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Da recuperação em física ao PhD em Harvard: conheça a história do pernambucano premiado pelo MIT

Matheus Farias, 26 anos, teve um projeto de IA premiado pelo Innovators Under 35, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)

6 set 2024 - 05h00
Foto: Arquivo Pessoal

O menino que acabou ficando em recuperação em física na escola, durante a oitava série, não imaginava que seria o primeiro brasileiro a cursar PhD em Engenharia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Muito menos que teria como sonho se tornar ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil. Esse é Matheus Farias, pernambucano de 26 anos que em agosto foi premiado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) como um dos maiores inovadores em IA com menos de 35 anos do mundo. 

Em entrevista ao Terra, ele contou sobre sua curiosa trajetória e explicou sobre projetos de impacto social com tecnologia que tirou do papel. Confira, em primeira pessoa, o relato de Matheus:

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Movido pela curiosidade

A minha trajetória começa de um jeito engraçado, eu era um aluno ruim no início do colégio, eu gosto de contar que eu fiquei de recuperação em física, na oitava série, e depois eu acabei me interessando muito pela disciplina no primeiro ano do ensino médio. Um professor, chamado Charles Turudo, identificou um potencial em mim que era difícil de ver. Eu era um aluno meio largado e ele dizia, que ia ficar comigo todo final de aula. 'Vou te apresentar umas curiosidades de física, eu tenho certeza que você vai gostar muito'. Teve uma hora que ele me apresentou um livro didático que eu achei muito legal e esse momento foi muito importante pra mim. Porque é quando você para de jogar o protagonismo do seu futuro acadêmico num professor e começa a jogar em si mesmo.

Nesse caso, eu tava começando a gostar muito de física porque eu tava lendo um livro e realmente me interessando por aquele assunto por mim mesmo. E aí eu fiquei completamente viciado, eu passava o fim de semana todinho lendo e resolvendo questão.

E aí, por conta desse interesse na física, eu comecei a conhecer as Olimpíadas Científicas, que foi uma coisa que mudou a minha vida. 

Olimpíadas, amizades e esporte

Uma coisa que me interessava muito nas Olimpíadas Científicas é que mesmo que você domine plenamente os conteúdos do Ensino Médio, você pega uma questão de Olimpíada, diferente, que requer uma criatividade a mais, um molho secreto pra resolver as questões. Você não só precisa dominar o conteúdo, mas você precisa ter essas sacadas diferentes, sabe? Começar a usar a criatividade na resolução de problemas. Eu amava isso, ficava fascinado.

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Foi quando eu juntei um grupinho de amigos no Brasil todo. A gente se conheceu por Facebook pra estudar para essas Olimpíadas. E era uma galera que sempre queria fazer muito além, que olhava muito pra frente, que queria impactar o mundo e usar essa criatividade na resolução de problemas do dia-a-dia também. 

Quando chegou no final do Ensino Médio, eu acabei me interessando muito por esportes também. Eu jogava badminton. Eu adorava muito isso. E uma coisa que eu aprendi muito no esporte é como você metrificar as coisas em que você é ruim e sempre se dedicar muito pra melhorar nelas. Eu joguei muito isso na parte acadêmica, né? Eu via o que era ruim de física, o que era ruim de Matemática. Eu criava métricas para melhorar e era muito dedicado, muito determinado para melhorar.

Eu não tinha o dom da ciência. Era muito ruim, na verdade. E estava ali tentando melhorar.

Até que no final do Ensino Médio, essa galera que brincava de física comigo, que era excelente, acabou indo para lugares incríveis. Uma galera foi pro ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] e pro IME [Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo], que é normalmente onde o pessoal de Olimpíadas vai, né?  Também teve uma galera que foi pra fora também, estudar nos Estados Unidos. E eu acabei não passando nessas universidades, nem tentei ir pra fora naquele momento. No fim, eu vim pra UFPE [Universidade Federal de Pernambuco] e fiz Engenharia Eletrônica.

Matheus recebendo medalha de prata na Copa do Mundo de Fisica no ano passado. Não mais como estudante, mas como líder do time da Seleção Brasileira no Paquistão
Foto: Arquivo Pessoal

Foco em projetos

Eu tinha um background científico muito forte por conta do Ensino Médio. E, no início da graduação em Engenharia, você acaba aprendendo muito o ciclo básico de física, matemática e química. E como eu já tinha visto esses conteúdos na época do Ensino Médio, por conta das Olimpíadas, eu fazia o mínimo possível pra ser o melhor da turma. E fora das matérias, eu fazia o máximo possível pra ser o melhor do mundo. Então eu comecei a engajar com projetos de impacto social com tecnologia e isso foi o que pautou a minha graduação toda.

