A educação salvou Milton Souza de muitas maneiras. Livrou o belo-horizontino da fome, deu a ele uma profissão e o ensinou a sonhar. Depois de ser o pior aluno da sala, ele se tornou professor de matemática e hoje, com aulas de reforço, transforma a vida de centenas de crianças, adolescentes e adultos.
Milton não veio de uma família estruturada. Perdeu a mãe muito cedo, seu pai não tinha condições de criá-lo, e ele foi morar com os irmãos e cunhados. No entanto, a convivência não deu certo e, aos 14 anos, se viu morando sozinho. "Eu tive que, literalmente, recomeçar", lembra.
As dificuldades financeiras, mesmo tão novo, eram uma brutal realidade para Miltinho, que, por vezes, ia para a escola com fome. Ele também não teve um ensino fundamental e médio de qualidade, mas era na educação que encontrava um conforto em meio aos dias difíceis. Seu esforço o levou para a faculdade, onde cursou Administração.
Em 2010, fechou o ano como pior aluno da turma em termos de nota. Se formou com muitas dificuldades, mas prometeu a si que no momento em que tivesse filhos, iria dedicar pelo menos 10 minutinhos do seu tempo, todos os dias, para ajudá-los com os deveres. Seu objetivo era impedir que eles passassem pelo mesmo que viveu.
Vida transformada com o básico
Foi então que, em 2017, sua filha Anny, hoje com 10 anos, pediu um auxílio com a lição. Ali, MIlton viu que sua didática poderia ajudar também outras pessoas.
"E foi lá que eu resolvi transformar a minha vida aprendendo o básico, que é o que eu ensino hoje no reforço escolar. [...] Eu trabalhei sempre com ela esses 10 minutinhos. Hoje, ela é monitora de matemática, português e inglês, e passou em um concurso de bolsas em uma das melhores escolas da região", conta orgulhoso.
A partir disso, o professor se formou em matemática e passou a dar aulas de reforço, desde a alfabetização até para alunos que desejam prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Primeiro, informalmente na cozinha de sua casa. Depois, em uma sala que alugou por R$ 500.
De lá para cá, Milton conseguiu abrir sua própria escola, onde atende centenas de alunos também com aulas de inglês e português. Atualmente, seu faturamento mensal é de R$ 20 mil, ajudando crianças, adolescentes e até adultos a aprender. O mineiro também tem dois livros publicados.
Como tudo começou
Mesmo depois de formado, Milton não conseguiu um bom emprego. Ele passou a trabalhar como auxiliar da Prefeitura de Belo Horizonte, em Minas Gerais, ajudando pessoas a realizar o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) – sistema que identifica e inclui pessoas de baixa renda em programas de assistência social e redistribuição de renda.
Ver a dificuldade de tantas famílias o motivou ainda mais a dar aulas de reforço escolar, pois ele acredita piamente que a educação muda vidas. Os 10 minutinhos que investia e o desempenho da filha na tabuadao fizeram perceber que tinha aptidão para ensinar.
O que começou na cozinha de sua casa em 2017, cresceu conforme a notícia se espalhou por sua comunidade. Dois anos depois, ele pediu dispensa da prefeitura e investiu em uma sala para receber os alunos.
Milton se formalizou, graduou-se em Matemática com Formação Pedagógica e expandiu o negócio. Hoje, ele tem uma escola de reforço, onde presta mentoria para pais, filhos e professores.
"Eu estou na comunidade dando esse incentivo para centenas, para não falar milhares, de crianças, que ainda não perderam a vontade de viver e de sonhar. Estou dizendo para essas crianças das comunidades, principalmente aquelas pretas e pobres, que é possível mudar de vida", reforça.
Dez minutinhos e acolhimento
As aulas são ministradas até três vezes na semana, uma hora por dia, mas Milton pede que os alunos pratiquem todos os dias, pelo menos dez minutinhos. Segundo o professor, isso transforma a vida da criança e da família, já que esse tempinho investido diariamente torna o aprendizado prazeroso.
"Vai ficar prazeroso estudar o tanto que quiser, porque quanto mais estudar, mais você vai aprender, mas dentro de um prazer, dentro de uma liberdade. Se alguém colocar você para estudar muito tempo sem você querer, não adianta, você não absorve", aponta.
A técnica também ajuda nas conexões entre os pais e as crianças. Além disso, em sua escola também é praticado o acolhimento dessa família.
O aluno e os pais são ouvidos, e a equipe pedagógica procura entender a melhor maneira de ajudá-los -- sem repreender, só estimulando-os a tentar, arriscar, errar e sonhar. Com o passar do tempo, os adultos voltam a acreditar nos filhos, e as crianças passam a acreditar em si mesmas.
Todos aqueles que entram para aprender são chamados de 'Camisa 10', porque se arriscam a se desenvolver. Aquele que aprende e ajuda os demais, se tornando monitor, vira 'Camisa 1000', conforme explica Miltinho.
"Eu coloco eles para pensar e superar o medo de errar. Aí, eles começam a se comunicar mais, um se encontra com o outro. Quando os dois erram, eu me aproximo e, juntos, conhecemos a possível resposta para aquele problema, e no momento em que os dois concordam com o resultado, eu os coloco para treinar um com o outro. Eles se enchem de orgulho e de vontade, acreditam em si próprios e passam a ensinar outros alunos. Eles melhoram o que estão aprendendo porque têm foco, têm vontade motivação, prazer e sonho", destaca o professor.
Miltinho também estimula que o aluno se divirta e tenha momentos de prazer, além dos estudos. Ele tem um bordão que sempre fala para seus mentorados: "Tire férias, descanse, curta a sua família, conheça mais pessoas. Se ame mais! E ame mais todos os dias. Sorria, pois, nascer não foi uma escolha sua, mas viver a vida, sim!".
Ensinando e aprendendo ao mesmo tempo
O professor estima que mais de 5 mil alunos tenham passado por sua mentoria, presencial e online, fora os professores que já receberam algum auxílio. Ele atende crianças a partir de 3 anos, e seu aluno mais velho tem 73. Miltinho segue ensinando todos os dias e diz que sempre acaba aprendendo algo novo com eles.
Hoje, ele almeja chegar em muito mais lugares, levando algo novo e trazendo também.
"Agora eu já me sinto preparado pra ir pro Brasil inteiro, mas eu quero ir com estrutura, para continuar fazendo bem feito. Não é sair vendendo, eu quero que o aluno se sinta libertado, transformado", finaliza.