Como professores e diretores fazem a diferença na escola

Educadores defendem uma cultura de participação como forma de engajar estudantes e também prevenir a violência

2 jun 2023 - 20h10
(atualizado às 22h56)
Foto: Estadão

Diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Waldir Garcia, em Manaus (AM), a educadora Lúcia Cristina Santos vivia, há poucos anos, um desafio conhecido no País, sobretudo nas periferias dos centros urbanos: altos índices de reprovação e abandono, que traduziam uma escola pouco atrativa para seus alunos.

Entretanto, algo começou a mudar desde que a instituição apostou em uma nova proposta pedagógica, que passa por uma gestão democrática, com menos burocracia e mais participação de todos os atores. "Fizemos adequações, pensando em aproximar a escola da comunidade", explica Lúcia.

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Localizada numa área de igarapé, na capital amazonense, a escola atende mais de 200 alunos do Ensino Fundamental - entre eles, imigrantes de países como Venezuela e Haiti, que sofrem com problemas ligados a preconceito e exclusão. Nesse cenário, pensar a escola como lugar de acolhimento e transformação social foi fundamental.

Atualmente em 1º lugar nas redes estadual e municipal de Manaus no Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), a EMEF Profº Waldir Garcia colhe os frutos de uma gestão que, desde o "chão" da sala de aula, apostou em reforma curricular, escuta coletiva e formação de professores para alcançar novos voos.

"Quatro pilares são fundamentais na Waldir Garcia: empatia; protagonismo; trabalho em equipe; e criatividade. Nesse trabalho em conjunto, conseguimos bons resultados desde a alfabetização", diz a gestora, que reforça a necessidade de conciliar ensino de qualidade e oportunidade de aprendizagem para todos.

A partir de um maior diálogo com o contexto dos moradores da comunidade, o currículo da EMEF da capital amazonense foi adaptado para que cada criança enxergue a conexão entre o aprendizado na escola e sua vida cotidiana, tornando-se um agente transformador de seu entorno.

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"Mesmo na pandemia, conseguimos alfabetizar as crianças no 1º ano. Isso acontece quando a escola respeita o princípio da singularidade - as crianças têm tempos e ritmos diferentes, principalmente numa com tantos migrantes e refugiados, como a nossa", explica a diretora.

Além de Lúcia, muitos outros educadores brasileiros vêm fazendo a diferença em sala de aula, com um trabalho, por vezes, invisível e desvalorizado no mercado, tendo de arcar com baixos salários e, nos últimos anos, perseguições de gestores públicos.

Uma dessas faces invisíveis do nosso sistema educacional é Romildo Calixto. Professor de filosofia há 15 anos e atualmente na rede estadual de Vespasiano (MG), ele passou anos difíceis na pandemia, mas permanece com o mesmo vigor de antes. O que o motiva a seguir carreira de educador? Fazer a diferença na vida dos jovens.

"O filósofo Spinoza nos ensina que a vida também acontece através dos encontros, que podem nos alegrar ou nos entristecer. Todo aluno traz consigo desafios, vivências, e nossa função é trazer à luz essa potência que cada um carrega - é atravessar os estudantes com afetos de alegria, fazê-los encontrar sua vocação, mesmo em meio a tantos desafios", diz ele.

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No dia a dia junto a alunos do Ensino Médio, Calixto vê problemas em alguns aspectos da atual reforma que atingiu essa fase do ensino, como a flexibilização curricular. Com menos espaço para aulas de disciplinas básicas, como matemática e história, ele teme que o resultado seja uma maior desigualdade entre o rendimento de alunos da rede privada e os da rede pública.

"É importante, sim, flexibilizar os currículos com os itinerários. Mas a formação básica não pode perder espaço. Componentes como filosofia, história, geografia e matemática devem ser ensinados com a máxima qualidade, que é o que acontece nas escolas particulares", defende.

Mesmo em regiões bem distintas do País, Lúcia e Calixto se aproximam por acreditar nos resultados de uma cultura verdadeiramente democrática nas escolas. E um desses resultados está no enfrentamento à violência, tema que ganhou destaque após trágicos episódios de ataque a escolas no começo deste ano.

Nesse sentido, segundo eles, é preciso compreender as diferentes dinâmicas de violência que, muitas vezes, atravessam o ambiente escolar, como a violência institucional. Isso porque a escola que abraça culturas de diálogo e integração entre a comunidade está cortando, pela raiz, as dinâmicas de ódio e opressão que, no futuro, podem se voltar contra ela.

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"A violência não acontece apenas lá fora, mas nas próprias relações institucionais da escola. Nesse sentido, a cultura de paz acontece quando criamos ambientes em que alunos e professores participam dos debates, de forma mais democrática e horizontal", observa Calixto.

Para Lúcia, essa relação horizontal também precisa acontecer na cooperação entre escolas, secretarias e o Ministério da Educação (MEC), cabendo aos gestores, inclusive, desobedecer diretrizes que, segundo ela, principalmente nos últimos anos, foram elaboradas sem qualquer participação de quem vivencia o "chão da escola".

"Na educação, é preciso aprender a desobedecer; não queremos estar acima nem abaixo, mas de mãos dadas com o MEC e as secretarias. Precisamos viver uma relação mais horizontal, acabar com esse cabo de guerra", diz ela, que também lamenta o caráter burocrático vivenciado pela educação no Brasil.

Como será o futuro?

Diante de tudo isso, eis a pergunta que, todos os dias, aflige diretores, professores e tantos outros profissionais de educação em sua missão de não apenas recompor aprendizagens perdidas na pandemia, mas de seguir com novas transformações, pensando no futuro.

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Entre os consensos já amplamente formados no campo, ganham destaque a ampliação do ensino integral, a valorização e a formação continuada de professores e a construção de um currículo que seja potente para cada região.

"Recomposição de aprendizagens passa por tempo integral, com qualidade de ensino e respeitando o estudante em sua integralidade - um sujeito multidimensional que precisa orientar a concepção de educação integral. Escola boa é a que ensina e aprende", afirma Lúcia.

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