Cigarro eletrônico: como surgiu e quais são os riscos à saúde

Febre entre os jovens, cigarros eletrônicos causam mais vício que os tradicionais e acendem o alerta para a escalada do tabagismo no Brasil

21 jul 2022 - 15h18
(atualizado às 17h57)

Coloridos, práticos, com um design tecnológico e uma vasta gama de essências, como chocolate, baunilha, manga, hortelã e chiclete. Diferentemente do cigarro comum, não produzem bituca e não exalam odor desagradável. Assim, os cigarros eletrônicos, também conhecidos por vapes ou vaporizadores, viraram moda principalmente entre os jovens e, mesmo sendo proibidos no país, conquistaram espaço e são socialmente aceitos em diversos ambientes. 

Foto: Nathan Salt/pexels/Reprodução / Guia do Estudante

Mas a disseminação do uso do dispositivo reacende o debate sobre tabagismo e preocupa autoridades da área da saúde.  

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Enquanto os cigarros tradicionais queimam por combustão, o vape é recarregável e funciona pela vaporização: dentro do dispositivo há um líquido que, quando aquecido, gera o vapor que será inalado pelo usuário. 

É por esse motivo que os cigarros eletrônicos seriam menos prejudiciais à saúde do que os comuns. Pelo menos é o que diziam os fabricantes do produto há cerca de duas décadas, quando os cigarros eletrônicos chegaram ao mercado. À época havia ainda a defesa de que um dos propósitos do dispositivo era fazer com que fumantes conseguissem largar o vício do cigarro tradicional. Porém, a Organização Mundial da Saúde ( OMS) não reconhece os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) como um tratamento antitabaco.

"A indústria do tabaco se apropriou do discurso da redução de danos para vender a ideia de que o cigarro eletrônico é um produto seguro. Não é. Todo e qualquer cigarro aumenta o risco de doenças cardíacas e pulmonares, bem como de câncer", afirma a médica Tânia Cavalcante, ex-secretária-executiva da Comissão Nacional para o Controle do Tabaco do Instituto Nacional de Câncer (Inca), em entrevista à revista Veja Saúde

Vale lembrar que a OMS classifica o tabagismo como uma doença que mata anualmente oito milhões de pessoas - sete milhões por fumo ativo e um milhão por passivo. 

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No Brasil, inclusive, um dos receios da comunidade médica é que a popularização dos vaporizadores prejudique os avanços conquistados em relação ao percentual de fumantes: o país é considerado uma referência mundial no combate ao tabagismo. Em 1989, 35% da população fumava. Hoje, o índice é de 9,3%.

Diferenças entre o cigarro eletrônico e o tradicional 

Além da diferença no funcionamento (combustão versus vaporização), o cigarro eletrônico e o tradicional possuem composições diferentes. 

A fumaça do cigarro tradicional contém milhares de compostos e substâncias tóxicas. Entre elas, três se destacam: o alcatrão (uma mistura de diversas substâncias comprovadamente cancerígenas), o monóxido de carbono (que afeta a oxigenação sanguínea) e a nicotina (droga psicoativa que causa dependência).

Já nos eletrônicos, não há geração de monóxido de carbono ou alcatrão. Porém, junto com outras milhares de substâncias químicas (algumas desconhecidas) e aromatizantes, a nicotina também está presente em sua composição - e em uma quantidade muito superior a do cigarro comum.

A dosagem varia de acordo com o fabricante, mas a mais baixa equivale a seis cigarros comuns. A mais alta a 18. "O cigarro eletrônico é pior porque causa dependência muito mais rápida e intensamente que o convencional. Quando o usuário menos espera, já virou refém", alerta a cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento de Tabagismo do Instituto do Coração (InCor/USP), também em entrevista à revista Veja Saúde

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Dependência e impactos psicológicos

A nicotina é uma droga psicoativa. Isso significa que ela consegue alterar funções do sistema nervoso central e desencadear mudanças temporárias no comportamento, no humor, na consciência e na percepção do indivíduo. Seu efeito é rápido: em até 15 segundos após a tragada, 25% da nicotina atinge os neurotransmissores responsáveis pela liberação de uma substância que dá a sensação de bem estar, a dopamina. E essa velocidade dificulta muito o tratamento da dependência.

Além disso, controlar o vício não envolve apenas o controle da nicotina, mas também é preciso tratar a dependência comportamental e a psicológica. Isso porque muitas pessoas desenvolvem "gatilhos" para fumar, como momentos de ansiedade, em festas ou mesmo após tomar um café. 

"No passado, quando alguém falava que parou de fumar, a gente entendia que a pessoa estava com a dependência tratada, não estava mais com a nicotina de forma alguma. Hoje em dia, a sensação 'parou de fumar' passou a ser entendida como 'não uso mais o cigarro tradicional, mas estou usando cigarro eletrônico', o que complica o tratamento", afirma Stella Martins, especialista em dependência química da área de Pneumologia no Hospital das Clínicas (HC) da USP, em conversa ao Jornal da USP no Ar .  

A especialista também explicou que é difícil a pessoa conseguir largar o vício por conta própria e, por isso, a recomendação é buscar ajuda especializada. 

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Desde 2002, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento gratuito à base de psicoterapia. Se necessário, os médicos podem combinar o método com a prescrição de remédios que ajudem a lidar com a abstinência e superar o vício, como adesivos e chicletes de nicotina, e antidepressivos. Se você quer parar de fumar, neste link você encontra unidades do Programa de Controle do Tabagismo em todo Brasil.

