Trabalhar quatro dias por semana está mais perto de se tornar uma realidade no Brasil. Pelo menos para 21 empresas que aderiram ao experimento conduzido pela 4 Day Week Global, uma comunidade sem fins lucrativos que realiza projetos-piloto como esse em todo o mundo, e pela brasileira Reconnect Happiness at Work. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira, 30.
Os testes estão marcados para começar em 5 de setembro e devem durar nove meses. A jornada será reduzida, mas o salário é o mesmo. A produtividade também não pode cair. As etapas serão divididas em três meses de planejamento e outros seis dedicados à execução. Durante esse período, as empresas vão ter acesso a cursos, treinamentos, palestras sobre produtividade, diagnóstico organizacional das equipes e acompanhamento individualizado.
A iniciativa, inédita no Brasil, foi testada em países como África do Sul, Nova Zelândia, Portugal e Reino Unido. Neste último, com mesma carga horária de trabalho do Brasil, de até 44 horas por semana, os resultados do projeto-piloto se mostraram promissores.
Segundo os organizadores, 39% dos participantes se sentiram menos estressados, e 54% consideraram mais fácil conciliar vida pessoal e profissional. Cerca de 15% dos colaboradores disseram que não voltariam a uma semana de cinco dias, mesmo se houvesse aumento salarial.
"Esse é um projeto de negócios. A grande questão aqui é trabalhar melhor e de forma mais inteligente. Temos um desafio no Brasil porque estamos falando de um País em desenvolvimento", afirma Gabriela Brasil, head de comunidade da 4 Day Week Global, durante evento de anúncio das empresas. Confira o áudio da especialista explicando o modelo:
Visando redesenhar a forma de trabalhar, a metodologia deve mudar conforme o quadro de funcionários e as atividades desenvolvidas.
As áreas de atuação das 21 empresas inscritas são edição de livros, arquitetura, contabilidade, manufatura, desenvolvimento de software, publicidade, advocacia, hotelaria, hospital, consultoria de recrutamento, alimentos, varejo, entretenimento e plataformas de tecnologia e inovação.
A maioria são pequenas e médias empresas, de 10 a 100 funcionários. Outras variam de 200 a 1.000 funcionários.
O modelo 100-80-100 vale para todas as organizações:
- 100% do salário
- Trabalhando 80% do tempo
- Mantendo 100% da produtividade
Mas a transição para a semana de trabalho mais curta não deve seguir um formato único. Por exemplo, na avaliação inicial da única companhia de advocacia cadastrada, a Clementino e Teixeira Advocacia (de São Paulo e Belo Horizonte), a redução da carga horária será distribuída em dois dias.
"A ideia é fazer uma semana que comece na segunda-feira à tarde e siga até a sexta-feira de manhã. Talvez não tiremos um dia, mas sim dois períodos. Porque temos audiência diariamente", afirma Soraya Clementino, sócia do escritório de advocacia, composto por 12 funcionários.
A profissional relata que a empresa decidiu aderir ao teste, principalmente pelo bem-estar no trabalho que o projeto proporciona.
"A proposta não é uma redistribuição da carga horária, é uma redução do trabalho recuperando esse período com o melhor uso das tecnologias e gestão do tempo. "
Segundo a advogada, a participação no experimento é uma forma de se posicionar no mercado e promover um ganho de qualidade de vida para a equipe.
A insegurança jurídica que algumas empresas sentem sobre a semana de quatro dias é outro fator que motivou a participação no projeto.
"Muitas empresas se interessaram, mas não tiveram coragem de dar o passo por entender que o cenário no Brasil é inseguro, novo e não há uma legislação. Participando, teríamos mais condições de ajudar as outras organizações."
Outra companhia que aderiu ao experimento é a Haze Shift. A consultoria de inovação, que adota o modelo 100% remoto, vai testar a redução de 20% da jornada para todos os funcionários, um total de 20.
