O modelo híbrido de trabalho, que mescla o home office com atividades presenciais, é considerado ideal por empresas e profissionais no pós-pandemia. Esse jeito de funcionar já foi apontado como uma tendência para o futuro e isso fez com que 39% dos colaboradores planejassem se mudar de cidade ou país devido à flexibilidade de atuar à distância. Outros dizem que já pensaram nessa possibilidade, mas ou são impedidos pela pandemia (18%) ou a empresa não aprova (13%). Os dados fazem parte do relatório Demanda por talentos no cenário atual, divulgado recentemente pela Robert Half.
Das vagas trabalhadas pela consultoria de recrutamento entre abril e dezembro de 2020, 80% foram para vagas 75% ou 100% remotas. No ano anterior, apenas 5% tinham essa característica. Esse modelo traz desafios, como equilibrar vida pessoal e profissional - no caso do colaborador - e monitorar jornada de trabalho e descanso - no caso das companhias. Mas, atuando para ajustar esses pontos, os benefícios podem compensar: para a empresa, redução de custos com escritórios ou imóveis, agilidade e produtividade dos negócios; aos trabalhadores, mais flexibilidades e conforto para se candidatar a vagas fora de sua cidade ou país.
Luiza Mimura, de 30 anos, é especialista de produtos da Eppendorf e não pensou em se mudar, mas o cenário contribuiu para que ela seguisse morando em São Manuel, interior de São Paulo, e fosse contratada, em meio à pandemia, para atuar na filial da empresa na capital paulista. O trabalho dela exige visitas a clientes, por exemplo, e ela já tinha previsão de se instalar na metrópole, mas a crise sanitária propôs outro plano. Se tivesse de se deslocar diariamente, gastaria cerca de seis horas - ida e volta - para percorrer os cerca de 250 quilômetros que separam a casa dela do escritório, além de pagar pedágios.
Ela se candidatou para a vaga dentro do departamento de marketing antes da pandemia, mas todo o processo seletivo foi online, já com o isolamento social determinado. "Isso se desenvolveu naturalmente, a gente foi se adaptando. Não tenho perspectiva de mudar para São Paulo, como meu cargo exigiria, mas isso não me traz insegurança de forma alguma. No interior, tenho qualidade de vida diferente", conta.
O teletrabalho era algo que nem passava pela cabeça de Luiza ao dar um passo na carreira, mas agora ela entende que esse requisito precisa ser levado em consideração. "Acho importante para a carreira buscar uma empresa que deixe aberto para o funcionário a possibilidade de fazer uma parte de teletrabalho e outra na empresa. Quero uma empresa aberta a discutir isso", afirma. E para quem consegue fazer gerenciamento de tempo, ela avalia que o home office - de onde quer que ele seja feito - permite uma maior presença das pessoas com suas famílias, principalmente de mães com filhos.
Profissionais querem possibilidades
Segundo o relatório da Robert Half, um em cada dois profissionais que avaliam uma mudança de emprego afirma que só aceitaria uma proposta que não oferecesse trabalho remoto se não houvesse outra opção. Para 70% dos trabalhadores, o modelo ideal de trabalho seria poder escolher entre manter o home office e voltar ao escritório. Para os brasileiros, 65% apontam o modelo flexível como a melhor saída para aliviar o peso da jornada de trabalho.
No entanto, a expectativa de ficar somente em casa não agrada completamente, porque somente 19% de todos os entrevistados gostariam de trabalhar a semana toda em casa. A maioria (39%) optaria pelo home office em um ou dois dias semanalmente. Luiza Mimura fala que, nesse contexto, o convívio social faz falta. "Sinto muita falta, gosto de estar no escritório, tomar um café com os colegas, sinto falta de fazer visitas."
Na pesquisa, que contou com informações de 1,5 mil executivos da Alemanha, Bélgica, Brasil, França e Reino Unido, 95% deles acreditam que as equipes híbridas se tornarão cada vez mais comuns no cenário do emprego. Ao compreender esse fenômeno, 84% permitiram que os funcionários se mudassem enquanto trabalhavam remotamente. Por causa dessa mudança, as organizações implementaram políticas de trabalho remoto, ajustaram horas, salários e processos, além de redesenharem funções.
"A força de trabalho 'anywhere' [de qualquer lugar] chegou definitivamente para ficar. A adoção de uma mentalidade flexível será essencial para organizações e profissionais que queiram prosperar em um ambiente de negócios altamente dinâmico", afirma Fernando Mantovani, diretor geral da Robert Half.
Na Eppendorf, multinacional alemã especializada em biotecnologia, o teletrabalho foi adotado de forma permanente para 85% dos colaboradores desde dezembro de 2020. No início da pandemia, a empresa decidiu colocar todos em home office, exceto quem é do departamento de assistência técnica, que precisava fazer visitas presenciais. Depois de perceber benefícios e no intuito de já colocar em prática o projeto de trabalho à distância, a organização fez uma consulta jurídica para rever os contratos e identificou que a maioria era elegível ao formato.
"Estávamos com alguns projetos de implantação dentro da empresa, como um e-commerce junto com a matriz na Alemanha, e conseguimos implementar com um mês de antecedência. Houve aumento da demanda e crescemos 60% no ano passado, até por conta dos produtos ligados ao teste de covid-19 que desenvolvemos, e não houve necessidade de novas contratações", explica Ana Paula Aukar, diretora de operações da empresa no Brasil e América Latina.
Do ponto de vista legal, ela afirma que monitorar horas trabalhadas é um processo complicado para todas as empresas, mas o teletrabalho não é baseado nelas, mas sim em atividades e entregas. "O funcionário seguia muito pelo descritivo do cargo. Revisamos todos esses descritivos, e os gerentes de área repassaram com os colaboradores." O horário de trabalho também foi alinhado entre as partes de acordo com a necessidade de cada área de atuação. Mas quem faz parte dos 85% em teletrabalho também tem a possibilidade de atuar dentro da empresa, em São Paulo, se precisar.
Quanto à vida pessoal, Ana Paula observou que eliminar o tempo de deslocamento entre casa e escritório fez com que os funcionários aderissem mais à prática de exercícios físicos. "Em conversas virtuais, começamos a identificar pessoas com diminuição do colesterol e aumento da qualidade de vida." Outro indicador para ela é a maior frequência dos colaboradores nas aulas de inglês e espanhol oferecidas pela empresa. Os custos da organização também diminuíram, principalmente com água, energia elétrica e consumo de papel.
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