A segunda etapa da prova do Revalida, realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), corre o risco de não ser aplicada este ano. O exame é voltado para a certificação do diploma de médicos que se formaram no exterior e querem trabalhar no Brasil. Nesta semana, 37 servidores do Inep pediram para deixar seus cargos, em meio a denúncias de assédio moral e ingerência do presidente do órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC).
Segundo um ofício interno do Inep obtido pelo Estadão, faltam médicos capacitados para definir, em tempo hábil, as tarefas dos candidatos na prova prática e para estabelecer critérios de seleção do Revalida. O teste prático ainda não está pronto. Conforme o documento, a segunda etapa do exame está marcada para os dias 18 e 19 de dezembro deste ano, apesar de a data não constar nos editais.
A primeira etapa foi realizada no início de setembro, com testes objetivos e discursivos, para 11,8 mil candidatos. A função do exame é avaliar as habilidades dos médicos estrangeiros de acordo com os princípios de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
O documento aponta que houve prazos "impostos pela Presidência do Inep", apesar de alertas da equipe técnica sobre os riscos à qualidade do exame teórico e prático deste ano. Os prazos, afirma o ofício, "foram exíguos para que todas as etapas do processo de elaboração de provas fossem cumpridas, impactando negativamente na qualidade dos itens e correndo sérios riscos da não aplicação do exame".
Conforme o comunicado interno, uma comissão de médicos responsável pela concepção do exame e montagem das provas "sofreu total reestruturação" nesta edição do Revalida. "A maior parte dos médicos nomeados para a comissão, por indicação do presidente do Instituto (Danilo Dupas), não possuíam experiência prévia na realização do Revalida como membros de comissão e, devido ao apertado cronograma, sequer passaram por capacitação", aponta o documento. A Comissão Assessora de Avaliação da Formação Médica (CAAFM) foi instituída em 28 de julho, a pouco mais de um mês da primeira etapa do exame. Nas semanas seguintes, a composição do grupo foi alterada por Dupas.
O texto é assinado pelo Coordenador-Geral substituto do Enade, Elysio Soares Santos Junior, um dos servidores que pediu exoneração de suas funções, e foi enviado ao diretor de Avaliação da Educação Superior do Inep, Luís Filipe de Miranda Grochocki nesta quinta-feira, 11. Santos Junior afirma, ainda, que as questões da prova foram analisadas, revisadas e selecionadas por apenas um especialista de cada área, "fragilizando a qualidade técnica de cada um dos itens do exame".
Segundo o ofício, "a aplicação do Exame de Habilidades Clínicas (a segunda etapa) do Revalida 2021 encontra-se sob alto risco de não realização ou de realização com prejuízo da qualidade". Conforme o documento, ainda é necessário que médicos da área de Cirurgia selecionem as estações (atividades práticas) que vão compor o exame. E nenhum médico de Pediatria da comissão está disponível para elaborar as tarefas de sua área. Há, ainda, a necessidade de que as tarefas, depois de prontas, sejam submetidas à CAAFM para ajustes.
A prova prática do Revalida é complexa - o teste é aplicado em vários Estados de forma simultânea. Nessa etapa da avaliação, os candidatos que querem comprovar seus conhecimentos médicos devem passar por situações parecidas com a realidade, como consultas ou atendimentos de emergência simulados, preferencialmente em hospitais ou ambulatórios. Atores participam dessas simulações e são usados mobiliários e materiais próprios do ambiente hospitalar. Os médicos que compõem a CAAFM ajudam a elaborar toda a cena que fará parte do teste.
Servidores chegaram a alertar que a falta de tempo para a avaliação técnica do Revalida pelos médicos poderia levar a falhas na prova e, consequentemente, à anulação das questões objetivas na primeira etapa. Com isso, aumenta-se o custo do exame, já que mais candidatos são selecionados para a fase de provas práticas. Na prova objetiva do Revalida 2021, 12 questões tiveram de ser anuladas. Nas edições passadas, não houve anulações ou foram poucas.
A definição sobre desempenho mínimo dos candidatos do Revalida também está ameaçada, segundo o comunicado. Dos nove médicos que compõem uma comissão responsável pela definição da nota de corte da prova, só três têm disponibilidade para se reunir no início de dezembro, às vésperas do teste prático, segundo o ofício.
Segundo apurou o Estadão, Dupas teria se comprometido com parlamentares que defendem os interesses do setor a fazer a prova este ano - e, por isso, não poderia cancelar o exame. Chamado nesta semana na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para explicar a crise no Inep, o presidente da autarquia chegou a ser elogiado por um dos parlamentares pela realização do Revalida. Na Comissão da Câmara, Dupas disse que o cronograma de provas do Inep estava mantido. Procurado nesta sexta-feira, 12, sobre as dificuldades relatadas no Revalida, o Inep não se manifestou.
A desestruturação do Inep chamou a atenção para o risco de realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), prova com mais de 3 milhões de candidatos em todo o País. No entanto, como mostrou o Estadão, os efeitos da crise no órgão se estendem muito além do Enem. Para distribuir merenda, livros didáticos, pagar salário de professores ou saber a qualidade da educação em cada cidade, o Brasil precisa dos dados tabulados no Inep.
Dupas - o quarto presidente do Inep em três anos - é acusado pelos funcionários de desmonte do órgão mais importante do MEC, assédio e desconsideração de aspectos técnicos na tomada de decisões. Segundo a Associação dos Servidores do Inep (Assinep), serão entregues nos próximos dias ao Congresso Nacional e aos órgãos de controle documento com esses relatos dos servidores. A associação defende que seja conferida autonomia ao instituto, como forma de "solução estrutural para a instabilidade crônica" do Inep.