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No meu primeiro ano de graduação, eu conheci a Inteligência Artificial. Foi em 2016. E aí, eu já me apaixonei. Disse: 'Eu tenho que botar isso aqui no dia a dia'. Eu gostava muito de competição e procurei alguma competição de Inteligência Artificial para participar e aplicar meus projetos.

Recife tem um dos piores trânsitos do mundo. Eu amo Recife. Eu sou bairrista. Mas o trânsito de Recife é péssimo. E aí, o meu primeiro projeto foi um sistema de Inteligência Artificial para escolher qual é o melhor tempo de verde e vermelho dos semáforos da cidade de Recife. Eu fiz uma parceria com um órgão de trânsito da cidade chamado CTTU [Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife] e apliquei esse algoritmo que eu desenvolvi. Consegui melhorar em 130% o trânsito da cidade. 

O meu segundo projeto, que pra mim é o projeto mais legal que eu fiz, é um localizador de atiradores de arma de fogo, o iOwlT. Inspirado nas corujas. Então, o que é que acontecia? A gente viu alguns artigos científicos que o pessoal botava uma coruja e um ratinho numa sala completamente escura. Ou seja, a coruja não conseguia ver o rato porque estava muito escuro. Mas ela conseguia identificar onde é que o rato estava através do som. Isso acontece porque na cabeça da coruja ela tem uma assimetria anatômica que tem uma orelha que fica mais baixa do que a outra. Então, quando o rato ia emitir o som, o som chegava primeiro nessa orelha aqui de baixo e depois na orelha de cima. Ou seja, chegava em tempos diferentes. É como se você tivesse na rua, na calçada, um carro passasse do teu lado. Como o som do carro bate primeiro nesse ouvido e depois nele, você já olha pro lado e vê que o carro tá lá, né?

Na China, apresentando o iOwlT
Foto: Arquivo Pessoal

A gente pegou essa ideia e expandiu como se fosse um guarda-chuva de cabeça pra baixo. Em cada perninha do guarda-chuva ficava um microfone na ponta. E cada microfone é como se fosse uma orelha diferente da coruja. E aí, baseado nesses tempos de diferença de chegada do som, a gente consegue localizar onde tá o atirador.

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Esse sistema que a gente desenvolveu em parceria com o BOP, é capaz de reconhecer que o som era um som de tiro com mais de 90% da acurácia. Isso significa que de 10 tiros que eram disparados, 9 nosso sistema conseguia identificar. E uma vez que identificava, a gente mostrava no Google Maps um pino de onde o cara tirou.

Matheus Farias recebendo o titulo MIT Innovator Under 35 na categoria de IA, um titulo dado aos maiores inovadores em ciência e tecnologia com menos de 35 anos
Foto: Arquivo Pessoal

De Recife para o mundo

Esse sistema foi legal e o apresentamos na China, numa competição mundial de inteligência artificial, antes da Covid, em 2019. Não era uma competição limitada para alunos de graduação e eram duas fases. Na primeira, competimos com a América toda, ou seja, com os Estado Unidos. Nisso a gente ganhou da Intel, da Microsoft, de várias universidades americanas de prestígio, como Universidade de Illinois, Universidade de Pittsburgh. E aí a gente foi pra China. Lá a gente conseguiu medalha de prata. O segundo melhor projeto entre 270 equipes do mundo.

Eu estava num momento que eu sabia que eu podia atirar para longe. E pra fechar com tudo, eu fiz um projeto de iniciação científica com Sérgio Machado Rezende, que já foi ministro da Ciência e Tecnologia no segundo governo Lula. Fiz um projeto mais específico em física com ele. No final da graduação, ele escreveu uma carta de recomendação pra mim, pra eu aplicar para os doutorados fora do Brasil, direto da graduação. 

Ele tinha feito doutorado na MIT e ele achava que eu tinha possibilidade de fazer doutorado fora lá também, nos Estados Unidos. Então eu apliquei para 15 universidades e eu passei em quatro, e uma delas foi Harvard. E eu tô fazendo o doutorado em Harvard, desde então, agora entrando no quarto ano. 

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Eu sou o primeiro brasileiro a fazer PhD em Engenharia Elétrica lá em Harvard. Eu não sou rico, não nasci rico também. Mas agora sinto que existe a possibilidade de eu fazer uma coisa muito grande que impacte o mundo todo, sabe? 

Hoje, eu trabalho com eficiência energética de algoritmos de Inteligência Artificial. Tento encontrar uma forma de fazer com que treinamento de modelos de IA sejam mais energeticamente favoráveis. Em paralelo, eu me envolvo muito com as Olimpíadas Científicas no Brasil e meu maior sonho é ser Ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil, seguir no espaço do meu orientador.

Continuo me engajando muito com o Brasil e com o impacto social. Hoje, eu estou como presidente da Brasil Conference, que é a maior conferência que fala sobre o Brasil, na parte de impacto social também.

Fonte: Redação Terra
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