'Maldição dos 35': preconceito chinês com idade também é realidade no Brasil?

Muitos chineses temem perder os seus empregos ou tentar uma recolocação profissional depois dos 35 anos; discriminação tem nome: etarismo

7 jun 2024 - 05h00
Da China ao Brasil, como o etarismo afeta a sociedade e o mercado de trabalho
Da China ao Brasil, como o etarismo afeta a sociedade e o mercado de trabalho
Foto: Getty Images

Muitos trabalhadores chineses temem o aniversário de 35 anos. O motivo está nas demissões e na redução da oferta de empregos já que as empresas, em especial as do setor de tecnologia, preferem contratar jovens da geração Z. Os motivos alegados vão desde a familiaridade com os recentes desenvolvimentos tecnológicos à suposta maior disposição dos jovens para se dedicar ao trabalho.

O fenômeno foi descrito como "Maldição dos 35", e, com o envelhecimento da população, muitos chineses temem perder os seus empregos ou tentar uma recolocação profissional depois desta idade. Este preconceito muitas vezes já começa na seleção.

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Segundo a Reuters, um estudo da Universidade de Sichuan analisou 300 mil anúncios de vagas da cidade de Xangai, mais populosa do país asiático, e descobriu que ao menos 80% deles pediam candidatos com menos de 35.  

Se na China as grandes empresas optam por empregar pessoas mais jovens, em um movimento preconceituoso contra a força de trabalho composta por adultos mais velhos, no Brasil, a idade média da população ocupada vem aumentado e está cada vez mais próxima dos 40 anos, conforme o levantamento realizado pela consultoria LCA, em 2023.

Ainda assim, os mais jovens e os adultos em idade mais avançada também sofrem para encontrar postos de trabalho. Essa discriminação tem nome: etarismo.

Etarismo não é só papo de 'antigo' 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o etarismo ou idadismo como o ato de "categorizar e dividir as pessoas por atributos que causam danos, desvantagens ou injustiças, e minam a solidariedade intergeracional”. As consequências inclluem insegurança financeira, diminuição da qualidade de vida e até o aumento de doenças, como a depressão. 

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"No Brasil, os idosos hoje correspondem a cerca de 15% da população. Mas, apesar das estatísticas de aumento da longevidade, os profissionais 50+ ainda enfrentam desafios no mercado de trabalho, que chegam, muitas vezes, junto de apontamentos sobre como eles deveriam agir ou se portar em circunstâncias profissionais. Esses impactos podem ser ainda maiores quando analisados pelo recorte de gênero e raça", analisa Cristina Varella Amorim, CHRO da Adeste e especialista em recursos humanos pelo Insper.

Dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam o envelhecimento acelerado da população brasileira. A idade média dos brasileiros saltou de 29 anos, em 2010, para 35 em 2022. Assim, o Brasil deixa de ser uma nação de jovens e se prepara para ser um país de idosos, tornando a longevidade um assunto urgente também na esfera pública.

Na avaliação de Luciana Silva Corrêa, professora, pesquisadora e especialista em Gestão de Comunicação, faltam políticas públicas de inclusão e adaptação das pessoas a esse novo momento. Por outro lado, Cristina destaca que, apesar de tímido, já existe um movimento em grandes companhias, para tentar mitigar o etarismo no espaço corporativo.

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A iniciativa, que responde ao pilar 'S' das práticas de ESG (políticas relacionadas a questões ambientais, sociais e de governança), inclui: criação de programas focados para a contratação e capacitação de profissionais 50+, e reconhecimento das capacidades e do potencial dos candidatos, sem levar em conta sua idade, entre outros. As especialistas concordam, no entanto, que há poucas ações estruturadas para combater o preconceito por idade.

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"Apesar de os três aspectos do ESG serem muito relevantes, não há a questão do etarismo. Não há o mesmo espaço para a discussão sobre a longevidade. Se tudo der certo, não importa o seu gênero, identidade sexual, orientação sexual, se tudo der certo, a gente vai ficar velho, porque a alternativa a ficar velho é morrer, então, há uma transversalidade neste ponto", acrescenta Luciana.

Equipe intergeracional só tem a ganhar

Se, por um lado, faltam políticas de inclusão para pessoas acima de 50 anos, por outro, o etarismo afeta também os mais jovens. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios mais recente, a Pnad Contínua Trimestral, a taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos é de 18%, contra 5,6% entre pessoas de 40 a 59 anos. 

Enquanto os mais velhos podem ser vistos como "ultrapassados", os mais jovens são excluídos, justamente, pela falta de experiência. A OMS reconhece essa realidade, quando diz que os mais jovens estão "frequentemente em desvantagem" no mercado de trabalho. 

As especialistas ouvidas pelo Terra apostam na diversidade geracional da equipe como ganho para a própria empresa. Isso porque cada um tem habilidades que se complementam, como a experiência e a facilidade com as novas tecnologias, por exemplo. Esse contato, além de reduzir o preconceito, ainda promove mais trocas de conhecimento e beneficia o desenvolvimento individual dos funcionários. 

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"As empresas precisam integrar estes profissionais a times que tenham skills complementares e preparar seus líderes para criarem o ambiente seguro que seja fértil para as trocas de forma respeitosa e ética, e que tenham capacidade de chegar à harmonia discordante e ao consenso. Também é preciso ter uma cultura que incentive, reconheça e remunere  a mentalidade de crescimento representada pela abertura à inovação, mudança e ao erro", defende Cristina.

Luciana destaca que as gerações mais antigas não são 'avessas à tecnologia', pelo contrário. "Cada vez mais vemos pessoas de diferentes idades se mantendo 'atualizadas'. A questão é o que o impacto da tecnologia e o contato com ela ocorreu em outro ritmo", explica.

Década do Envelhecimento Sustentável

Diante da urgência da luta contra o etarismo, a ONU criou a iniciativa Década do Envelhecimento Saudável (de 2021 até 2030). Os objetivos a serem atingidos até o fim do período incluem:

  • Mudar a forma que a sociedade pensa, sente e age em relação à idade e ao envelhecimento; 
  • Garantir que as comunidades promovam as capacidades das pessoas idosas (indivíduos com mais de 60 anos);
  • Entregar serviços de cuidados integrados e de atenção primária à saúde centrados nessas comunidades;
  • Propiciar o acesso a cuidados de longo prazo às pessoas idosas que necessitem.

Essas ações devem ser criadas e executadas pelos governos, sociedade civil e empresas, segundo a entidade.

Fonte: Redação Terra
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