho mesmo, exige muito. Não é fácil você dar atenção de maneira disciplinada para um funcionário novo ou para quem está precisando, mas você precisa ter um senso coletivo maior que te mobilize para isso", alerta ainda o head da Networkme.
Conde também destaca outros fatores: a desmotivação do colaborador; o desejo de crescimento muito rápido do funcionário, que, frustrado, acaba ficando menos visível possível; e gestor que se dedica mais aos funcionários com quem se identifica.
"Do lado do gestor, eu acho que quando ele vê essa perda de interesse ou não se identifica, isso é muito frequente. Às vezes, o gestor tem uma equipe que performa muito bem e tem uma pessoa que destoa. Então, ele acaba não focando naquela outra pessoa. Ou ele é uma liderança jovem e está gerenciando alguém que tem uma posição sênior. Essa pessoa sênior tem muitos apontamentos a fazer sobre essa liderança que é nova. Em vez dessa pessoa acatar todo esse feedback, ela se distancia e faz o ghosting com o colaborador", exemplifica.
E como quebrar esse ciclo de comportamento?
Antes de tomar qualquer atitude, primeiro é importante se atentar a sinais para entender se realmente está passando por um ghosting no ambiente de trabalho. Cacace lista comportamentos que o funcionário pode observar:
- Não participa de algumas ocasiões oficiais;
- Não é chamado em reuniões ou almoço de time;
- Se o chefe deixou de falar com você de maneira mais rotineira, como era antes;
- Se tenta falar com o chefe e ele não responde;
- Se não está participando mais com opinião em e-mai ou em grupos de WhatsApp.
Se você identificar esses sinais na sua realidade, o ponto-chave para resolver a situação é o diálogo entre chefe e funcionário, afirmam os especialistas. E a orientação é chamar, de forma oficial, o seu chefe para uma conversa. Em último caso, se um diálogo não for realizado, existe a possibilidade de procurar o RH da empresa e explicar o que está acontecendo.
"Seja um protagonista. Marque a reunião com o chefe e vá para a conversa de maneira estruturada. Traga os fatos e queira entender o que está acontecendo: se existe algum problema na empresa, se a área está passando por uma dificuldade. Traga isso como uma forma realmente madura", diz Cacace.
Conde segue a mesma linha de orientação para marcar uma reunião e sugere ainda levar ideias de como você pode contribuir e atuar na empresa para estabelecer um acompanhamento mais próximo.
"Talvez seja uma relação que está se desgastando, mas também pode ser uma falta de comunicação. É preciso pontuar. Acho que é interessante ter um espaço de one-on-one [conversa entre líder e liderado], onde você pode mostrar onde quer chegar com a sua carreira, qual é o seu propósito ali, apresentar quais são suas ideias de projetos, por exemplo", afirma.
"Acho que é natural, tanto nas relações profissionais, quanto nas relações pessoais, que em algum momento haja algum desgaste, algum conflito. Mas a gente retorna a essa relação sempre com base na comunicação", completa o profissional.
Além disso, os gestores ressaltam a importância de acompanhar o desenvolvimento da equipe. "Saber esse termômetro de como está lidando com cada um do seu time é importante para isso não passar despercebido", diz Conde, da Factorial.
"O chefe tem que ter, primeiro, a consciência que ele é um líder. E, como líder, ele tem que dar atenção para todo mundo que está com ele. Olhar para a agenda e ver se tem reuniões one-to-one com todos do time. Então, é preciso ser disciplinado com a agenda. O que pode acontecer, em algum momento, é você dar mais atenção para um do que para o outro por conta da necessidade. Não tem problema, mas seja transparente. Sem deixar isso subliminar e de maneira obscura, fica tudo resolvido, porque o problema do ghosting é deixar o outro sem informação, e isso alimenta a insegurança", destaca ainda Cacace.