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Colaborar mais é possível, nossa genética mostra

30 set 2022 - 01h00
Foto: Pixabay

O ano era 2007: li um livro que me soou, à época, uma verdadeira obra de ficção distópica. Esse livro – Uma Breve História do Futuro, escrito por Michel Attali, assessor de Nicolas Sarkozy – dizia que estávamos iniciando três grandes ondas de transformações globais que alterariam muito o mundo em que vivemos.

Primeiro viria a onda do Hiperimpério, na qual nos tornaríamos todos cidadãos de uma mesma bandeira. Seria essa bandeira a internet? A globalização? As redes sociais? A Amazon? A Netflix?

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A segunda onda seria a do Hiperconflito, que colocaria em risco a humanidade, com armas nunca antes usadas, guerra cibernética, química, biológica e, possivelmente, nuclear.

A terceira onda seria a Hiperdemocracia: passado o conflito, os humanos derrubariam barreiras e buscariam o bem comum novamente, com menos preconceitos e “vacinados” pelo desastre causado pela guerra. Teriam, então, um bom tempo de bonança e paz.

Uma pandemia depois e sob o risco de uma guerra mundial nuclear, digo que estava errado. O que o que me pareceu uma ficção se mostra, a cada dia, a realidade. 

O Hiperconflito está aí e, mesmo que não sejamos anunciadores do apocalipse, este não estará longe se a escalada militar continuar. Até hoje, armas atômicas não foram usadas, mas seu uso já está sendo claramente considerado. 

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Então, acho um bom momento para falar de conhecimento perigoso, de colaboração x competição e de bonobos x chimpanzés – enfim: de genes e de como nossa hereditariedade pode contribuir para nosso belicismo ou para o contrário dele.

Conhecimento perigoso é aquele tipo de compreensão de ponta da ciência, que pode levar a grandes avanços tecnológicos e melhorar a vida das pessoas, mas também pode dizimar a humanidade e o planeta. 

Exemplos de conhecimento perigoso são a energia nuclear e a engenharia de manipulação genética, na clonagem ou em uma técnica conhecida como CRISPR, que consegue editar genes defeituosos, consertando-os, com grande potencial para cura de doenças graves e de impacto na saúde individual e coletiva (quer saber mais a esse respeito? Está tudo nesta matéria sobre engenharia genética do Projeto Unbox). 

Mas... esse tipo de manipulação é sempre benéfica? E ética? Essa é a discussão de todo conhecimento perigoso.

Falando ainda em genes, no livro Humanidade: uma história otimista do homem, Rutger Bregman diz que, ao contrário dos estudos de Darwin que colocam a competição pela sobrevivência como fator de maior chance de vitória na seleção natural, a colaboração pode ser a chave (aliada a momentos menores de competição) para a escolha de variações genéticas mais propensas a reprodução e sobrevivência em certo ambiente. 

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O livro vai além e associa colaboração x competição também aos humanos e à filosofia (Hobbes x Rousseau), mostrando que grande parte da mídia e das correntes filosóficas predominantes veem o humano como competidor nato, egoísta e violento, enquanto que inúmeros estudos biológicos e comportamentais modernos e bem controlados, assim como os estudos sociais e filosóficos que os suportam, encontram uma solução oposta, em que o sucesso dos humanos se deve muito mais à colaboração do que à competição. Não que não haja competição e violência, mas elas estão reduzidas a certos cenários, não ao contexto geral.

Seria muito legal se fôssemos colaborativos em vez de competitivos, não seria? 

Aliás, além deste livro, tem outra tese de base genética que reforça esse discurso: nós humanos somos um mosaico (mistura genética) de nossos primos símios mais próximos: os chimpanzés, com os quais compartilhamos cerca de 99% do DNA, e os bonobos, com os quais compartilhamos 98,7% do DNA. 

Tanto o DNA dos chimpanzés como o dos bonobos foram sequenciados nos últimos 15 anos e demonstraram essa grande similaridade com o nosso. No entanto, fica claro que a função dos genes desses símios para a nossa, dos humanos, se altera bastante, principalmente quando falamos em expressão gênica para o funcionamento cerebral. 

Mas o ponto que quero grifar aqui é a diferença clara entre as duas espécies de primos ancestrais.

Os chimpanzés são claramente violentos, competitivos e vivem sob uma ordem patriarcal, chefiada por machos alfa; já os bonobos são claramente mais colaborativos, não agressivos, trocam a boa guerra por um bom sexo grupal e os grupos são chefiados, vejam só, por fêmeas alfas! Será que nosso mosaico está pendendo pro lado errado? Pro lado mais violento?

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Enfim, genes são a base de muito do nosso comportamento, mas nem tudo está lá. Se não, gêmeos univitelinos se comportariam de forma igual. E sabemos que o ambiente e o comportamento representam a maior parte do que nos tornamos. 

Torçamos pra que a humanidade se lembre da herança genética de nossos primos bonobos e se esqueça um pouco a do outro primo, se tornando mais solidária e evitando que a radiação gama mute de maneira irremediável nossos genes.

Ave bonobo, nosso primo pacífico!

(*) Daniel Albuquerque é médico cardiologista, executivo na área da saúde, músico e curioso pelo entendimento do todo.

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