"O cigarro eletrônico foi feito com a desculpa de que serviria para reduzir os danos, para ajudar as pessoas a pararem de fumar. No ambiente científico não há demonstração de que ele seja capaz sequer disso", afirmou o médico Drauzio Varella em entrevista ao portal G1. "Estamos criando uma legião de crianças e adolescentes dependentes de nicotina. Na minha experiência pessoal, a nicotina é a droga mais difícil de largar porque é a única que causa crises de abstinência em minutos."

Outros malefícios do cigarro eletrônico

Com a adição de aromatizantes, o dispositivo se tornou mais atrativo para os jovens. Os "cheirinhos" fazem o vape parecer inofensivo e mais desejado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o uso de dispositivos eletrônicos entre alunos do Ensino Médio aumentou 900% entre 2011 e 2015, de acordo com um relatório elaborado pela US Surgeon General, entidade pertencente ao Serviço de Saúde Pública do país.

O problema é que, além dos malefícios que oferece por si só, os vapes funcionam como uma "porta de entrada" para o tabagismo. O uso dos cigarros eletrônicos aumenta em quase três vezes e meia o risco de experimentar o cigarro convencional e em mais de quatro o de se tornar fumante habitual. É o que aponta o levantamento do Instituto Nacional de Câncer ( INCA), que analisou 31 estudos, totalizando dados de 131,4 mil indivíduos de diferentes países.

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Segundo o mesmo instituto, os DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar) contém substâncias tóxicas que podem causar doenças respiratórias, como o enfisema pulmonar, doenças cardiovasculares, dermatite e câncer.

A pneumologista Stella Martins, em entrevista ao Jornal da USP no Ar, também apontou que usuários de cigarro eletrônico têm 42% de chance a mais de terem um infarto do que aqueles que não fazem uso do produto. Isso ocorre por conta da presença de supernicotina em sua composição, que é o sal de nicotina, muito mais potente que a substância presente nos cigarros tradicionais. 

Como já mencionado, a nicotina é responsável pelo vício, mas seus impactos na saúde não param por aí: ela está associada a mais de 50 enfermidades, como problemas cardiovasculares, impactos no sistema imunológico, doença pulmonar obstrutiva crônica e diversos tipos de câncer (pulmão, laringe, esôfago, bexiga…).

O fumo ainda contribui para a impotência sexual, osteoporose, periodontite e catarata, entre outras implicações. Um estudo realizado pela Universidade de Portland, nos Estados Unidos, revelou que, por causa de uma substância chamada formaldeído, o vapor desses dispositivos pode ser até 15 vezes mais cancerígeno que a fumaça do cigarro. 

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Para além das doenças já conhecidas pela comunidade médica, suspeita-se que os usuários de cigarros eletrônicos também estão desenvolvendo uma doença nova e que pode levar à morte: a evali. Em inglês, essa é a sigla para e-cigarette or vaping product use-associated lung injury (lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico, em tradução livre). 

Nos Estados Unidos, entre agosto de 2019 e fevereiro de 2020, ocorreram  2,7 mil internações decorrentes da doença. Dessas, 68 pacientes não resistiram e foram a óbito. No Brasil, a Anvisa registrou oito casos. 

Cigarro eletrônico no Brasil

Desde 2009, a venda, a importação e a propaganda de cigarros eletrônicos são proibidas no Brasil por conta de uma resolução da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária). A justificativa do órgão para a decisão foi a falta de dados científicos que comprovassem a segurança dos vaporizadores.

No início de julho deste ano, a diretoria colegiada da Anvisa se reuniu para discutir a regulação dos dispositivos no país. Os especialistas analisaram o Relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR), que contém uma série de informações sobre o dispositivo, como toxicidade e impactos à saúde. 

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Por votação unânime, a agência decidiu manter a proibição e ainda adotar medidas que reduzam a procura pelos vapes, como campanhas educativas. E, segundo o órgão, ainda este ano será feita uma reforma na legislação atual e uma consulta pública sobre o tema. 

Apesar da proibição, da contraindicação das autoridades na área da saúde e das pesquisas, os cigarros eletrônicos podem ser encontrados com facilidade em sites e lojas físicas. Hoje, 3% da população adulta faz uso diário ou ocasional do cigarro eletrônico, segundo um levantamento do Datafolha realizado em fevereiro deste ano. Esse percentual equivale a cerca de 4,7 milhões de usuários, se considerarmos o total de brasileiros acima dos 18 anos.

Entre os mais jovens, os dados são ainda mais alarmantes. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2019, 13,6% dos estudantes de 13 a 15 anos já experimentaram cigarro eletrônico. Entre alunos de 16 a 17 anos, o índice é de 22,7%. 

Se você quer parar de fumar, neste link você encontra unidades em todas as capitais do Brasil do Programa de Controle do Tabagismo.

Para se aprofundar no tema

  • Documentário "Cigarro eletrônico: como tudo deu errado", d isponível na Globoplay;
  • Série "Desserviço ao Consumidor" - Episódio "Febre do vape", d isponível na Netflix;
  • Podcast "Os malefícios do cigarro eletrônico - com Drauzio Varella" - (Isso é Fantástico), disponível no Spotify . 
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