Os irmãos cariocas João e Pedro Azevedo viram em materiais biodegradáveis e recicláveis a oportunidade de criar algo novo a partir de algo que já existe. Dentro dessa ideia, os dois uniram o desejo de ser sustentável com a paixão por acessórios para dar vida à Maré.
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Criada em 2015, a empresa produz relógios e óculos a partir de restos têxteis variados, como jeans, couro e kimonos; madeiras antigas, pneu de bicicletas, papel reciclado e tintas orgânicas, entre outros. Todas as matérias-primas são itens descartados e que iriam parar no lixo.
Em entrevista ao Terra, os irmãos contam que tudo começou com João, que se sentiu inspirado pelos movimentos da Copa do Mundo e da Olimpíada, que aconteceram em 2014 e 2015.
"A cidade do Rio estava totalmente em transformação, muito por conta dos Jogos Olímpicos e da construção do Boulevard Olímpico. Nesse processo, a gente encontrou não só madeira, mas muito material jogado fora", explica João. "Eu trabalhei em fábrica de móveis e, cara, você cortava um pedaço da madeira e o resto virava uma lenha pra forno de pão. Quando eu vi essas madeiras incríveis sendo jogadas fora, foi uma coisa que chamou muita atenção. 'Será que não dá pra usar isso pra fazer alguma coisa?'".
Àquela altura, Pedro trabalhava no administrativo de outra empresa. Amante de relógios e atento às demandas de preservação do meio ambiente, decidiu unir esforços à ideia do irmão. Logo eles perceberam que havia poucas empresas com a proposta, e investiram na oportunidade.
"Foi justamente nessa época que ele começou a entrar em contato comigo para ajudar a precificar o relógio, onde colocar, o que seria maneiro fazer, o que precisava ajustar e tal. Tanto nessa parte de valores quanto na parte do relógio, porque ele sabia que eu já tinha coleção de relógio, já tinha um monte de relógio, já gostava disso. Eu fui precificando os relógios dele, fazendo as tabelas, fazendo tudo", detalha Pedro.
Ao poucos, a dinâmica entre os dois se estabeleceu: João cuida do design das peças e Pedro cuida de toda a logística administrativa. Juntos, eles fazem a Maré acontecer.
"Os dois fazem um pouquinho. Às vezes a gente também conversa para novos produtos, para ajuste nos preços. Tudo isso a gente faz sempre muito em conjunto", explica Pedro.
Com a iniciativa, os dois já chamaram atenção dos gigantes do mercado e até apareceram no programa Shark Tank Brasil, que reúne investidores em busca de negócios inovadores ou com potencial de ganhar o mercado.
O processo de produção das peças
O processo de fabricação é dividido em duas formas. Os irmãos explicam que há um lado que utiliza alta tecnologia e outro que utiliza mão de obra, que é a principal frente da Maré. Por meio da fabricação digital, são feitos os relógios de madeira e tecido, por exemplo.
"Eles são todos feitos com uma router CNC. A gente desenha no computador a peça e aí a gente tem como se fosse uma furadeira computadorizada que vai esculpindo esse relógio no material. Depois disso, a gente dá o acabamento e a montagem é toda feita à mão", explica João.
Já os acessórios de plástico biodegradável, em especial os óculos, são feitos a partir de impressão 3D, que segue a lógica da manufatura aditiva.
"A gente desenha em 3D, só que a diferença é que, em vez de ela esculpir, ela vai colocando o material especificamente nas áreas onde precisa, para formar aquele objeto", esclarece
Todo tipo de material pode virar matéria-prima para as peças da Maré. A câmara de pneu de bicicleta, por exemplo, que não tem mais conserto, pode virar pulseiras. O pinho de riga, madeira vinda da Europa, também já foi utilizado na produção.
"A gente tem algumas parcerias com catadores amigos, com algumas cooperativas e tal. As pessoas já sabem que a gente usa esses materiais, já ligam para a gente quando tem sobra. Então, é muito diversificado. E muitas vezes a gente está andando na rua, encontra uma caçamba, vamos lá e pegamos o material que está lá", detalha João.
Negócio é rentável
O preço dos relógios varia de R$ 220 a R$ 490, e os óculos custam em torno de R$ 149. Atualmente, os dois também investem na parte social, com mentorias e outros métodos de conscientização sustentável. Os irmãos contam que investiram cerca de R$ 7,5 mil no início do projeto. Hoje, faturam entre R$ 150 mil e R$ 200 mil por ano.
Os dois dizem entender que não vão resolver o problema do plástico ou de outros descartáveis, mas que o objetivo é mostrar para os clientes que é possível ter um produto interessante a partir de algo que antes era lixo.
"A gente sempre tenta mostrar que mesmo o produto tendo a origem num lixo, num descarte, ele pode ser tão maneiro quanto ou tão bonito quanto um produto feito do zero", diz Pedro.