Cerca de 1,8 milhão de estudantes da chamada educação especial - com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou superdotação - estão matriculados nas escolas regulares no Brasil, do nível infantil ao ensino médio. O crescimento da inclusão é comemorado por especialistas da área. Ao mesmo tempo, o aumento da presença de meninos e meninas com ritmos próprios de aprendizagem, em escolas comuns, tem imposto aos professores novos desafios na hora de dar aula, propor atividades e fazer avaliações para um público cada vez mais diverso.
Augusto Galery, coordenador de gestão educacional do instituto Rodrigo Mendes, entidade sem fins lucrativos voltada à educação inclusiva, elenca três pilares que uma escola precisa ter para que as aulas promovam, de fato, a inclusão. O primeiro é ter uma gestão que apoie o professor; o segundo, permitir que o professor conheça a turma com antecedência para fazer um planejamento prévio das atividades; e, terceiro, ofertar os recursos necessários aos estudantes e educadores, como um intérprete de libras em sala que tenha uma pessoa com deficiência auditiva.
"Esses são os três pontos que podem fazer um professor dizer: tenho condições de dar uma aula inclusiva", diz Galery, também doutor em psicologia social. O especialista, no entanto, entende que os profissionais não podem ter uma posição passiva na ausência desses pilares, e devem, sempre que possível, lançar mão de materiais pedagógicos acessíveis, como habilitar legendas ou audiodescrição em uma atividade com filme.
"Tem um caso muito interessante que chegou a nós (do Instituto Rodrigo Mendes) de um professor de Física que, para ensinar o conceito de reflexão de luz para um estudante cego, construiu maquetes com outros alunos e, com barbantes, representou esse movimento que os raios fazem ao atingir uma superfície", conta.
"Todos os educadores falam da importância que tem o lúdico na aprendizagem. Não só para os (estudantes) mais novos, mas para todos", diz Ika Fleury, membro do Conselho Curador da Fundação Dorina Nowill para Cegos e Membro do Projeto Lego Braille Bricks.
O kit com as peças adaptadas, que recebe o nome de Lego Braille Brick, é distribuído em escolas públicas do Brasil por meio de parcerias que a fundação faz com as secretarias municipais de Educação. O foco é o uso para crianças de 4 a 10 anos. Segundo os dados da própria fundação, 4.924 escolas, de 128 cidades, já receberam o kit. Dados do Censo Escolar apontam que das 1,8 milhões de matrículas feitas pela educação especial em escolas regulares, cerca de 86,8 mil são feitas por estudantes com baixa visão (4,8%) e 7,3 mil são cegas (0,4%).
Formação e escuta
Na faculdade Belas Artes, em São Paulo, todos os professores são obrigados a fazer uma formação de educação inclusiva fornecida pela própria universidade, com duração de dois anos. "O professor precisa saber como lidar com um aluno dentro do espectro autista ou com alguém com hiperatividade", diz a psicóloga e professora Josiane Tonelotto, superintendente acadêmica da Belas Artes. Essa formação é realizada pelo Serviço de Atendimento Psicopedagógico (SAP), um departamento específico da instituição criado para lidar com a inclusão desse público e para fazer a interface com os professores e a família dos estudantes.
Nas unidades do Senac, instituição educacional que oferece cursos de graduação e técnicos para os que estão no ensino médio, também não faltam recursos materiais e humanos aos professores. "Teve uma atividade feita no curso de massoterapia, que um estudante surdocego precisava entender a anatomia dos músculos do corpo", lembra a psicóloga Andreza Matsumoto, responsável pelo Programa de Inclusão e Diversidade do Senac.
"Para explicar o conteúdo, a gente usou uma impressora para traduzir os mapas visuais do corpo humano e, a partir disso, construir maquetes para que ele pudesse tocar e entender, com a ajuda de um intérprete de libras tátil (que faz as libras na mão do aluno), as estruturas e funções dos músculos", diz Andreza.
Essa situação faz a psicóloga chamar a atenção para outro elemento importante na educação inclusiva, e que os professores precisam sempre praticar: ouvir o estudante. "Tudo isso aconteceu em articulação com o próprio aluno. Não adianta a gente criar soluções mirabolantes que saiam só da nossa cabeça, precisa fazer sentido para o estudante. E, às vezes, o próprio estudante vai nos indicar qual é o caminho para isso", diz.
Em nota, o Ministério da Educação informou que em 2024, por meio da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica (Renafor), lançou 79 cursos voltados para professores do Atendimento Educacional Especializado e para gestores educacionais, "objetivando assegurar o acesso, a permanência, a aprendizagem e a participação do público da educação especial, entre os quais o estudante com deficiência física".