Cerca de 20% das redes de ensino municipais não oferecem nenhum ensino sobre tecnologia e computação no Ensino Fundamental, contrariando as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Os dados são do estudo Tecnologias Digitais nas escolas municipais do Brasil, desenvolvido pela Fundação Telefônica Vivo, pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com alertas sobre as desigualdades na educação pública.
No caso dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que correspondem ao 1º, 2º, 3º, 4º e 5º anos, 21% das redes municipais de ensino não englobam a tecnologia e a computação no programa pedagógico. Nos anos finais - do 6º ao 9º ano - o cenário é similar em 17% das redes de ensino. Ou seja, a tecnologia não aparece nesses currículos nem de forma transversal, nem como um componente curricular ou como uma competência trabalhada.
Essa presença diminui ainda mais ao olhar para as redes de ensino das regiões de baixa renda. A desigualdade é expressiva nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em que 30% das redes não englobam ensino de tecnologia e computação no currículo.
Por que isso é um problema?
Os dados do estudo revelam desigualdade significativa e que não pode ser negligenciada, destaca Liz Glaz, diretora-presidente da Fundação Telefônica Vivo, uma das organizações responsáveis pela pesquisa. Isso porque, ela explica, a tecnologia é uma facilitadora e potencializadora do processo de ensino.
Além disso, é preciso que os estudantes saiam da escola preparados para o "novo" mercado, sustentado na transformação digital. Outra razão para o ensino de tecnologia e computação está na inclusão, uma vez que amplia as possibilidade de recursos de acessibilidade.
Para que isso aconteça, é preciso que as tecnologias educacionais estejam presentes nas escolas e sejam implementadas com o que ela chama de "intencionalidade". Atualmente, quando presente o ensino de tecnologia e computação, ele é mais comum na forma 'transversal' às disciplinas, não como uma competência específica a ser trabalhada.
"Essa transversalidade pode também estar ‘escondendo’ o fato de não ter intencionalidade na oferta de tecnologia", destaca Lia.
O ponto de atenção se dá, principalmente, por não parecer existir uma estratégia de ensino quando o tema atravessa outras áreas do conhecimento. Na etapa qualitativa da pesquisa, por exemplo, uma das secretarias de Educação afirmou que o ensino de tecnologia ocorre de acordo com a necessidade da rede ou do professor.
Mas, segundo a BNCC, essa aplicação transversal deveria significar que a temática está presente em todas as áreas do conhecimento, e é destacada em diversas competências e habilidades, com objetos de aprendizagem variados.
É uma realidade em todas as regiões?
No geral, a pesquisa aponta que em todos os anos do Ensino Fundamentalo ensino de tecnologia e computação ocorre principalmente de forma transversal. Já com relação à temática ser trabalhada como competência ou habilidade em todos os componentes curriculares, o percentual não chega a 20% em nenhuma das regiões do Brasil.
Quanto à privação total da presença de tecnologias educacionais, a situação é mais crítica no Norte, onde 28% das redes municipais de ensino não incluem a temática no currículo de nenhuma forma nos anos iniciais, e 25% delas quando se trata dos anos finais. Porém, essa é a região em que as redes municipais se destacam como as que têm maior presença de equipes exclusivas dedicadas ao planejamento e implementação de tecnologias digitais.
Outros pontos de destaque
- 84% das secretarias municipais de Educação não possuem orçamento exclusivo para a área de tecnologia. No caso das capitais, o índice cai para 22%;
- 73% das redes municipais de ensino não possuem uma área ou equipe específica dedicada ao planejamento e à implementação de ações para uso de tecnologias digitais nas escolas;
- 55% das redes não contam com profissionais na estrutura organizacional da Prefeitura dedicados à garantia de oferta de equipamentos, serviços e formações voltadas ao uso de tecnologias digitais nas unidades de ensino.
E agora?
O estudo aponta que ainda são necessários muitos passos para que a tecnologia seja, efetivamente, um agente transformador dos processos de ensino e aprendizagem na educação pública nacional.
"O mais preocupante é que para algumas redes de ensino o caminho para chegar lá parece muito mais tortuoso do que para outras", ressalta Lia.
Para combater essas desigualdades e mudar o cenário, as próprias redes de ensino ouvidas elegeram três prioridades:
- Formações em tecnologia e computação para os professores da rede - 78%;
- Mais investimentos em infraestrutura de tecnologia na rede - 73%;
- A criação de componentes curriculares específicos para ensino de tecnologia e computação por parte das secretarias municipais de Educação - 41%.
Entre as medidas imediatas cabíveis, o estudo propõe o fortalecimento de regimes de colaboração entre estados e municípios para o compartilhamento de boas práticas, de modo que as redes que possuem melhor estrutura organizacional e técnica possam contribuir com aquelas que estão em situação mais desafiadora.
O estudo
A pesquisa Tecnologias Digitais nas escolas municipais do Brasil: cenário e recomendações, divulgado em maio, é fruto de uma parceria entre a Fundação Telefônica Vivo, o Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). O estudo conta ainda com apoio técnico do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede).
O levantamento aplicou questionários para uma mostra de 1.065 redes de ensino, representando as 5.568 existentes no País. Também foi realizada uma frente qualitativa com entrevistas com profissionais das secretarias de Educação e visitas a quatro municípios para conhecer as estruturas das escolas e das secretarias.