"Não temos medo de mudar. Em termos de propósito, queremos nos conectar com quem está chegando no mercado ou com quem está há muito tempo e esteja buscando essa carreira mais direcionada para a felicidade", argumenta Maria Raicoski, head de operações da empresa.
O Hospital Indianópolis vai começar a testar a semana de quatro dias pelo departamento administrativo, com 20 colaboradores, para depois avaliar expandir para outras áreas do hospital. Desde o ano passado, a organização tem passado por um processo de modernização, incluindo a inserção de novas formas de trabalho.
A proposta inicial é eliminar a sexta-feira. Porém, é possível que aconteçam mudanças ao longo do experimento, segundo Eduardo Hagiwara, diretor-geral do Indianópolis.
"Temos desafios para conseguir migrar [o teste] para o departamento assistencial, que tem contato com o paciente e que trabalha com o corpo clínico. Então, vai demandar bastante estudo, discutindo para propor algo depois ao hospital inteiro", considera Hagiwara.
Outros países também resistiram aos 4 dias
Assim como o Brasil, outras nações realizaram testes com menos de 50 empresas cadastradas. Na visão de Renata Rivetti, esses países também não estavam preparados culturalmente para o experimento, mas as pesquisas comprovaram que a semana reduzida funcionou.
"Nos preparamos começando com estudos, com dados e mostrando resultados. Não é uma fórmula mágica, mas é uma nova forma de trabalhar", defende a coordenadora do projeto.
Rivetti projeta que o Brasil pode seguir os passos dos Estados Unidos, que em julho deste ano completou um ano do projeto-piloto com 41 empresas, guiado pela 4 Day Week Global. O relatório verificou que a saúde mental e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional dos funcionários apresentaram melhoras. Além disso, 100% das organizações participantes decidiram seguir com o modelo.
"A cultura dos EUA também é workaholic e supervaloriza resultados. Eles aprenderam a trabalhar muito bem com a semana de quatro dias. Então, espero que nos inspiremos neles e possamos seguir de maneira semelhante aqui", diz.
A Fundação Getúlio Vargas será responsável por mensurar de maneira qualitativa o sucesso da semana de quatro dias no Brasil. Alguns dos parâmetros envolvem alocação de tempo e se as lideranças vão seguir o mesmo modelo.
"Durante a pandemia, as pessoas ganharam tempo porque não se deslocavam. Mas tivemos um aumento da produtividade às custas de mais trabalho. Olhar como a alocação do tempo vai ser redistribuida e como se reaproximar da recuperação de atividades humanas são indicadores", ressalta Paul Ferreira, professor de Estratégica e Liderança e vice-diretor do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas da FGV/EAESP.
No cronograma do experimento brasileiro, a partir de novembro serão seis meses de testes. Em junho do próximo ano, as empresas vão ter acesso aos dados para escolherem manter - ou não - a continuidade da jornada reduzida.
Empresas participantes do projeto-piloto
Das 21 organizações que aderiram ao teste até o momento, somente sete autorizaram divulgar seus nomes.
As outras 14 atuam nos seguintes segmentos: arquitetura, manufatura, hotelaria, consultoria de recrutamento, alimentos, varejo, entretenimento e plataformas de tecnologia e inovação. A maioria das companhias são localizadas na região Sudeste, com exceção de duas organizações do Sul. Confira a lista:
- GR Assessoria Contábil (Rio de Janeiro)
- Hospital Indianópolis (Saúde, São Paulo)
- Abaeterno (Estúdio de produção editorial, São Paulo)
- Haze Shift Consultoria (Setor de Inovação e Transformação Digital, Curitiba)
- Oxygen (Hub de conteúdos em Inovação, São Paulo)
- Innuvem (Área de Tecnologia da Informação, Rio de Janeiro)
- Clementino e Teixeira Advocacia (Serviços jurídicos na área trabalhista, São Paulo/Belo Horizonte)
Além da FGV EAESP, a WeWork - empresa de espaços compartilhados - será parceira do projeto e vai disponibilizar espaços de trabalho sem custo para os participantes nos primeiros meses. A colaboração internacional conta com o Boston College.